Só os tolos têm certeza.

Só os tolos têm certeza.

Só os tolos têm certeza! Esta frase é infinitamente vulgar, e só um tolo repetirá uma máxima tão mínima. Há, portanto, quem se arrisque a contender comigo nesse particular, todavia asseguro que alguns espíritos vivem uma eternidade para compreender que não se pode alcançar uma verdade sobre este mundo de eternas mudanças. Lembro-me que há pouco tempo tinha eu uma certa medida de convicção sobre vários assuntos e que agora sairam voando pela janela da dúvida. E por que cheguei a este parecer? Descobrir por exemplo que nem mesmo os mais conceituados filósofos, sequer se permitiam a uma meia-verdade, que nem mesmo a ciência lhes convencia sobre um assunto trivial. Ao passo que alimentamos nosso campo de visão, mais cego nos sentimos com relação ao todo; o universo físico não pode ser compreendido pela humanidade. Lendo Proust, não me lembro especificamente em que ponto, ele apresenta uma visão magnífica das contradições dos sentimentos humanos, embora trate de um tema que a meu ver não tenha muita relevância para filosofia, mesmo assim, me impressionou o fato dessa aplicação, quando ele deslindando as causas das confusões mentais de um louco ciumento,diz que ao fim de um pensamento excessivamente sem importância, sua personagem relaxar com a satisfação de quem conseguira desvendar o problema da imortalidade da alma. Entre outros temas que aflige a mente de um ser que pensar, este sem dúvida é o mais penoso. Reporto-me a este que tem machucado as vísceras daqueles que inocentemente procuram compreender o enigma mais sombrio que podemos conceber em tanto tempo de especulação mental. É, sem dúvida a nossa maior procura, desvendar a mente de Deus.

Todavia é preciso dizer, e isso em alto e bom som, que por mais que evoluamos, por mais que a ciência desenterre os cadáveres dos deuses, por mais que o ser humano se decepcione com a magia da fé, por mais que aos quatro ventos grite a razão, haverá sempre uma maioria que preferirá não abrir os olhos para andar sem o auxilio dos ídolos, dos mitos, dos cegos que guiam cegos em troca de água e pão. É, portanto, uma batalhar insalubre, esta pugna do ser vivo com o não ser morto. O homem, como um todo, não conseguirá se livrar do seu maior e mais malévolo algoz: sua consciência, e por isso criou com sangue e lágrimas, não com barro, seus ídolos, seus deuses, sua crença e sua fé no sobrenatural. E por que isto se dar? Explico eu, embora contradizendo meu próprio parecer inicial.

Tendo certeza ou não, no que tange a tirania da consciência, posso eu até certo ponto advogar. Sendo humano e tendo os meus conflitos, compreendo que ser um homem racional é algo impossível em tempo integral, necessitamos vez por outra de um descanso, de uma pausa na labuta diária que requer de nós um grau altíssimo de estresse mental. Um ser que fosse eternamente metódico e racional não seria humano, seria um deus. Por isso veio nas nossas horas de ócio, quando fugíamos da realidade atroz, demos então a luz a um mundo menos penoso, criamos um estado igualitário onde pudéssemos nos refugiar depois da fuga das intempéries do mundo físico real. O nosso refúgio a nossas crenças.

Evan do Carmo
Enviado por Evan do Carmo em 30/07/2008
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