O real e o virtual

A princípio seria interessante perguntarmos o que é o real e o que é o virtual? Parece que o real está para o concreto e o virtual para aquilo que foge a nossa percepção tátil, ou seja, àquilo que não conseguimos tocar. O virtual não atinge nosso corpo assim como uma pedra nos atingiria se alguém nos arremessasse uma. Mas certamente ele atinge o que há de mais fundamental para sustentabilidade e crescimento de cada ser humano, posto que atinge nossa mente. Em outras palavras, atinge nossa forma de pensar, modo de ver, maneira de agir e, fundamentalmente, nosso jeito de sentir. É pasmoso, mas as nossas paixões são também, fortemente, influenciadas por aquilo que está oculto, atrás da tela, lá longe, fora do nosso alcance. Pois o que parece inacessível, tem em si a potência de se tornar real. Porque o mundo, diria Heidegger, é o mundo das possibilidades. Isso é admirável pois o virtual carrega a potencialidade de vir a concretizar-se. E concretiza-se.

Mas por que esse assombro, esse encantamento pelo que está escondido, pelo que está lá, e não aqui? Vejamos que, no momento em que estamos vivendo, numa época hipermoderna, o virtual adentrou em quase todos os setores das relações humanas. Homens e máquinas se misturam, se confundem e já não se sabe mais o que é humano. São os valores sendo invertidos.

Não muito tempo atrás o que tínhamos de virtual era somente o acesso ao telefone, com fio. E de um momento para outro, num estalo, de chofre, acontece a explosão tecnológica, o “bum” da informatização, o encanto e o temor pelo virtual - que invadiu nossa realidade e modificou as relações familiares, conjugais, relações de trabalho, ou seja, os modos de produção da vida material. Eis o descaso com as relações reais.

E não muito antigamente, em especial, nas cidades pequenas, cultivava-se muito as deliciosas prosas, até mesmo nas calçadas tomava-se chá da tarde, fazia-se piqueniques e grandes almoços comunitários com a vizinhança. Isso tudo de um modo muito saudável. Atualmente, em especial, nas cidades grandes (que recebem em primeira mão os avanços tecnológicos), tem se optado pelas conversas virtuais em salas de bate-pato, pelo meio de comunicação mais terrífica que já colocamos em nossas casas. Pode parecer assustador, mas os computadores e a comunicação em redes não foram criados para os usos neuróticos em que estamos nos encaixando, mas simplesmente para ser instrumentos eficazes àquelas inumanas guerras mundiais. Ora, ingenuidade pensar que um gênio pudesse perder seu precioso tempo criando uma máquina onde as pessoas pudessem se conhecer, facilitando o encontro das almas gêmeas, afim de que todos sejam felizes para sempre. Grande engodo. Se assim fosse, como se explicaria o fato: Hirochima. A promessa é por felicidade, mas na verdade o que é que temos e recebemos? A resposta fica por conta das reflexões de cada um.

É certo que não precisamos ser tão pessimistas, elencando somente os malefícios que a virtualização nos proporciona. É maravilhoso saber que a internet une casais, mas vale lembrar que também separa. É interessante reconhecer que podemos fazer nossas compras via internet e que assim não precisamos sair do conforto de nossas casas, indo às livrarias ou lojas de cds, sapatos, etc. Mas vale lembrar que as células adiposas só aumentam a cada segundo que ficamos na frente dessa máquina. É bom admitir que as reuniões podem render via troca de e-mail. Contudo, é bom não esquecermos que assim estamos cada vez vais banalizando o contato humano e fragilizando as relações. É rentável estudarmos via internet, economizamos tempo e recursos financeiros. Mas convém recordar também que, assim economizamos olhares, cumplicidade, toque, vivências. É conveniente pagarmos nossas contas em caixas eletrônicos. Mas vale dizer que hoje em dia ninguém mais tem amizades com os caixas (pessoas), da forma como tive na época em que era office-girl, naquele tempo conhecia pelo menos um caixa de cada banco na cidadezinha onde morava, e o que fazia com eles era pura filosofia clínica. Até hoje eles são meus amigos, vivem na minha lembrança e no meu coração e quando os encontro, ainda lhes aperto as mãos.

Bom, já difamamos o virtual. Agora é a vez do real. Isso mesmo. Ou existe alguém que pense que o real é perfeito que seja o paraíso que merecemos? Nada disso, o real é cansativo, é chato, é rotineiro, nos impõe obrigações, limita nossos desejos, castra nossa vontade de romper barreias e, ainda, não consegue preencher nosso vazio existencial. Pois, há algo que buscamos, mas não sabemos o que é nem onde está.

O real, não convém lembrar, mas é violento, angustiante, oscilante entre belezas e atrocidades, é onde somos felizes, mas sem a trégua da angústia.

Pergunto então se é possível permanecermos de olhos bem abertos a essa realidade miserável para muitos, homicida, corrupta e hipócrita? Será que não necessitamos de uma overdose de ilusões, de romantismo, de um trago, de dois goles, três picadas, muita comida e prosac para permanecermos vivos? Ou não seria o auto-engano o caminho para continuarmos real e virtualmente caminhando?

Silvia Santana
Enviado por Silvia Santana em 18/07/2008
Código do texto: T1086375
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