A Língua e as Classes Sociais

A Língua e as Classes Sociais

Relacionando Língua falada e escrita às classes sociais há uma infinidade de coisas que podemos abordar, como por exemplo, exclusão social, tema que por si só é tão extenso que me contempla com argumentos suficientes para a elaboração deste ensaio. Já Tratado por vários autores o tema a envolve diretamente a forma de ensino, a situação em que foram desenvolvidas as normas da língua padrão e a falta de respeito por parte dos gramáticos a evolução da língua (a desconsideração dela como coisa viva).

A Linguagem humana condiciona a estrutura social e vice-versa.

A norma culta foi determinada pelas classes dominantes e serve como aparato para mantê-las como dominantes

As regras gramaticais de qualquer língua foram estipuladas pelas classes dominantes, o que sempre prejudicou as classes oprimidas, embora estas também tivessem o domínio de tal, que consiste em se conseguir se manter uma comunicação - capacidade natural dos seres humanos. Assim ocorre a restrição da massa ao conhecimento, pois todos os idiomas sofrem variações e a condição social é um dos fatores responsáveis por isso na língua falada, motivo pelo qual coisas na língua escrita pareçam, muitas vezes, estranhas mesmo para um falante nativo. Um exemplo clássico disso são os códigos-penais, as leis a que as sociedades, de um modo geral, estão submetidas são sempre escritas dentro dos padrões da norma culta e por isso não ficam claras para todas as camadas da sociedade. Esse é um exemplo muito simples da restrição do conhecimento às classes oprimidas, e com isso, obviamente, de exclusão social, além de ser uma forma de manter a sociedades divida em classes. Mais a diante isso será explicado de forma mais categórica.

“A Língua é entendida como concepção e comunicação das idéias, pois é por meio da linguagem verbal que o conhecimento humano tem existência prática e é aí que se dá sua importância.”1

Sendo assim, enquanto o sistema impor a Língua como um aglomerado de códigos em que o que importa é saber o "lugar de cada coisa" (gramática), a massa irá continuar sem noção da ferramenta poderosa de libertação que detém - a Língua! O modo tradicional de se ensinar a Língua descarta essa parte: "concepção e comunicação das idéias", por isso a dificuldade de interpretação é o maior problema das pessoas, até mesmo das que chegam ao nível superior, por incrível que pareça, para estes existem dois destinos: ou tornam-se "iluminados", que aprenderam a usar a língua, ou tornam-se pessoas formadas com conhecimentos meramente específicos e direcionados o suficiente para exercerem suas profissões – proletários ideais! Do primeiro grupo apenas uma pequena parte vai se esforçar para passar isso a diante. Já o segundo grupo será o dos perfeitos profissionais qualificados e alienados. Se é assim entre a camada da população menos instruída, entre a camada menos instruída é ainda mais natural a maneira como se dá a manutenção da sociedade de classes, é na camada menos instruída que o proletário geralmente é mais conformado com “o seu lugar”.

“Para Marx e Engels, são os indivíduos determinados, com uma atividade produtiva que se processa de um determinado modo, que constroem as relações sociais das quais sofrem o influxo. Dessa forma, a produção de ideias, de sistemas simbólicos ou linguagens, "de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual do homem surgem aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinando condicionamento de suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar".2”3

1 Cid Seixas, O espelho de Narciso: Linguagem, Cultura e Ideologia no Idealismo e no Marxismo, p. 67

2 Karl Marx & Friederich Engels, A ideologia Alemã, Volume I, p. 25

3 Cid Seixas, O espelho de Narciso: Linguagem, Cultura e Ideologia no Idealismo e no Marxismo, p. 67

Português no Brasil e Preconceito Linguístico

Em seu livro “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz” - que é, por sinal, escrito numa linguagem extremamente clara - Marcos Bagno trata desse tipo de preconceito tão natural no Brasil. Ele aborda, basicamente, em 8 mitos os problemas mais graves que temos em aceitar a língua-viva como correta.

Os mitos referidos a seguir são, para mim, os mais ligados à desigualdade social. Nos mitos 4 e 7, Bagno ataca questões sociais e o ensino de forma interligada.

Mito nº 4: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”

“Qualquer manifestação linguística fora do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, pela ótica do preconceito linguístico, errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”.4

Um dos exemplos que Bagno usa é o fenômeno do rotacismo (troca do “L” pelo “R”). Esse fenômeno participou da formação da língua portuguesa e continua vivo e atuante no português das camadas mais estigmatizadas.

“Assim o problemas não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Fica evidente que o preconceito linguístico é decorrência de um preconceito social”. 5

Mito nº 7: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”

“Um ensino gramaticalista abafa justamente os talentos naturais, incute insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, medo á expressão livre a autêntica de si mesmo”.6

“As gramáticas foram escritas precisamente para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações linguísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a serem imitados. Ou seja, a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, depende dela. Como a gramática passou a ser um instrumento e controle social, de exclusão cultural, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua “bonita”, “correta” e “pura.” A língua passou a ser subordinada e dependente da gramática. O que não está na gramática “não é português”. ”7

4 Marcos Bagno, Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, p. 56.

5 Marcos Bagno, Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, p. 59.

6 Celso Pedro Luft, Língua e Liberdade, p. 21.

7 Marcos Bagno, Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, p. 80.

Se compararmos as linguagens utilizadas pelos próprios autores citados podemos ver diferenças, isto acontece em decorrência dos textos terem sido escritos em diferentes épocas, mais um motivo para se respeitar a mobilidade da língua, embora as variações vistas aqui estejam todas dentro da norma culta, não se pode fugir de distinções que ocorrem pelo simples fato dos textos terem sido escritos em diferentes espaços de tempo. Esse é mais um detalhe que comprova a evolução da língua. Detalhes a perte, todas as citações apresentam um consenso, todos apontam a língua como ferramenta de controle social, indicam preconceitos contra a base da sociedade e deficiências no sistema de ensino. Fica então o desafio de mudar, de perceber os erros que vem sendo cometidos ao longo da história e tentar fazer diferente, como falantes e como educadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bagno, Marcos (2008), Preconceito Linguístico: o que é, como se faz,São Paulo, Edições Loyola

Seixas, Cid (1981), O espelho de Narciso: Linguagem, Cultura e Ideologia no Idealismo e no Marxismo, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S. A.

Graciela Palacios
Enviado por Graciela Palacios em 05/06/2009
Código do texto: T1633499
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