André Anlub e Rogério Camargo 56

Passaram-se décadas de escadas e escaladas, entupiram-se alguns canos, cabelos caíram, ossos furados, castelos ruíram.

No rosto do bibliotecário o vinco dos registros formava rios que desaguavam em oceanos de mágoa.

O que já passou por suas mãos e olhos são incontáveis joias raras, pedras preciosas, escritos, pequenos silêncios e enormes gritos de escritores de todo o globo.

Tudo dele, tudo nele. Sua vida é contar e recontar as pedras, encontrando ou deixando escapar as preciosidades.

Espalhou a semente da leitura: família, vizinhos e toda sua pequena cidade... mas não se sentia completo, não era pleno, era até mesmo infeliz ao extremo.

No extremo da angústia perguntava-se e a resposta era mais uma pergunta: O que é que eu estou fazendo aqui?

Saiu pelas ruas à procura da resposta; olhou pelas praças, bancos e ruelas e viu os amigos (eles e elas) lendo ou carregando livros; olhou pelas janelas baixas e viu mesas postas e ao lado as cristaleiras com livros guardados para o “após ceia”.

Pedras guardadas, livros guardados. Pedras nos olhos, livros nas estantes. Pedras nos sapatos, livros nas gavetas.

A impressão de dever cumprido veio junto com a de não dever nada; então, novamente, deságua em lágrimas, pois o livro que mais quis ler, ele não havia escrito.

No livro que ele não havia escrito, a resposta para sua pergunta não era uma nova pergunta e ele finalmente não dormiria mais embaixo da mesa.

Rogério Camargo e André Anlub

(7/2/15)

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