André Anlub e Rogério Camargo 75

O escuro abriu a porta para a escuridão e ela dava para o que ele não queria ver,

Sentia-se acuado, queria seu corpo diáfano, queria o silêncio do espaço e somente do som o ínfimo traço – a voz de seu pai.

Vinha de longe, um eco distante da sensação de aconchego e proteção.

Onde estará a mão forte de pedreiro e a alma de guerreiro tentando construir e ajeitar o planeta num brado lúgubre de oposição?

O escuro não sabia responder. Mas abrira uma porta para a escuridão e, tropeçando, foi entrando no que não queria ver.

Sentiu-se no útero, em casa, no conforto; não havia contorno, aborto, suborno nem desgosto; sentiu-se bem-vindo, observado, nutrido e cuidado.

O medo que tinha era o medo de ter medo, então. O medo que tinha da porta fechada era o de abrir a porta.

Agora pode ouvir a voz pueril de seu pai, que foi criança um dia; agora pode sentir o carinho de sua mãe que cedeu espaço no seu corpo para sua estadia.

Lentamente escuridão vai sendo iluminada pelo sentimento de presença. Lentamente o medo dela percebe que não estar é que apavora.

Pode dar as costas, ir embora de encontro ao dia, mesmo sabendo que na luz feneceria; pode resgatar importâncias, calar-se ao atentar a infância e talvez sorrir aguardando com paciência um novo breu.

Rogério Camargo e André Anlub

(26/2/15)

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