TROPICALISMO: UMA PORTA ABERTA PARA A PÓS-MODERNIDADE NO BRASIL

TROPICALISMO: UMA PORTA ABERTA PARA A PÓS-MODERNIDADE NO BRASIL (UM OLHAR SOB A LUZ DA SEMIÓTICA)

Emanuelle de Souza Silva Almeida *

Raimundo Lopes Matos **

INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma leitura investigativa do tropicalismo, movimento de ruptura que sacudiu com a cultura nacional em 1967 e 1968. A leitura abrange o momento histórico-cultural, assim como os componentes influenciadores e bastante contribuinte no tocante a formação deste movimento.

Esse estudo foi motivado pela necessidade de explanar sobre o tema, visto que, apesar de ter tamanha representatividade no cenário cultural e por ser bastante contemporâneo, ainda é difícil encontrar pesquisas no que tange o tropicalismo.

Objetiva-se verificar a interculturacidade presentes nesse movimento, manifestada por meio de contribuições e influencias do momento histórico, como o cenário político-social inerente ao período e reitera sobre a sua importância junto ao cenário político-cultura brasileiro. E isso é bastante pertinente quando observamos que o cenário político brasileiro foi marcado pela década de 60, período que perpassou o Tropicalismo, tal movimento artístico, de jovens inquietados em discutir as esfinges culturais existentes nesse país, almejando o tirocínio e alternativas para contrapor ao discurso político vigente. Os estudantes reuniam-se nas universidades vislumbrando a dissolução da ditadura. Eles, aliados com os docentes, se exprimiam sob a perspectiva de encontrar forças e expondo seus inconformismos no que tange as normas morais vigentes.

Foi utilizado como recursos as ciências sociais que trabalham com a pós-modernidade, assim como a história para poder situar o espaço-ambiente que se passou o movimento tropicalista além de materiais como entrevistas, textos dos pioneiros do tropicalismo e recortes de jornais da época.

Está norteado esse trabalho sob a luz da Semiótica, conceituado por Charles Sanders Piece, ainda que de forma implícita, uma vez que é trabalhada a linguagem como signo primordial para o processo do movimento tropicalista. Vale salientar que a abordagem feita no texto referente à modernidade, diz respeito ao, o que chamaria Antony Giddens de estilo de vida, organização social emergente na Europa e que depois se torna mundial. E quando abordamos pós-modernidade, seria segundo Jair Ferreira dos Santos de nomenclatura utilizada para defini as mudanças nas ciências e nas artes a partir de 1950, quando encerra o modernismo, emergindo de forma linear até abarcar os anos 60, período a qual interessa esse estudo, com a Art Pop e se estendendo até os dias atuais.

Esta pesquisa tem a pretensão de contribuir para estudo no que tange a cultura artística e também literária, uma vez que o Tropicalismo foi motivada e motivou todo o contexto que envolve estas vertentes.

1.TROPICALISMO: O SURGIMENTO

Foi um movimento de ruptura que balançou a atmosfera da música popular e da cultura brasileira. Seus partícipes constituíram um amplo grupo, cujas proeminências foram os compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, acompanhados pela cantora Gal Costa e do cantor-compositor Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto conclui o grupo, que trazia ainda o artista, compositor e poeta Rogério Duarte, não podemos deixar de lembrar do compositor e poeta Waly Salomão, cuja contribuição intelectual foi bastante significativa.

A instalação do artista plástico Hélio Oiticica “Tropicália” foi o marco inicial para estabelecer o movimento tropicalista no Brasil. Reconhecido no âmbito mundial como um dos mais importantes artistas da arte contemporânea, manifestada, com seus “parangolés” (obras de arte que podiam ser vestidas pelo público) buscava unir popular e erudito, convergindo a arte do povo.

Em seguida, Caetano Veloso, jovem cantor baiano, é quem grava uma música intitulada Tropicália e, no ano seguinte, é lançado o LP Tropicália: ou Panis et Circenses, reunindo músicos como Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e o próprio Caetano.

“Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval, eu inauguro o monumento do Planalto Central do País” (Tropicália – Caetano Veloso)

Buscando uma definição para sua obra-ambiência Hélio Oiticica, dispondo numa exposição no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro disse:

‘Tropicália é um tipo de labirinto fechado, sem caminhos alternativos para a saída. Quando você entra nele não há teto, nos espaços que o espectador circula há elementos táteis. Na medida em que você vai avançando, os sons que você ouve vindos de fora (vozes e todos tipos de som) se revelam como tendo sua origem num receptor de televisão que está colocado ali perto. É extraordinário a percepção das imagens que se tem: quando você se senta numa banqueta, as imagens de televisão chegam como se estivessem sentadas à sua volta. Eu quis, neste penetrável, fazer um exercício de imagens em todas as suas formas: as estruturas geométricas fixas (se parece com uma casa japonesa-mondrianesca), as imagens táteis, a sensação de caminhada em terreno difícil (no chão ha três tipos de coisas: sacos com areia, areia, cascalho e tapetes na parte escura, numa sucessão de uma parte a outra) e a imagem televisiva.(...)

Eu criei um tipo de cena tropical, com plantas, areias, cascalhos. O problema da imagem é colocado aqui objetivamente, mas desde que é um problema universal, eu também propus este problema num contexto que é tipicamente nacional, tropical e brasileiro. Eu quis acentuar a nova linguagem com elementos brasileiros, numa tentativa extremamente ambiciosa em criar uma linguagem que poderia ser nossa, característica nossa, na qual poderíamos nos colocar contra uma imagética internacional da pop e pop art, na qual uma boa parte dos nossos artistas tem sucumbido."

(Hélio Oiticica)

Estabelecendo uma nova linguagem, o movimento tropicalista teve abertura em 1967, procurando apontar os contra-sensos dos costumes, abordando um Brasil confuso em meio a estilhaços, onde permeava na oração nacionalista.

Esse movimento tão efervescente motivou representações incumbidas junto aos meios de comunicação que tivessem reações no tocante ao comportamento no cinema, no teatro e nas artes plásticas. Glauber Rocha, no cinema, deu raiz à inovação estética e o novo formato de expressar a realidade brasileira, apresentando o Cinema Novo, com uma conduta díspar do período antecedente. Sob a ótica da modernidade, a manifestação altera o caráter das linguagens artísticas tanto na indústria cultural quanto na Música Popular Brasileira. Criou modas e miscelânea de comportamentos com a postura hippie, agregando a moda ao psicodélico, retrocedendo aos padrões do arcaísmo brasileiro, passou assim a ser chamado de “cafonismo”. As posturas mediante ao clima e a linguagem, evidenciadas pelos artistas assinalaram uma década de entrelaçados de correntes ideológicas e comportamentais em um Brasil mergulhado em uma crise existencial no que tange ao processo de seu desenvolvimento. Essa linguagem era apresentada por meio de metáfora tanto na música como na literatura, devido ao regime militar que censurava e também punia artista ou estudante que demonstrasse contrário aos princípios morais do regime.

O movimento, libertário por excelência, permaneceu por pouco mais de um ano e encerra contido pelo governo militar,com o exílio de Gil e Caetano, em dezembro de 1968. No entanto, o Brasil já se encontrava tatuado para sempre pela descoberta da pós-modernidade e dos trópicos.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

Em 1964, a contenda entre as superpotências dos Estados Unidos e da União Soviética nutria conflitos na América Latina e no País. Em 1959, a Revolução Cubana apresenta Fidel Castro e Che Guevara em heróis internacionais e Poe lenha da fogueira da pressão do bloco capitalista sobre os países do terceiro mundo.

No Brasil, o presidente João Goulart Jango indica uma cadeia de reformas de base para diminuir o grave problema da desigualdade social e as pressões políticas que estava sofrendo dos movimentos de esquerda. Contra essas propostas desenvolveu um movimento da direita política e de uma parcela da sociedade, que recomendavam uma atualização conservadora. Com a participação do Congresso, das classes média e alta, esse grupo abateu por meio do golpe militar de 31 de março. O Exército e sua coligação civil derrubou o presidente João Goulart

e conferiram o domínio aos militares. O golpe, amparado pelos americanos, desfazer o já delicado jogo democrático brasileiro. A concentração de verba apareceu como formato de expansão capitalista. Castelo Branco surge como o primeiro de uma série de generais-presidentes ditatoriais. Seu suplente, Costa e Silva, governou o Brasil de 1967 a 1969, sempre com o poder emergente.

O Brasil se encontrava no olho do furação, culturalmente, o país está efervescente. Até 1968, intelectuais e grupos de esquerda permitiram-se atuar com uma certa liberdade, com algumas dificuldades com a censura. A grande produção surgia desde as peças do Teatro Oficina aos grupos Opinião e Arena; das canções de protesto às músicas da Jovem Guarda, passando pelos filmes do Cinema Novo e pelas artes plásticas. Em todos os campos, a política fazia-se presente, permanecendo ligado ao campo das artes uma questão que contrapunha experimentalismo e engajamento, participação e alienação.

A partir de 1967, as incompatibilidades foram radicalizadas. No campo da música, houve confrontação entre os artistas nacionalistas de esquerda e os vanguardistas do Tropicalismo. Estes se manifestaram contra o autoritarismo e a desigualdade social, porém propondo a internacionalização da cultura e uma nova expressão estética, não restrita ao discurso político. Para os tropicalistas, entender a cultura de massas era tão importante quanto entender as massas revolucionárias.

Ainda no âmbito político, 1968 foi o ano em que as crises chegaram ao pico mais elevado. As greves operárias e as manifestações estudantis, com a concludente coação policial, se intensificaram. Os combates rurais e urbanos cresciam suas ações. Com o constante desenvolvimento da oposição, Costa e Silva, sofrendo pressão da extrema direita, rebateu com o endurecimento.

Em 13 de dezembro, o Ato Institucional Nº 5 determinou o fim das liberdades civis e de expressão, sacramentando o arbítrio até 1984, quando o general João Figueiredo deixa na presidência do País.

3. NUANCES DO TROPICALISMO NO CINEMA

No cinema, seguindo o radicalismo das questões do Cinema Novo, em volta a estréia de Terra em Transe, de Glauber Rocha, que com “uma idéia na cabeça e uma câmara na mão” inicia uma nova estética no cinema onde começa a divulgar a problemática da miséria e da desigualdade existente na região nordeste. Ainda que seja um cinema de baixo custo, porém é rico na linguagem e no estima cultural.

Versando em desconstruir os moldes das ideologias e das estéticas do cinema de fora, o tropicalismo contribuiu para que esse novo cinema estabelecesse uma assimilação da linguagem como uma prática de conhecimento do homem brasileiro, na sua realidade social, desmistificando o conceito de ser um país dependente e alienado. Essa inovação é a figuração do aborrecimento e desagrado da sociedade, a violência como expressão cultural dos países subdesenvolvidos, possibilitando com que o povo europeu assimilasse o Brasil como uma cultura explorada pelos seus colonizadores.

“Tropicalismo é aceitação, ascensão do subdesenvolvimento; por isso existe um cinema antes e depois do Tropicalismo. Agora nós não temos mais medo de afrontar a realidade brasileira, a nossa realidade, em todos os sentidos e a todas as profundidades”. (Rocha, 2004).

O Cinema Novo rompe com os padrões estéticos no tocante a tudo aquilo que as pessoas estavam acostumados a ver: um lugar onde sem conflitos entre os homens e que os policiais e soldados resguardando o povo explorado.

“(...)Enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor dessa miséria, não como um sintoma trágico, mas como um dado formal em seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua miséria ao homem civilizado, nem o homem civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino. (...)Eis- fundamentalmente - a situação das artes no Brasil diante do mundo: até hoje, somente mentiras elaboradas de verdade (os exotismos formais que vulgarizam problemas sociais) conseguiram se comunicar em termos quantitativos, provocando uma série de equívocos que não terminam nos limites da arte mas contaminam o terreno geral do político. Para o observador europeu , os processos de criacão artística do mundo subdesenvolvido só o interessam na medida em que satisfazem sua nostalgia do primitivismo; e esse primitivismo se apresenta híbrido, disfarçado sob as tardias heranças do mundo civilizado, heranças mal compreendidas porque impostas pelo condicionamento colonialista. (...)A fome latina , por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que nossa fome, sendo sentida, não é compreendida. (...)Nós compreendemos está fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entendeu. Para o europeu , é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro, é uma vergonha nacional. Ele não come mas tem vergonha de dizer isto; e sobretudo , não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto - que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mas agravem seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome , minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência.” (Trecho de “A estética da fome” de Glauber Rocha)

4. NUANCES DO TROPICALISMO NA MÚSICA BRASILEIRA

Como é sabido a afirmar que a ponta-de-lança naquela efervescência cultural era a música. Muitos programas de televisão tinham a sua frente músicos. Isso se justifica que os primeiros ídolos da televisão eram músicos também. Foi nesse contexto de otimismo com a MPB que surgiram os Festivais de Música Popular Brasileira, criados pela Record, onde um número bastante significativo de talentos podia se apresentar.

Esses festivais marcaram a história da música no Brasil pelos discursos que ecoaram, principalmente o terceiro que aconteceu em outubro de 1967, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil ousaram em desafinar o bom tom da música, até então vigente na época, introduzindo o rock-in-holl, que era um tabu para a grande maioria.

No final do festival a apresentação de Caetano com sua música “É proibido proibir” foi recebida com furiosas raivas por parte da platéia. Em resposta Caetano fez um longo e inflamado discurso. Vale a pena conferi:

“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês tem coragem de aplaudir este ano uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado; são a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada , absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa! Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, não com o medo que sr. Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém! Vocês são iguais sabe a quem? São iguais sabe a quem? - tem som no microfone? - Àqueles que foram ao Roda Viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha -me comprometido em dar esse ‘viva’ aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira! O Maranhão apresentou esse ano uma música com arranjo de charleston, sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar, por ser americana. Mas eu e Gil abrimos o caminho, o que é que vocês querem? Eu vim aqui pra acabar com isso. Eu quero dizer ao juri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso! Nada a ver com isso! Gilberto Gil! Gilberto Gil está comigo pra acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com isso tudo de uma vez! Nós só entramos em festival pra isso, não é Gil? Não fingimos, não fingimos que desconhecemos o que seja festival, não. Nínguém nunca me ouviu falar assim. Sabe como é? Nos, eu e ele, tivemos a coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas, e vocês? E vocês? Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com Gil! Junto com ele, tá entendendo. O juri é muito simpático mas é incompetente. Deus está solto! (Canta trecho de É proibido Proibir) Fora do tom, sem melodia. Como é juri? Não aceitaram? Desqualificaram a melodia de Gilberto Gil e ficaram por fora! Juro que o Gil fundiu a cuca de vocês. Chega!”

No tocante a bagagem deixada pelos precursores deste movimento, a metáfora vai surgi num panorama de um país em crise, onde as letras combinam compassos de folclore, compassos primitivo e música clássica, trazendo para esse cenário, as misturas de significados, os avanços econômicos e a perda da identidade do indivíduo na cultura, uma cultura que com as modificações perde seu ritmo, demonstrando-se heterogênea e com suas tradições perdidas no mundo moderno.

O tropicalismo, neste contexto aponta para um país em crise e ao mesmo tempo mostra o país belíssimo e com avanços tecnológicos.

O tom carnavalesco presente em algumas canções mostra a desesperança e a aflição que o homem está passando, no entanto, numa configuração disfarçada.

Neste contexto, é notória a sarcasmo poético entre o encanto natural do Brasil e as incoerências relativas ao país subdesenvolvido, parodiando com o poema de Gonçalves Dias a “Canção do Exílio”:

Minha terra tem palmeiras / Onde sopra o vento forte / Da fome com muito medo / Principalmente da morte / O lê lê lá lá

Desta forma, unido como a miséria, a fome e o temor da morte, encontramos as belezas e a falta de solução para sobreviver, uma das implicações decorrente ao homem sem meios de evadir-se da crise social e econômica pela qual está passando.

5. NUANCES DO TROPICALISMO NA LITERATURA

“Chegamos sem saber que éramos tão diferentes dos outros. Nossa educação não era livresca e tínhamos mais ‘cintura’ para lidar com as questões da modernidade” (Tom Zé)

No mundo literário, as modificações foram consolidadas por uma nova forma de propor moderno. A metáfora nos poemas demonstra um mundo fragmentado, num contexto onde surgem brotam novas técnicas e costumes se aniquilam antigas tradições culturais por meio das modificações ocorridas na sociedade. A sociedade e o homem que abita nela se vêem perdido uma vez que sua identidade está sempre se perdendo junto com o desenvolvimento.

“A modernidade identificou-se com a mudança, concebendo a crítica como um instrumento de mudança, e assimilada, uma e outra, ao progresso. Para Marx, a insurreição revolucionária era ela mesma uma crítica em ação. No domínio da literatura e das artes, a estética da modernidade, do romantismo aos nossos dias, foi a estética da mudança. A tradição moderna foi a da ruptura, tradição que se negava a si mesma e que por isso se perpetuava”. (Jornal do Brasil, 1988).

A tão emergente cultura de massa-mídia discuti sobre a autodescrição de identidade nacional ou latino-americana considerada periférica de maneira forte e além disso se depara com a crítica acadêmica, a qual conservar-se refletindo em termos tradicionais de literatura, com formas narrativas da midia. Frente iconografia tropicalista, frente às imagens com seu ritmo heterogeneo e híbrido que chegam a mostrar virulência em Macunaíma segue-se uma reação forte de rejeição.

“Nós somos muito subdesenvolvidos para reconhecer a genialidade da obra de Oswald. Nosso ufanismo vai mais facilmente para a badalação do óbvio sem risco do que para a descoberta de algo que mostre a realidade de nossa cara verdadeira (....) Sua peça está surpreendentemente dentro da estética mais moderna do teatro e da arte visual. A superteatralidade , a superação mesmo do racionalismo brechtiano através de uma arte teatral síntese de todas as artes e não-artes, circo, show, teatro de revista, etc (...)” (Manifesto Oficina-1967)

Os trabalhos com ligação com o Tropicalismo assumiram uma posição critica frente à participação da arte brasileira na linguagem urbana e internacional. Ser Tropicalista era pensar e propor uma nova imagem para o Brasil. Ao se apropriar de elementos dito como transgressores da arte mundial com a finalidade de universalizar não só a música popular brasileira, mas toda a cultura brasileira.

No campo da crítica, a poesia concreta dos irmãos Campos e Décio Pignatari, influenciaram diretamente. Tais autores foram os que apoiaram o movimento desde o início, Poe intermédio deles, os precursores do Tropicalismo chegaram até a poesia e filosofia antropofágica de Oswald de Andrade, autor do Manifesto Antropofágico.

“Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia, resplendente, cadente, fogueira num calor girassol com alegria na geléia geral brasileira que o jornal do Brasil anuncia.” (Gilberto Gil e Torquato Neto)

Uma peça chave que não pode deixar de ser citado, Waly Salomão, baiano de Jequié, participou do movimento cultural Tropicália, ainda que nos bastidores, na década de 60, protagonizado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Torquato Neto, Jards Macalé, Gal Costa e Maria Bethânia. notabilizou-se por escrever letras para músicas gravadas por Caetano Veloso entre outros. Salomão lançou obras como "Alegria, Alegria" (primeiro livro de Caetano Veloso). primeiro livro de poemas foi lançado em 1971, "Me Segura que Eu Vou Dar um Troço", com textos escritos na prisão, paginados e diagramados pelo artista plástico Hélio Oiticica, seu amigo. Tornou-se figura importante para os tropicalistas, mesmo atuando mais nos bastidores. Dirigiu o show "Fatal" (1971), em que Gal cantava músicas como "Mal Secreto" e "Vapor Barato", de sua autoria em conjunto com Jards Macalé. No entanto, em se tratando de antropofagia, fale ressaltar que ele também influenciou, Maria Bathânia que gravou seu poema “Anjo Exterminado”.

“Seja marginal e seja herói”, essa frase Hélio Oiticica sintetiza uma série de trabalhos que ficaram conhecidos como “Marginalia”. Essa cultura passou a fazer parte das discussões no final de 1968. Os trabalhos de Waly Salomão, assim como Chacal, Torquato Neto, Francisco Alvim dentre outros, é associado à literatura e poesia deste período, que se inicia com a prisão de Caetano e Gil.

Relacionando a arte brasileira e a realidade social das grandes metrópoles, a Marginalia incorpora uma série de elementos da violência diária, fruto direto do avanço da contracultura no Brasil. Podemos destacar como obra emblemática desta cultura é o livro “Me segura que eu vou dá um troço” de Waly Salomão, assim como a revista “Navilouca” de Torquato Neto e Waly Salomão.

Jamais adotou a posição clara em relação à sua influência na Tropicália "Não me sinto atrelado a qualquer movimento, como se fosse um figurino de época", disse Waly Salomão que atravessou os anos 70 fornecendo canções para os remanescentes da turma baiana.

Poeta multicultural tornou-se ícone em várias lutas, Waly talvez tenha sido uma das personalidades mais transgressoras e fascinantes da cultura nacional contemporânea. Fez como pouco a miscelânea de diversas formas de expressão da música à filosofia, da poesia às artes plásticas.Waly Salomão era um homem dionisíaco, legítimo herdeiro de Gregório de Mattos e Oswald de Andrade. Um artista inquieto, irreverente, ágil, surpreendente, original, sem papas na língua, um viajante da contracultura.

A poesia marginal foi criada por jovens que almejavam uma liberdade de criação e de palavras, assim como uma liberdade editorial (pois expressavam seus textos de forma artesanal ou em folhetos). Por seu próprio caráter, a produção 'marginal' ou 'independente' é significativamente grande e variada, ainda que alguns de seus autores já tenham, em 1987, obras divulgadas pelas editoras convencionais.

Segundo Bosi, as principais características dessa nova temática seriam: Ressurge o discurso poético e, como ele, o verso, livre ou metrificado – em oposição à sintaxe ostensivamente gráfica; Dá-se nova e grande margem à fala autobiográfica, com toda a sua ênfase na livre, se não anárquica, expressão do desejo e da memória. – em contraste com o desdém pela função da linguagem que o experimentalismo formal programava; Repropõe-se com ardor o caráter público e político da fala poética – em oposição a toda teoria do autocentramento e auto-espelhamento da escrita. Subordina-se a construção do objeto à verdade (real ou imaginária) do sujeito e do grupo.

Além das características apontadas por Bosi, podemos notar traços formais proeminentes como a fragmentação do discurso, que remete à técnica do fluxo de consciência, a citação e a paródia de poetas modernistas, a diluição dos limites entre poesia e prosa, a inclusão de outras linguagens e diferentes níveis de fala, como o coloquialismo e a gíria. No plano temático, houve valorização da abordagem do cotidiano, da auto-ironia, da metalinguagem, do questionamento existencial, social e político. Sob essa perspectiva, podemos observar na canção “Batmacumba” de Caetano e Gil, algumas características deste contexto.

batmacumbaiéié batmacumbaoba

batmacumbaiéié batmacumbao

batmacumbaiéié batmacumba

batmacumbaiéié batmacum

batmacumbaiéié batman

batmacumbaiéié bat

batmacumbaiéié ba

batmacumbaiéié

batmacumbaié

batmacumba

batmacum

batman

bat

ba

bat

batman

batmacum

batmacumba

batmacumbaié

batmacumbaiéié

batmacumbaiéié ba

batmacumbaiéié bat

batmacumbaiéié batman

batmacumbaiéié batmacum

batmacumbaiéié batmacumbao

batmacumbaiéié batmacumbaoba

Nesta conjuntura, remetendo-nos a pós-modernidade, As emoções ligadas a atemporalidade, instabilidade, mutabilidade, variabilidade, a dispersabilidade e falta de confiança se deparam sempre mais altivas. As linguagens e expressões estéticas vão se multiplicando, e não há conflitos em relação a isso. Como podemos notar, a estética da intertextualidade marcou a poesia de Waly Salomão:

Novelha cozinha poética

Pegue uma fatia de Theodor Adorno Adicione uma posta de Paul Celan Limpe antes os laivos de forno crematório Até torná-la magra-enigmática Cozinhe em banho-maria Fogo bem baixo E depois leve ao Departamento de Letras Para o douto Professor dourar. ( Waly Salomão )

Também podemos observar a palpável relação na canção de Caetano e Pedro Novis “Relance” gravada por Gal Costa, o disco Araçá Azul é uma homenagem a Oswald de Andrade:

Pare, repare

Cite, recite

Salve, ressalve

Volte, revolte

Trate, retrate

Vele, revele

Toque, retoque

Prove,reprove

Clame, reclame

Negue, renegue

Salte, ressalte

Bata, rebata

Fira, refira

Quebre, requebre

Mexa, remexa

Bole, rebole

Volva, revolva

Corra, recorra

Mate, remate

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Morra, renasça

Desta forma fazemos também uma intextextualidade com o poema de Haroldo de Campos “Nascemorre”

se

nasce

morre nasce

morre nasce morre

renasce remorre renasce

remorre renasce

remorre

re

re

desnasce

desmorre desnasce

desmorre desnasce desmorre

nascemorrenasce

morrenasce

morre

se

Vale ressaltar que nos anos 70, Augusto de Campos manteve contato com figuras da música popular preocupadas com a expressão experimental. Escreveu a contracapa dos primeiros dois LPs dos Novos Baianos.

Observa-se a criação por um processo metafórico muito sofisticado na medida que tem seu significado ampliado e mesmo alterado pela semantização produzida pela associação de texto semiótico artístico. Na busca de ferramentas para aplicação da teoria pierciana ao diversos tipos de formas (signos) de linguagens visuais, elaborado por Lúcia Santaella, uma vez que a autora concebe as formas representativas as que “funcionam como signo porque serão assim interpretadas”

6. TROPICALISMO E PÓS-MODERNIDADE

O estilo conhecido como Pós-Modernismo ainda não é assimilado por alguns estudiosos. No entanto, acreditam que após a 2ª Guerra Mundial o tempo Pós-Moderno já seria uma realidade, porém para outros, ainda não saímos da Modernidade (e estaríamos vivendo uma 3ª fase do Modernismo).

Na literatura brasileira podemos observar características que se diferem do modernismo após a década de 50. Existe uma intensificação dos traços Modernistas no Movimento da Poesia Concreto e Instauração-Práxis. A transição do Modernismo para o Pós-Modernismo se evidencia no Tropicalismo e no Movimento do Poema-Processo. Os traços pós-modernos podem ser encontrados mais acentuadamente em alguns textos da poesia marginal e na prosa de determinados autores contemporâneos.

A questão pós-moderna foi extensamente debatida, principalmente a partir dos anos 80, encarnando um determinado páthos cultural e político. De um modo geral, esse páthos se vinculava ao diagnóstico das transformações que estariam acompanhando a chegada do fim do século.

Entre todos os termos que permeavam na teoria cultural atual e nos textos contemporâneos sobre as artes, o pós-modernismo provavelmente é o mais definido e subdividido. Ele costuma ser acompanhado por um grandioso cortejo de retórica negativizada: ouve-se falar em descontinuidade, deslocamento, descentralização, indeterminação e antitotalização. O que todas essas palavras fazem, de fato literal, é incorporar aquilo que pretende contesta, de acordo com Linda Hutcheon, o pós-modernismo é um fenômeno contraditório que usa e abusa, instala e depois subverte os próprios conceitos que desafia. Em outras palavras, o pós-modernismo não pode ser utilizado como um simples sinônimo para o contemporâneo.

O pós-modernismo pode ser visto como uma atividade cultural que pode ser detectada na maioria das formas de arte e em muitas correntes de pensamentos atuais, fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e inevitavelmente político.

Nessa perspectiva, podemos afirma que o período que perpassou o Tropicalismo foi uma época de pura contradição, visto que foi uma tomada de consciência da realidade brasileira de contrastes através da música popular de invensão:

modernização/arcaísmo

ideologismo/esteticismo

popular/erudito

gosto: brega/chique

antigo /moderno

nacional/internacional

cultura de elite/cultura de massas

A experiência política, social e intelectual dos anos 60 ajudaram a permitir que o pós-modernismo fosse considerado como aquilo que Kristeva chama de escrita-como-experência-dos limites, os limites da linguagem e da subjetividade. No entanto, podemos afirmar que o pós-modernismo não nega intteiramente o modernismo. O que ele faz é dar ao modernismo uma interpretação livre, examinando criticamente, e procurando descobrir suas glórias e seus erros. Citando Waly Salomão:

“É um momento de liberdade (...) Sabemos que não podemos nos confinar. Temos que, num bom trabalho de engenharia, construir pontes que liguem tal margem àquela outra, evitar a própria margem, saber que o destino dos bons rios é transbordar e não se confinar”

CONCLUSÃO

Parafraseando Celso Favaretto, conclui-se que o tropicalismo construiu uma alegoria do Brasil ao avaliar a fabricação artística da música popular dos anos 60. Pautou música e política, criticando o regime militar e a censura. Assim como refletiu sobre a realidade brasileira e a nossa miséria.

O Tropicalismo finalizou rapidamente. Porém, a influência da tropicália foi fundamental para abrir a música brasileira para todas as suas possibilidades. Afirmamos então que o movimento tropicalista ordenou uma nova linguagem da canção, exigindo que se reformulassem os critérios de sua crítica, até então determinados pelo enfoque da crítica literária. Pode-se afirmar que o tropicalismo atingiu no Brasil a autonomia da canção, estabelecendo-a como um objeto enfim reconhecível como verdadeiramente artístico. Mediante desse universo tropical e a incursão delirante dos signos, tornando o próprio objeto o personagem central.

Nessa perspectiva tropicalista, estando focado de inquietação política, trabalhava com as diretrizes para o eixo da oposição, da intervenção localizada, da política concebida como problemática cotidiana, ligada à vida, ao corpo, ao desejo, à cultura em sentido amplo. Na inclusão com a indústria cultural essa nova configuração de idealizar a política veio a se manifestar numa explosiva capacidade de provocar áreas de atrito e tensão não apenas no plano específico da linguagem musical, mas na própria exploração dos aspectos artísticos que envolviam o movimento.

Partindo desse pressuposto, é plausível a afirmativa que o legado tropicalista influenciou, foi influenciado e, porque não dizer que ainda influência, as correntes artísticas no mundo moderno/pós-moderno.

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* Estudante concluínte do curso de Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB

** Professor de Literatura Brasileira DCHL/UESB; mestre e doutor em Comunicação e Semiótica – PUC/SP; pós-doutor em História Política da América Latina – UERJ

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______________. Convergências: poesia concreta e tropicalismo. Nobel: São Paulo, 1985.

Emanuelle Almeida e Raimundo Lopes Matos
Enviado por Emanuelle Almeida em 06/09/2008
Reeditado em 29/05/2022
Código do texto: T1165312
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