Eu, Joaquin Phoenix, David Lynch e Ringo Starr, e "de grátis": uma poesia

Sei que sinto falta do famoso ócio criativo. Antes era bem mais fácil escrever qualquer coisa, pois dispunha de todas as horas do dia e da noite para pensar e arriscar no papel, isso é, quando meu pai não me atormentava com a TV. Por quase dois anos me confinei em Atibaia, perto das montanhas, longe do caos de uma das cidades mais pós-modernas do mundo, e das mais sem identidade do planeta, uma cidade disforme e confusa, pronvíciana e metropolitana ao mesmo tempo, São Paulo. Lá em Atibaia eu conseguia escrever alguma coisa, mas também só por causa silêncio. Aqui não sei nem por onde começar. É provável que São Paulo esteja no meu sangue, na minha língua e até no meu modo de agir diáriamente, mas não está no meu intelecto, no meu poder de criação. Posso estar apegado ao lugar onde nasci e vivo, mas não consigo admira-lo com tanto afinco; sinto-me, em qualquer lugar do planeta, um peregrino, e é por isso que escrevo sobre aquilo que é universal, não querendo atribuir grandeza às minhas palavras, muito pelo contrário, elas falam daquilo que é comum e até gasto para toda humanidade minimamente sã.

Nunca fui muito bom em desenvolver tramas. Minhas estórias ou eram previsíveis ou eram simplesmente indgnas de serem escritas, coisas tão cotidianas e banais que até passam despercebidas. Falei de desgraças e dramas. E, hoje, tudo isso é banal; entretanto, o que as tornava mais atrativas, pelo que os próprios leitores diziam, era a densidade psicológica na maioria das vezes estampada na descrição ambiental. Muitos diriam que eu teria dado um ótimo pintor, mas infelizmente não há pintores na literatura. Os poucos que houveram foram execrados e esquecidos, com justiça. Talvez eu tenha preguiça de pensar. É isso. Para criar uma trama é necessário ser engenhoso, já para criar uma tela com palavras é apenas necessário ter algum bom gosto, algum senso estético.

Geralmente classifico meus contos com um adjetivo bem peculiar: gasosos. Sim, meus textos são gasosos. Você não vê nada acontecendo no enredo, não pode tocar em nada, mas sabe que há alguma coisa acontecendo à sua volta, você sente o cheiro. Como percebem, sou sinestésico até ao comentar o que faço. Alguns são coléricos, fleumáticos, outros sangüineos... Eu sou sinestésico! Meu corpo nada mais é que resquícios de luz de minha alma que já habita algum outro lugar do Cosmos. Wow. Por que esou falando tudo isso mesmo? Não sei. Voltando atrás, não sei se o fato de escrever textos gasosos faz de mim um grande escritor ou um grande otário... Acho que a segunda opção.

Eu queria renascer, sabe? Queria renascer artísticamente, digo. Ou talvez não... Talvez eu esteja naquilo que alguns artistas chamam de infância artística. Sendo assim, fico pensando que, quando estiver na velhice artística, precisarei de doses diárias de viagra proustiano. Se hoje eu já tenho uma preguiça lascada de escrever, imagina quando envelhecer... Artísticamente. Jorge Amado e Guimarães Rosa já nasceram nonagenários, segundo essa lógica . Queria renascer (ou entrar na adolescência artística) menos pictórico e, claro, menos auto-crítico e cheio de metalinguagem porque, é fato, ninguém merece ler um cara como eu escrevendo o que estou escrevendo agora.

Agora eu quero seguir os passos dos Beatles e do grande David Lynch, quero fazer Meditação Transcedental. Dizem que isso faz um bem danado para a cabeça e amplia o poder de criação. Se David Lynch criou Blue Velvet porque fazia Meditação Transcedental, I’m in! Já meu psiquiatra insiste no Frontal, o que me coloca num estado de não-existência... E isso me deu uma idéia fabulosa de poesia:

Ringo Starr me prescreve, com seu imenso nariz, a meditação transcedental

Devo segui-lo... Ele é um beatle fracassado, mas beatle, afinal

Meu psiquiatra, com seu imenso... Jaleco (?) me presecreve frontal

Devo segui-lo... Ele é um médico meia boca, classe média, mas acha que é o tal...

Depois dessa, me conformei, vou fazer como Joaquin Phoenix: só falar “I don’t know”, mascar chiclete, deixar a barba crescer como a de um profeta, largar tudo e cantar rap, porque isso qualquer imbecil sabe fazer... Inclusive aqueles que viram senadores.

Otto M
Enviado por Otto M em 22/04/2009
Reeditado em 29/04/2010
Código do texto: T1552537
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