O conto e a crônica

Penso que há uma questão que diferencia o conto da crônica: o compromisso. O conto compromete-se com a ficção - e aí entra a verossimilhança, que aciona os nossos "mecanismos mentais" para crer como possível o que é contado. Já a crônica está vinculada à verdade - e, para dar-lhe credibilidade, calca-se na veracidade do que é dito. No conto, o que há é a criação; na crônica, a opinião.

No conto quem fala é o narrador; na crônica, é o próprio autor. Ainda que no conto a voz do narrador seja indistinta da do autor, ele não tem compromisso em expressar suas opiniões. Muitas vezes, especialmente em bons autores, é possível que o narrador consiga expressar-se contrariamente ao que pensa o autor. Especialmente se o autor não deseja ser panfletário.

Na crônica não há a entidade literária que narra; e, ainda que uma crônica expresse uma opinião contrária ao que já se conhece do autor (por exemplo, uma crônica de Luís Fernando Veríssimo defendendo o machismo através de seu personagem O analista de Bagé), ele está sendo irônico. Não que não haja contos irônicos, ou que se queira fazer uma crítica a um fenômeno real. A diferença, talvez, seja o foco: na crônica, o fenômeno é tomado como fato - e o cronista corre o risco de cair em descrédito se abordar um fato sendo ou parcial demais, ou pior, criando fatos que não existem.

A vantagem do autor de um conto, nesse quesito, é que sua "matéria-prima" pode ser um fato, enquanto fenômeno do real, quanto é livre para distorcer, recriar, negar e até criar uma nova realidade, ainda que incrível.

Tanto o conto quanto a crônica são formas de o autor se expressar, de se revelar e dar cabo ao seu modo de ver o mundo. A diferença entre os dois gêneros é que um está mais próximo dessa visão, e o outro, empenha-se em falseá-la tanto quanto possível.