André Anlub e Rogério Camargo 80

Não há problema: saiu à francesa fazendo corretamente o esquema, pegando a viola e pondo no saco.

Sair sem ser notado e não haver problema são sinônimos em algumas línguas.

E falando em línguas: distraído esqueceu-se de esquecer o gosto da língua dela que ainda permanece na sua boca.

Tinha sido bom. Queria que continuasse bom. Talvez até a próxima esquina, quem sabe.

Mas o caminho até em casa é longo.

Tão logo se esqueça, mesmo que não mereça, outras línguas virão; antes mesmo da vitamina ao chegar em casa, depois de dobrar a próxima esquina, outras línguas virão.

Por enquanto, o prazer de meia hora tem aspecto de eternidade. Mas... O que era mesmo para trazer do mercado?

Seria o leite das crianças? Mas ele não lembra nem mesmo do preservativo! Só lembra de inventar um pretexto evasivo.

A distração no brinquedo ainda vai fazer a brincadeira acabar mal. Mas por enquanto é esse gosto, esse perfume, essa lembrança.

E vão-se as casas de luzes vermelhas, voam as abelhas empanturradas de mel; no seu mudo céu de estrelas salientes se sente um errante violeiro e infiel.

Assobia estridente, finge estar contente. Talvez esteja mesmo, feliz a esmo, de graça, porque tudo passa – menos este gosto, pelo menos até o lado oposto da calçada.

Rogério Camargo e André Anlub

(3/3/15)

Site: poeteideser.blogspot.com