Loucura

Não quero assustá-lo, mas tenho que confessar, sou um louco. Não meramente um excêntrico, sou um psicótico. Talvez mesmo um psicopata, quem sabe? De um louco pode se esperar tudo. Você ainda está aí? Que curiosidade mais besta. Nunca viu um louco? O que esperava, alguém todo descabelado, com roupas desalinhadas, sapatos trocados, boca desdentada, orelhas grandes de abano, baba escorrendo, alguém imitando uma galinha ou Napoleão? Ora, não seja estúpido. Sou louco, não avacalhado, apesar do cabelo desgrenhado. Se todas as luzes estivessem acesas, certamente o enxergaria, como o vejo neste momento. Apesar da escuridão, sei que está escondido aí atrás da tela do computador, morrendo de medo de um louco. A luz é dispensável para um louco ou deixaria de ser louco. Luz é lucidez. Lucidez é tão estranha para um louco como a luz para a escuridão. O louco não enxerga, vê. Dia ou noite, claro ou escuro, não faz diferença. Aliás, como qualquer coisa. Louco não pensa, dispensa e sabe disso, apenas não lembra. Sei que logo vai querer me colocar numa camisa de força. Antes de me aprisionar para sempre, fugirei e me esconderei em mim mesmo. Jamais me encontrá. Sempre ao ouvir a palavra louco, imagina-se alguém agressivo fora de controle, um assassino em potencial ou um completo retardado mental. Sendo um louco, não sei qual atitude tomar antes de a tomar. Ainda como louco, não sei se sou agressivo, seja comedido ou desvairado. Um louco nunca lembra de nada, embora nunca esqueça tudo. Mesmo lembrando, nunca saberá. Portanto, não perca tempo com as falácias de um louco. Vá embora dormir, vai ganhar mais. Pode ir, louco não se importa em falar sozinho, nunca está sozinho. Não é paradoxo, sempre existirá um outro a escutá-lo, mesmo que não exista. O louco normalmente é temido ou ignorado, não precisa ser louco para saber disso. Todos têm medo da própria loucura, medo ao se deparar consigo mesmo. O louco é aquele com quem todos conversam quando se está só e calado, àquele a quem se dirigi e a quem se escuta quando se está surdo. Sim, todos têm um louco dentro de si. Tenho um dentro e outro fora, só não tenho eu mesmo. Sou um louco completo, não pela metade. Ser louco é "perder a razão, é ser alienado, doido, demente, é estar fora de si, é contrário à razão ou ao bom senso é insensato é dominado por paixão intensa, apaixonado, perdido, é inconveniente, esquisito, excêntrico, é imprudente, imoderado, temerário, é estróina, extravagante, doidivanas, é travesso, brincalhão, folgazão, é fora do comum, incomum, enorme, extraordinário (Aurélio)", é ser criança sem precisar crescer, é continuar num mundo imaginário, onde não se paga impostos e o dinheiro nasce em árvores, é voltar aos três anos de idade, é poder voar ao correr, é ignorar o tempo e a gravidade, é cair sem se machucar, é amar sem saber quem, é acreditar sem ter fé, é desconfiar sem querer, é viajar sem pagar, é dar sem ter, é chorar sem sentir, é viver sem morrer e morrer sem viver, é ser sem perceber, é saber sem entender, é medrar sem se assustar, é fugir sem correr, é brincar sem rir, é ser honesto ao mentir, é qualquer coisa que se queira ser. Qual a diferença entre um louco e um menino com o amigo imaginário? ou o ambíguo amor violento do bebê com a mãe? ou de um adolescente numa crise de humor? ou um adulto sem dinheiro? quem não tem um louco dentro de si? um inconsciente atento ao desatento consciente, para sequestrá-lo e tomar-lhe o lugar? Você, acompanhando o devaneio deste louco, pode me responder? você nunca cortejou a lúbrica e lúbriga loucura, sedenta por trair a virtuosa e singela consciência? o que é a loucura senão o próprio desejo sem obstáculos? perdoe este louco por amar tanto a loucura.

Marcelo Melero
Enviado por Marcelo Melero em 21/03/2006
Reeditado em 08/10/2008
Código do texto: T126370