Análise do Livro didático de Português

O objetivo desta analise, em particular, é, assim, o de expor, à luz das principais noções teóricas subjacentes a essa proposta, as capacidades de linguagem que se pretendia desenvolver com as atividades propostas nas seqüências didáticas e as que foram escolhidas como não ensináveis a partir do modelo didático. Com isso, pretendemos poder avaliar, ainda que parcialmente, a coerência entre essa relação teoria-prática.

A partir desse modelo, podem ser construídas seqüências didáticas de diferentes tipos. A seqüência didática seria um conjunto de atividades constituindo uma unidade de ensino, propiciando o desenvolvimento e a construção do conhecimento relativo à expressão escrita e oral de um determinado gênero, respeitando as capacidades dos alunos. Para isso, as atividades propostas devem propiciar o desenvolvimento das capacidades de ação, das capacidades discursivas e das lingüístico-discursivas, por meio de intervenções que o favoreçam.

'Enfim, as estratégias de ensino supõem a busca de intervenções no meio escolar que favoreçam a mudança e a promoção dos alunos a uma melhor mestria dos gêneros e das situações de comunicação que lhes correspondem. Trata-se, fundamentalmente, de se fornecer aos alunos os instrumentos necessários para progridam (...). Neste sentido, as seqüências didáticas são instrumentos que podem guiar as intervenções dos professores'. (Dolz & Schneuwly, 1996:58/59)

Produção de texto

A redação escolar, desvinculada, portanto, das práticas sociais de linguagem. A orientação consta basicamente dos temas presentes nos textos das unidades e da explicitação das características lingüísticas das seqüências presentes em fragmentos de textos. As instruções introduzem e conceituam, gradativamente, as diferentes estruturas textuais e os elementos que as integram. Com efeito, narração, descrição, diálogo e dissertação/argumentação ocupam grande parte das atividades de produção, como se pode ver na sequência de unidades a seguir:

 Unidade I – O que é narrar

1) Releia a resposta que você escreveu na última questão do Estudo do Texto e as anotações feitas da lousa. Partindo daquelas informações, escreva uma narrativa que termine assim:

“Todo mundo tem seu medo...”

2) Narre detalhadamente uma situação que tenha provocado muito medo em você... O aluno que preferir pode empregar também imagens na realização de ambas as propostas.

Unidade II – O que é descrever (...)

Unidade III – Pessoa e personagem (...)

Unidade IV – Narrar e descrever (...)

(Faraco & Moura, v. 5, p.31, 53,71, 88)

Não distinção teórica entre o enfoque centrado na seqüência textual e o

enfoque centrado no gênero de texto. Alguns autores, influenciados pela discussão atual sobre os gêneros textuais, acrescentam, na mesma série, ao lado da orientação centrada na tipologia clássica – narração, descrição, dissertação/argumentação – a orientação voltada para o gênero de texto. Esse duplo encaminhamento metodológico é fruto de um posicionamento teórico que não vê distinção relevante entre as sequências textuais, que são apenas componentes estruturais dos gêneros, que são de natureza mais ampla, pois um mesmo gênero pode englobar os diversos tipos de seqüência.

Anúncio Publicitário

Na 6ª série, após as quatro unidades iniciais, em que as instruções remetem para a produção das seguintes seqüências: diálogo (unidade 1), narração e descrição (unidade 2), dissertação (unidade 3), narrativa de fato real, registra-se, na unidade 5, uma instrução centrada no gênero anúncio publicitário, conforme pode ser observado a seguir:

 Cada grupo escolhe um produto (pode ser inventado) que será objeto de um anúncio publicitário

criado pelos integrantes da equipe. Lembrem-se de que, para ser eficiente, a propaganda deve levar em conta, entre outras coisas:

a) o tipo de público a que se dirige o produto;

b) a idade média dessas pessoas;

c) o nível de escolaridade;

d) os principais interesses desse público.

A linguagem e mesmo as imagens (desenhos, fotos, colagens, etc) que forem utilizadas devem

se adequar ao tipo de público-alvo. Logo, uma propaganda que pretende atingir adolescentes

não pode ser igual a uma dirigida a adultos de mais de 40 anos. Um anúncio voltado

para a população do campo não pode ter a mesma linguagem de outro dirigido a pessoas que

vivem numa cidade grande, e assim por diante.

Selecionem as imagens ou fotos e redijam o texto. Mãos à obra!

Leitura de redação

Cada grupo vai até a frente da sala e mostra o anúncio para os demais.

1. Os demais grupos e o/a professor/a opinam e podem dar sugestões de mudança.

2. Cada grupo reelabora o anúncio, acatando as sugestões que considerar relevantes.

3. Terminada a atividade, os grupos expõem os anúncios no mural da sala ou num salão do colégio, junto com os trabalhos das outras classes.

(Faraco & Moura, v. 6, p.80)

Observa-se nesta instrução, a preocupação apenas com os elementos que remetem à situação comunicativa (o tipo de público-alvo; a idade média, o nível de escolaridade; os principais interesses desse público). Não há referência aos traços lingüísticos típicos do texto a ser construído, como os tipos de seqüência (descritiva, narrativa, argumentativa) que poderão estar presentes na organização do anúncio. Trata-se, portanto, de dois encaminhamentos metodológicos que têm objetivos diferentes: no primeiro, enfatiza-se o domínio da estrutura lingüística, no segundo, privilegia-se o conhecimento apenas do contexto de produção do texto.

Visão Literária

A escritura está associada assim ao desafio, à aventura, à emoção, de modo que se tem, não raro, a expectativa de que, num passe de mágica, o aluno redator tenha o germe de escritor de obra literária. São ilustrativas orientações do tipo:

Ao longe, ao luar

Ao longe, ao luar,

No rio uma vela,

Serena a passar,

Que é que me revela ?

Não sei, mas meu ser

Tornou-se-me estranho,

E eu sonho sem ver

Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça ?

Que amor não se explica ?

É a vela que passa

Na noite que fica.

Fernando Pessoa

 Você gostou dessa poesia de Fernando Pessoa? Por quê?

Escreva agora uma poesia. Procure escolher as imagens e as palavras com todo cuidado, como Fernando Pessoa nos ensinou a fazer.

(Carvalho et al., v. 4, p.27)

Dadas as especificidades do texto literário, consideramos que solicitações desse tipo exigem um grande esforço do aluno que, habitualmente, não é possuidor de habilidades para a construção do texto com função poética, devendo por essa razão surgir, nos LDP, acompanhadas de outras instruções

que contemplem outro tipo de texto de uso, cuja caracterização seja mais operacional.

A orientação dos PCN para o ensino de produção de texto

A leitura das várias seções relacionadas com o ensino da escrita nos PCN de Língua Portuguesa (1997, 1998) permite-nos situar a orientação desse documento como predominantemente sociointeracionista de inspiração discursiva, o que significa a introdução de um novo paradigma no ensino de produção de texto. São evidências de utilização desse modelo teórico passagens como as que retratam a preocupação com os elementos constitutivos da base de orientação, tendo em vista a construção de representações pelo produtor aprendiz relativas à situação comunicativa e ao gênero textual a ela correspondente, como pode ser observado em:

“Ao produzir um texto, o autor precisa coordenar uma série de aspectos: o

que dizer, a quem dizer, como dizer” (p.74 – 3º e 4º ciclos).

Passagens que retratam a preocupação com o convívio, no contexto escolar, com os gêneros textuais tais como figuram nas práticas sociais de referência:

“Formar escritores competentes supõe, portanto, uma prática continuada

de produção de textos na sala de aula, situações de produção de uma grande

variedade de textos de fato e uma aproximação das condições de produção

às circunstâncias nas quais se produz estes textos. Diferentes objetivos exigem

diferentes gêneros e estes, por sua vez, têm suas formas características

que precisam ser aprendidas” (p.47 – 1º e 2º ciclos).

“Ensinar a escrever texto torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio

com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações

de comunicação que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se

textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado

gênero, que tem forma própria, que se pode aprender. Quando entram

na escola, os textos que circulam socialmente cumprem um papel

modelizador, servindo de fonte de referência, repertório textual, suporte da

atividade intertextual”. A diversidade textual que existe fora da escola pode

e deve estar a serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno” (p.17-

18 – 1º e 2º ciclos).

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. O problema dos gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução do francês de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira, São Paulo: Martins Fontes, (Coleção Ensino superior): 275-326. 1953 /1992.

MACHADO,A.R. Pelas trilhas dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: a construção conjunta de uma seqüência didática centrada em um gênero. prelo .

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS; Ensino Fundamental e Médio. Brasília: Governo Federal, Ministério da Educação. Internet, página: www.mec.gov.br , abril de 2003.

PERINI, Mário A. (1996). Gramática descritiva do Português. (2a. ed.) São Paulo: Ática.

POSSENTI, Sírio (1996). Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras / ALB.

Juca Pirama
Enviado por Juca Pirama em 21/01/2009
Código do texto: T1396590