O MONOLINGUISMO PORTUGUÊS NO BRASIL

                                                              Sérgio Martins PANDOLFO*

“No final deste século [XX], o mundo lusófono, herdeiro de uma história e de uma cultura grandiosas, embora pouco conhecida, se agrupará em torno do Brasil. Com ele, a língua portuguesa, que ainda ignora o papel que lhe caberá desempenhar, se afirmará, para   surpresa geral".   Philippe Rosselon, Embaixador e Escritor francês.

        Nosso País é um dos raros e mais admiráveis casos de monolingüismo no mundo. Nem o hindi, nem o russo, nem o mandarim, nem o inglês, conseguiram se impor, dessa maneira, quase absoluta, em seus territórios respectivos. Com efeito, países de todos os tamanhos, populações e graus de desenvolvimento costumam conviver, às vezes muito dificilmente, com dois ou mais idiomas, que disputam lugar e destaque em seus domínios territoriais. Só para bem ilustrar, e em abono da assertiva de má convivência linguística, citaríamos o Canadá, em permanente antagonismo entre a Província de Quebec, de fala francesa, e o lado de expressão inglesa, ambos com crescente anseio de emancipação política a duras penas contido, a par de vasta, inóspita e pouco explorada extensão territorial dominada por tribos indígenas que repelem as investidas dos “civilizados”. A Alemanha reunificada exibe núcleos pontuais de polonês, turco, prussiano (dialeto báltico), russo, servo-croata e dialetos regionais vários, com graves problemas xenofóbicos. Na França, o corso, basco, bretão, flamengo, catalão, provençal, alsaciano (dialeto alemão) e o italiano resistem, secularmente, à soberania do francês. A Espanha enfrenta seriíssimos entraves à manutenção da unidade nacional, em face de divergências étnico-linguísticas representadas pelos galegos, catalães, andaluzes e principalmente os bascos, que ultimamente manifestam-se violentamente, infernizando com ações terroristas. Na Rússia, bastaria por fazer referências às ações separatistas violentas dos chechenos. Países minúsculos, como a Suíça, Holanda, Luxemburgo, veem-se segmentados em nacos ainda menores de conglomerados multiparlantes, de convivência nem sempre harmônica. Muitas outras situações exemplares poderiam ser aqui repertoriadas, como a China, Índia, Indonésia e até mesmo os Estados Unidos da América, em que o avanço das línguas latinas, máxime do espanhol e do português, tem sido de molde a preocupar os sucessivos governos americanos.
          A língua é um dos liames mais resistentes e inquebrantáveis de um povo. Um símbolo nacional da mais alta relevância e sustentáculo primacial da soberania de um Estado. Em nosso solo pátrio a Língua Portuguesa domina absoluta em todos os quadrantes, de norte a sul, de leste a oeste, no litoral e no interior. Populações dos mais recônditos lugares deste país-continente se expressam, culta ou precariamente, no belo, prestante e cada vez mais importante idioma de Camões. Dialetos indígenas, conviventes com a lusa língua, não chegam a expressar mais que 0,2%. Aqui não se tem guetos ou encraves com discrepâncias idiomáticas, o que é fator positivo de união nacional.
          Mas nem sempre foi assim. Quando os portugueses chegaram à Terra Brasilis, aquando do descobrimento, mais de 300 línguas indígenas (alguns estimam em 1.200) subsistiam. Verdadeira Babel indígena. Na costa brasileira e na bacia dos rios Paraná e Paraguai predominava o tronco linguístico tupi, que englobava o guarani: falava-se o tupinambá ou línguas afins. No interior e região central a dominação era do macro-jê (tapuia). Na bacia amazônica, tantos eram os falares (tupiniquins, nu-aruaques, jês, caraíbas) que o Pe. Antônio Vieira, em 1683, dizia “serem tantas e tão diversas, que se lhes não sabe o nome nem o número”. Demais disso, com a adoção da escravidão negra no Brasil para cá vieram africanos pertencentes a vários grupos culturais, como os sudaneses (Yoruba, Dahomey, Fanti-Ashanti); os islamizados (Fulas, Mandingas, Haussás) e as tribos Bantus (de Angola e Moçambique), que guardavam entre si diferentes graus de animosidade e agressividade e por tal se mantinham desagregados. 
          A fim de levar adiante a tarefa nada fácil de catequese de índios e negros, os missionários (jesuítas e outros) viram-se na contingência de procederem as suas pregações nas próprias línguas dessas comunidades. Somem-se, ainda, constantes episódios de infiltração de potências europeias, representadas mormente pelos franceses, holandeses e ingleses; chegaram a se formar núcleos regionalizados no Rio de Janeiro e no Maranhão, com as tentativas francesas de criação da França Antártica (1555) e França Equinocial (1612), respectivamente, e dos holandeses, em Pernambuco e na Paraíba, também no século XVII, frustradas pelos portugueses. Na Amazônia, francos, anglos e batavos, que aqui se haviam estabelecido durante todo o transcorrer da centúria quinhentista e albores seiscentistas, foram igualmente rechaçados pelas forças lusas, a partir da conquista da região e fundação da cidade de Belém, capitaneada por Francisco Caldeira de Castelo Branco. O espanhol popularizou-se em São Paulo durante o período da União Ibérica (1580 a 1640) e tendeu a alastrar-se com os movimentos de conquista empreendidos pelos bandeirantes.
          Do contacto permanente entre missionários, índios missionados e aculturados, escravos e mestiços surgiram as línguas gerais, isto é, mistura de diferentes grupos tendo como base o tupi-guarani: a língua geral paulista (ou do Sul) e a língua geral amazônica ou nheengatu. As línguas gerais - ou línguas francas - predominaram durante muito tempo em nosso País e eram usadas soberbamente nas relações sociais e comerciais, estimuladas e até sistematizadas pelos missionários católicos, notadamente jesuítas. Não se há de omitir, ainda, que o português teve que enfrentar outras línguas cultas, concorrentes nos campos das ciências, religião e educação, tais como o latim, que era a língua dos rituais católicos, das ciências, dos letrados, da cultura por excelência. Outras fontes de expressão erudita eram o italiano, o francês, o espanhol e mais posteriormente o inglês. O francês sobressaiu nomeadamente ao final do século XVII, substituindo o latim como língua erudita e mais tarde em razão do período das Luzes e da Revolução Francesa. Nos saraus da alta sociedade brasileira (Rio/Bahia), era chique declamar versos e conversar sobre coisas e gentes da “cidade luz”, na língua de Robespierre.
          O inglês principiou sua ascensão nos finais do setecentos com o advento da independência das 13 colônias inglesas da Norte-América, hoje EUA, que influenciou, inclusive, a Inconfidência Mineira.
          Como ficou visto, o idioma camoniano travou renhida peleja de resistência e assimilação por três séculos, enfrentando culturas mais fortes, dialetos africanos, línguas eruditas da época (latim, francês, italiano), idem de potências bélicas (holandês, inglês, espanhol) e falares do gentio, aculturado (missionado) ou não (tupinambá, nheengatu). E rechaçou a todas, e venceu, e se impôs, e cresceu, e se enriqueceu.
          A política de imposição do idioma luso pela Coroa foi lento, gradual, mas determinado e perseverante e se consubstanciou, maximamente, ao tempo do reinado de D. José I, de quem foi ministro plenipotenciário Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1750 a 1777). Em seu consulado, Pombal tornou o português oficial em todas as transações comerciais e sociais da colônia, proibiu o uso de outra língua que não a portuguesa e incentivou o seu ensino e difusão, mediante a disseminação de escolas locais de ensino primário público em todo o País e, também, nos seminários, para os alunos de elite, em regime de internato, as “aulas régias”. Estimulou a ida de muitos brasileiros a Portugal, a fim de cursarem escolas superiores, especialmente em Coimbra, na sua famosa Universidade (reputadíssima na Europa), os quais voltavam ao solo brasílico doutores também no idioma. Em sua regência foram criadas no Brasil três academias: a dos Seletos (1752); a dos Renascidos (1759), na Bahia e a Científica (1772).
          Renomeou as aldeias indígenas com os nomes de vilas do Reino, assaz conhecidas, máxime no Grão-Pará (Alenquer, Santarém, Alter-do-Chão, Óbidos, Barcelos, etc.). Combateu acerbamente o nheengatu, na Amazônia e a língua geral paulista, no Centro-Sul do País. Obrigou os lentes de latim a aprenderem e se adestrarem no idioma luso, antes de começarem a lecionar. A expulsão dos jesuítas, à sua determinação, igualmente contribuiu, e muito, para o enraizamento do português, visto que em especial os missionários inacianos tinham por hábito exercer a catequese nas próprias línguas dos missionados (índios e negros), valendo-se de gramáticas, missais, catecismos e livros de leitura diversa, versados para esses dialetos ou para as línguas gerais. Isso serviu, no entanto, para um notável enriquecimento do falar lusitano, com termos oriundos dos dialetos africanos e dos aborígines, devidamente aportuguesados, elevando, sobremaneira, o acervo lexical de nosso modo de expressão. A destacar, entre as leis sociais que editou, a que favorecia os casamentos com os indígenas, concedendo-lhes cidadania lusa e tença de equipamentos agrícolas, importante instrumento de miscigenação e integração inter-racial.
          A vinculação das economias regionais com o mercado internacional, com a consequnte participação de portugueses, africanos e nativos aculturados em transações comerciais com mercados externos, incrementou a difusão da língua portuguesa. Fica evidente, também aqui, a extraordinária clarividência e genial visão de futuro do notável estadista luso, à época questionada e combatida, mas que todo o Portugal reverencia hoje. Pombal foi, a nosso ver, o verdadeiro implantador do português no Brasil.
          Muitos brasileiros, ainda agora, assim por insipiência histórica como por exaltado “nacionalismo”, advogam a esdrúxula idéia de elevar o tupi à culminância de língua nacional, por ser ela a “língua nativa de nosso País”. Rematada sandice, pois, como ficou visto, o tronco tupi-guarani, conquanto mais numeroso, compunha apenas parte das mais de três centenas de linguajares autóctones, que aqui conviviam de forma conflituosa, quase excludente. Estaríamos, se assim ocorresse, nas mesmas condições da África do Sul, da Indonésia, da Índia e do Paraguai, que adotaram o africâner, o bahasa, o hindi e o guarani, respectivamente, como línguas nacionais. Tais idiomas, quais o mandarim, o hurdu ou o bengali, não têm expressividade nem livre curso mundial, muito diferentemente do português, hoje o 5º mais falado em nosso planeta, em números absolutos, mas a 3ª dentre as chamadas línguas universais de cultura, atrás somente do inglês e do espanhol. Felizmente, para nós, o bom senso prevaleceu e somos hoje o detentor maior desse legado precioso, essa que foi, de fato, a “ultima flor do Lácio”, em que Camões “cantou o peito ilustre lusitano” e se constitui, atualmente, na principal forma de expressão de mais de 250 milhões de terráqueos (na estimativa de Arnaldo Nisquier), uma das quatro únicas de curso oficial nos seis Continentes (isso mesmo, a Antártica, onde temos base científica experimental instalada, é o sexto) e que “apesar dos pesares”, como nos diz o filólogo e linguista Silvio Elia, “está em franca expansão no mundo”. Tudo faz por indicar que, com a adoção, que se impõe premente, pela ONU, do português como forma de expressão oficial nesse foro supranacional, nosso idioma deslanchará de vez, vindo a ocupar o verdadeiro lugar de destaque e prestígio de que se faz merecedor.

Nota: A fotografia que encima o texto é do Marquês de Pombal, reformador do Estado Portugês e o gande responsável pela implantação do idioma portugês no Brasil.
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Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES.
Do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP
serpan@amazon.com.br -sergio.serpan@gmail.com  -  www.sergiopandolfo.com


Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 28/06/2009
Reeditado em 24/08/2011
Código do texto: T1671791
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