Jardim de Paz

Wangari Maathai foi a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2004, por desenvolver uma ecologia ampla, com benefícios sociais, econômicos e culturais. Ela concretizou a ligação entre ecologia, justiça e paz. O Movimento que criou, Cinto Verde do Dia da Terra, plantou cerca de 30 milhões de árvores no Quênia, das quais 70% vingaram, criando salários para 80 mil pessoas e desenvolvendo programas em mais de 30 países africanos, nos EUA e no Haiti. As mulheres compõem 70% do movimento. Maathai sonhou um jardim da paz, que está brotando no mundo para melhorar intensamente a qualidade dos solos feridos pela expansão da agricultura mecanizada e ampliar a segurança alimentar e climática.

Ao longo dos séculos, a tradição monástica construiu a metáfora do cultivo do jardim como imagem do cultivo da espiritualidade. O cuidado cotidiano e protetor do jardineiro, que cultiva a oração, a si mesmo e, então, ao mundo, tem sido visto como modelo da vida monástica. A oração e o trabalho, tal como a proteção e o cultivo do jardim, não podem ser negligenciados, sob pena de fenecerem as flores e os dons para uma relação de amor com o Criador e a criação.

O monge beneditino e Doutor em Ciências da Paz, Marcelo Guimarães, compartilhou suas reflexões sobre o Jardim e a Paz, no Mosteiro da Anunciação, quando ofereceu referências importantes: a deusa grega Irene, e suas deusas-irmãs, as Oras, formam o trio de plantio, crescimento e colheita, que está na base mitológica da representação da paz no Ocidente, plasmada na imagem da cornucópia, que jorra incessantemente a abundância de alimentos; no Oriente, o ideograma japonês para paz consiste em um feixe de trigo ladeado por uma boca aberta - a idéia de fartura faz a contraposição com a realidade de penúria e fome imposta pela guerra.

Na religião judaico-cristã, Deus Pai é o jardineiro cósmico que, junto ao Espírito Santo Maternal pairando sobre as águas, prepara e rega o Jardim do Éden para proteger e prover de vida e alimento aos animais e humanos. Esta é a imagem que abre o Gênesis, livro sagrado dos judeus e cristãos. Em hebraico, Éden guarda analogia com "dn", cujo significado é "delícias"; e jardim, "gan", deriva do verbo "ganan", que significa "proteger". Na visão judaica, o Jardineiro do Éden é o protetor das delícias. A Bíblia cristã fecha, no último capítulo do Apocalipse, com a imagem do Jardim revelado pelo anjo ao profeta e regado pelo rio cristalino, fonte de água e do Espírito, que brota do trono de Deus e do Cristo. Nesse Jardim, a criação inteira é redimida, as árvores frutificam a cada mês e suas folhas são remédio para as Nações. É o Jardim que alimenta e cura o mundo inteiro.

Os gregos chamaram o Éden de paraíso. O Jardim permeia todo o texto bíblico. No Antigo Testamento, o Salmo 65 se refere a Deus como o jardineiro zeloso, que rega a terra, abençoa-lhe os brotos e provê fartura para promoção da justiça e da paz. Em Isaías, Javé é o jardineiro restaurador do deserto e da estepe, onde faz brotar o Jardim das delícias, lugar de alegria e música. No Cântico dos Cânticos, o livro favorito da Igreja dos séculos III a IV, o amor do homem e da mulher foi lido como metáfora do amor de Deus pela Humanidade, amor que se concretiza no cenário do Jardim.

No Novo Testamento, Evangelho de João, capítulo 15, Deus Pai é referido como o agricultor e o Filho como a videira. Os amigos do Filho são os ramos. O Pai cuida do Filho-videira, o qual poda para que dê frutos. O amor orienta toda a dinâmica do sistema para produzir a uva e suas delícias. O agricultor derrama a graça – o Espírito – e sustenta a seiva que estimula a relação essencial da videira e seus ramos. A síntese das trocas, no cultivo da videira, soa como relação universal de amor total.

No Evangelho de São João, Jesus foi sepultado num jardim, onde ressuscitado, qual Novo Adão, reencontrou Madalena, a Nova Eva, que não o reconheceu e o identificou com o jardineiro. De fato, Jesus, qual jardineiro, plantou em sua alma a semente da fé na Ressurreição e a protegeu contra a crença na existência da morte. Ao crer na vida eterna, ela anunciou a boa nova aos discípulos.

O jardim sagrado é multisignificante. Guarda relação com paz, delícia, proteção, cultivo espiritual da oração e doação ao outro. O jardineiro, que habita o jardim, ao contemplá-lo cultiva delícias em si mesmo e significados espirituais para alimento da vida cotidiana. O jardineiro das delícias inspira a percorrer os jardins sagrados em busca do sentido para a devoção ao cultivar. Mesmo em meio ao rugido da urbe, o jardineiro é capaz de escutar a melodia das flores em seu despertar sob as carícias dos primeiros raios do sol.

Eis a prece que destila o mel da Criação serena, da Criação em delícias, da Criação em melodias, da Criação em perfumes. Em vários canteiros e em distintos tempos, ao ritmo da inspiração e revelação do Espírito, a oração realiza o sentido do carinho, da proteção e do deleite espiritual que é paz.