IMAGINAÇÃO: o arquétipo do real almejado

IMAGINAÇÃO: o arquétipo do real almejado

Sueli de Fátima Alexandre

(...) os contos de fadas seriam sugestões de imagens com que se poderia estruturar uma compreensão do mundo.

Francine Fernandes Weiss

Pretende-se por meio desse ensaio, fazer um paralelo entre alguns aspectos teórico-psicanalíticos e o filme “Em busca da Terra do Nunca”, de Johnny Depp.

Antes de entrar no assunto propriamente dito, será feita um breve relato a respeito do autor e do filme. James Matthew Barrier (Johnny Depp), nasceu em Kirriemuir, Forfarshire, Escócia, no dia 09 de maio de 1860 e morreu no dia 19 de junho de 1937. Foi jornalista, dramaturgo e escritor de livros infantis. Sua principal peça foi Peter Pan, escrita em 1904, e que o tornou famoso. Peça baseada na vida real de James virou filme e foi lançado em 2004, nos Estados Unidos da América, dirigido por Marc Forster, contando com um excelentíssimo elenco composto por: Johnny Depp (James Matthew Barrier), Kate Winslet (Sylvia Llewelvin Davies), Freddie Highmore (Peter), Joe Prospero (Jack), Nick Round ( George), Luke Spill (Michael) e Julie Christie (Emma du Maurier). Obra que conquistou o público e foi indicado a várias premiações, como ao Oscar 2005 (USA), por exemplo.

As primeiras cenas do filme estão centradas em James, um dramaturgo que teve sua imaginação castrada quando ainda criança, pela indiferença da mãe e, pela morte do irmão. No decorrer do filme, ele conhece a família Davies, e a partir de então, recomeça em sua vida a busca pela imaginação, principalmente quando vê em Peter, o “outro,” (se vê no lugar daquela criança e volta por meio da imaginação à infância), o que o inspira a escrever a peça “Em busca da Terra do Nunca. Um lugar onde tudo é bonito e feliz, em que as pessoas nunca são separadas umas das outras. Confrontamos-nos aqui, com três realidades temporais: a primeira se refere à vida do dramaturgo, a segunda à realidade do filme e a terceira a do telespectador, que querendo ou não, tem sua mente imaginativa confrontada. Tornando claro que a imaginação faz parte de todos os indivíduos, de qualquer época e precisa ser aguçada, como alega Nelly Novaes Coelho (1995, p. 2), ao ser questionado a respeito da mediação entre os Contos de Fadas e o superego do indivíduo:

O caminho mais flexível que se abre para essa preparação é a da imaginação, o das potencialidades existentes em cada ser humano e que precisam ser estimulados para que cada indivíduo aprenda a ver criticamente todas as coisas, para que ele se auto-descubra, possa explorar todas as virtualidades de seu ser e entrar em relação fecunda e harmoniosa com o mundo em que vive.

Outro fator de destaque no filme é o “estranho,” alegado por Freud como algo que se relaciona indubitavelmente com a realidade, que provoca medo e horror, vivido tanto por James, que perdeu o irmão quando ainda era jovem, quanto por Peter, que perdeu o pai e agora se vê diante da doença terminal da mãe. A peça assume duas vertentes para James: a primeira refere-se em reconstruir sua capacidade de imaginação suprimida pelo real esmagador da infância, a segunda em construir uma peça que agrade ao seu público. Esse retorno à imaginação para Barrie começa quando ele diz que o cachorro é um urso, e dança com ele em um parque diante de todos que passavam por ali, e principalmente diante da família Davies. As cenas que sucedem a partir daqui, são uma alternância entre a o real do filme e a imaginação de James.

Para Freud, a solidão, o silêncio e a escuridão de alma, são fatores oriundos de conflitos do eu interior com a realidade, e contribuem para a formação da ansiedade infantil, elemento dos quais a maioria dos seres humanos jamais se libertou inteiramente. Representados no filme, por James, que se via preso em um passado angustioso, e por Peter, que apesar de ainda ser uma criança pequena, já estava passando por esta experiência e não conseguia ter um bom relacionamento com sua família e nem com os amigos. O famoso psicanalista austríaco, Bruno Bettelheim (1980, p. 13), em sua obra, a “Psicanálise dos Contos de Fadas”, diz que:

(...) a vida é freqüentemente desconcertante para a criança, ela precisa ainda mais ter a possibilidade de se entender neste mundo complexo com o qual deve aprender a lidar. Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos. Necessita de idéias sobre a forma de colocar ordem na sua casa interior, e com base nisso ser capaz de criar ordem na sua vida. A criança encontra este tipo de significado nos contos de fadas.

Peter está dentro desse universo descrito por Bettelheim, recebe ajuda do amigo Barrie, não só por meio das conversas que tinham, mas também, por intermédio da peça, Em busca da Terra do Nunca, onde ele, Peter vê as personagens vivendo uma realidade idêntica à sua, principalmente, Peter Pan, que fala da morte como uma viagem para um lugar de felicidade, dando-lhe forças para resistir à morte dos pais.

O filme encerra-se com a cena em que Barrie acalenta Peter, incentivando-o a ver a mãe por meio da imaginação. Retomando, assim, a idéia da contribuição dos contos de fadas para a libertação da mente imaginativa e do eu interior. Por ser um filme baseado em fatos reais consegue, como nenhum outro, mostrar que por meio da imaginação o indivíduo cria um arquétipo da realidade na qual almeja viver.

REFERÊNCIAS

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

BYINGTON, Carlos. Desenvolvimento da personalidade – símbolos e arquétipos. São Paulo: Ática, 1987.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas por quem entende do assunto IN: Proleitura Nº 3, Ano 2, fevereiro. Unesp 1995.

EM BUSCA da Terra do Nunca, 2004. Direção: Marc Forster. Roteiro: Alan Knee, David Magee. Gênero: drama. Origem: Estados Unidos/Reino Unido. Duração: 106 minutos. Tipo: longa metragem.

http://wikipedia.org/wiki/Finding_Neverland#Sinopse. Consultado em 12 de abril de 2008

http://pt.wikipedia.org/wiki/James Matthew_Barrie. Consultado em 13 de abril de 2008