O SENTIR, O PENSAR E O FAZER NA CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO

Dissertar sobre o sentir, o pensar e o fazer na construção de um olhar psicopedagógico não se faz fácil para uma iniciante na psicopedagogia, porém creio que é preciso começar a sentir e a pensar em direção a essa experiência de construção de um olhar psicopedagógico. E essa possibilidade só se vislumbra através da procura incessante, do desejo de aprender novas coisas para se tornar capaz de ajudar pessoas com dificuldades na aprendizagem.

O ser humano é bem complexo em sua totalidade e é lógico que tudo que diz respeito as suas melhorias não poderia ser simples, mas propício a investigações, estudos, técnicas, experimentos e acima de tudo, o ser em relação ao outro, em relação aos seus sentimentos.

Trabalhar o ser humano sem pensar na sua subjetividade é caótico – penso que é anti-humano.

Desde o início da vida percebemos um ser que tem a ilusão de estar ligado ao outro, não são duas pessoas são uma em duas, contudo se aos poucos sua relação com a mãe for suficientemente boa como diz Winnicott, a criança vai se compreendendo alguém único, todavia, com necessidades de ligação com o outro para o resto da vida – digo, sobretudo, da socialização – porém às vezes nem tudo ocorre bem, havendo alguns entraves no meio do caminho, que podem levar a várias dificuldades, inclusive ligadas à aprendizagem e esta pode mostrar muitas “faces”.

Pensando nessa construção de um olhar psicopedagógico, me remeto ao que pode ser chamado antes, de um olhar para si mesmo, pois é difícil trabalhar e compreender os problemas dos outros sem antes conhecer, ou começar por investigar ou se perguntar sobre seus problemas – nesse caso – em relação à escola no que tange as dificuldades de aprendizagem de modo geral e o que isso pode ter relação com sua vida interior. Acho que desse modo é mais fácil começar a intervir junto aos que precisam de uma ajuda psicopedagógica.

Essa construção desse olhar psicopedagógico é um processo. E segundo os estudos e os que praticam a psicopedagogia estamos avançando. Originalmente, as dificuldades de aprendizagem – assim denominadas pelo psicólogo Samuel Kirk, por enfatizar que se tratava de problemas de aprendizagem acadêmica – nasceram nos Estados Unidos e Canadá, e se oficializaram em 1963, a partir de um protesto feito por um grupo de pais que tinham filhos com problemas de aprendizagem na leitura e sem motivo aparente. Nos primórdios, na verdade as dificuldades de aprendizagem eram relatadas baseadas numa teoria organicista com intuito corretivo objetivando a cura e não a prevenção. Com o passar do tempo é que se foi dando outros enfoques e atualmente um dos grandes avanços diz respeito ao interesse interdisciplinar pelo campo da psicopedagogia. E como diz Maria das Graças Sobral Griz: “Já foi ultrapassada a fase em que a psicopedagogia buscava sua ação numa concepção cartesiana do isto ou aquilo. Temos, sim, que utilizar isto e aquilo”.

Podemos dizer que estamos vivendo numa época bem mais privilegiada em relação à psicopedagogia. Em que se orienta para lidar com o aluno, não apenas como um ser com sua dificuldade aparente, mas como um ser em sua totalidade, em sua época, seu momento histórico, seu contexto familiar, social, psicológico etc. E vai além como cita um parágrafo do texto de Fagali e Vale (Uma nova forma de “sentir, pensar e agir” frente aos conteúdos): “O trabalho psicopedagógico atua não no interior do aluno ao sensibilizar para a construção do conhecimento, levando em consideração os desejos do aluno, mas requer também uma transformação interna do professor”.

No filme Fernão Capelo Gaivota, vemos toda a luta para realizar um sonho, luta por uma mudança, por um sair de um lugar de comodismo, de medo, de tradição, por acreditar em possibilidades maiores e melhores. E que nessa busca, obviamente, surgiram momentos difíceis em que ele não era compreendido pelo seu grupo, veio à vontade de desistir por se sentir só e abandonado, às vezes perdia-se as esperanças, mas um belo dia ele encontrou parceiros que o reanimaram e compartilharam com ele e o estimularam a continuar tentando trazer aos poucos gaivotas de seu grupo para partilhar com ele de seu sonho que era possível, só era necessário persistência.

Assim, o filme quer retratar a vida real, tudo isso ocorre na realidade de nossas escolas, de nossos alunos. Então se um aluno encontra um professor que acredite nele, que queira compartilhar o que sabe com ele e vice-versa, um professor que oriente o aluno seguindo lado a lado com ele, que lhe dê forças e que saiba compreender os seus limites, percebendo que nem todos tem um mesmo ritmo, mas nem por isso são piores que outros, necessitam no mínimo que tenham mais paciência com eles. Alguém que haja dessa maneira com esse suposto aluno necessita ser um professor que recebeu orientação, por exemplo, de um psicopedagogo, um psicólogo ou outro especialista da área possibilitando renascer o ser desejante que há em todos nós. Escrevendo sobre isso me veio à mente os relatos de duas colegas do curso de psicopedagogia, fora outros que já ouvi pessoas que foram “podadas”, quando se sentiram humilhadas ou desacreditadas – em sala de aula por professores – em seus desejos de “voar mais além”, de fazer diferente ou de ser diferente, todavia, o diferente não é errado, nem pior, é apenas um novo modo de ser ou de viver e até de aprender, ou de ensinar. E para esses “educadores” acho que faltou a sensibilidade, mas talvez, também, eles não tiveram a oportunidade de conhecer alguém que transmitisse isso para eles.

Segundo Alícia Fernándes devemos conhecer quatro níveis importantes para o processo do aprender: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo.

Sara Paín, considera que o problema da aprendizagem é a plataforma de lançamento para a construção de uma teoria psicopedagógica. Então, como vemos tem que existir uma falta que remeta ao desafio, e isso é paradoxal porque ao mesmo tempo essa falta urge em ser descoberta, resolvida...

Esse sentir, pensar e fazer para a construção de um olhar psicopedagógico acredito que nos guia para muitas investigações, como por exemplo, compreender que cada etapa de crescimento a criança tem um jeito diferente de entender, aprender, perguntar e nós devemos nos moldar no sentido de lidar com essas fases naturais do amadurecimento do ser humano. Num texto de Selma Aparecida Geraldo Benzoni, ela fala sobre esse olhar psicopedagógico, assim: “O olhar psicopedagógico tem que buscar as respostas para as perguntas: “Por que este indivíduo não aprende”? ou “Por que este indivíduo não está conseguindo utilizar em plenitude as suas potencialidades”? “O que está impedindo de se desenvolver.”? Então ela enfatiza que essas respostas, obviamente, não são simples, mas que não são impossíveis, e que nós temos que ver o invisível, o não-dito, precisamos ser sensíveis a perceber a perceber o que está por trás, o que está inconsciente. Essa mesma autora cita uma história que exemplifica o que fazer para ter esse olhar psicopedagógico, que na verdade se faz construindo. Essa história fala de artesãos de uma aldeia no sertão nordestino. E lá toda vez que um jovem estava pronto para entrar na comunidade de artesãos, o jovem mais velho dava seu artesanato mais bonito para o que estava chegando, este quebrava a peça, juntava ao barro novo e fazia sua primeira peça de cerâmica, nesta peça se juntava o velho e o novo, porém não se percebia o que era velho e o que era novo. Para ela isso ilustra bem o que é o olhar psicopedagógico: “... “Temos a contribuição de nossa graduação juntamente com o novo olhar, sem que consigamos muitas vezes diferenciar o que é novo e o que é velho, criando assim uma terceira produção, que é a nossa produção.”

Entendo que esse olhar está ou estará sempre em construção assim como foi à jornada de Fernão Capelo Gaivota, assim como é a nossa vida, como é o aprender, o ensinar, estamos sempre em direção a... Em busca de... Tentando construir ou construindo – viver é um processo – tudo precisa de um direcionamento, de um sonhar, de uma crença, de um fazer, principalmente, se tivermos ao nosso lado pessoas que nos entendam como somos e não como elas gostariam que fôssemos pessoas que aceitam desafios mesmo com medo do novo, mas que não desistem facilmente.

Penso que na intenção de sermos psicopedagogos seguiremos esse caminho da construção de nos tornarmos tal, e durante e após essa jornada, lutaremos por esse olhar psicopedagógico, que busca penetrar na subjetividade dos que se encontram com dificuldades para aprender, sem esquecer que a luta é lado a lado e não à frente de... Precisamos ser flexíveis sem sermos anárquicos, acho que assim conseguiremos sentir, pensar e fazer para construirmos esse olhar, tão desejado, talvez pela maioria dos psicopedagogos, mas com certeza para todos os que se sentem excluídos em suas dificuldades de aprendizagem por si só ou por outros fatores que se entrelaçam.

Patricia Carvalho
Enviado por Patricia Carvalho em 23/06/2009
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