Amor versus materialismo em "Orgulho e preconceito"

Amor versus materialismo em Orgulho e preconceito

A Revolução Industrial foi um marco na história da Europa e, por conseguinte, da Inglaterra. Trouxe progresso no ramo industrial e crescimento monetário. Alcançou o auge no reinado da rainha Vitória (Era Vitoriana - 1837-1901), provocando diversas mudanças no campo científico, industrial e tecnológico, entre outros.

Sendo a arte, principalmente a literatura, uma forma de expressão de um povo, incorporou e dialogou os anseios, as angústias, as contradições e a desvalorização do ser humano enquanto pessoa, expondo e criticando valores e comportamentos indignos, objetivando a mudança dos mesmos.

Na literatura destacaram-se os romances que espelharam um retrato incisivo da civilização, apresentando o comportamento fútil da sociedade do século XIX.

Inserida nessa sociedade, Jane Austen (1775 - 1817) consegue, por meio de uma visão ampla, reflexiva e crítica, mostrar em Orgulho e preconceito (embora o romance seja anterior à Era Vitoriana) os problemas sociais vigentes naquela sociedade inglesa. Representação da realidade social que se dá por meio de atitudes comportamentais socialmente corrompidas, como a hipocrisia e a valorização exagerada do materialismo financeiro, como forma de ascensão social, ficando o amor em último plano. Austen, por meio de um narrador heterodiegético, com focalização onisciente e, por vezes, interna, detida no olhar das próprias personagens, trás para o leitor os valores pré-estabelecidos naquela sociedade inglesa.

A temática do enredo é o amor versus sociedade, com focalização no casamento como micro-estrutura social, e o único meio de ascensão social, principalmente para as mulheres. Sendo, portanto, impossível a elas a individualidade financeira e a independência contra o domínio masculino.

Para Watt (1990, p. 124), quando analisando esta questão social da mulher, a escolha matrimonial era parte decisiva na vida da mulher, pois era por meio dela que ocorreria sua ascensão social, econômica e até geográfica. Em Orgulho e preconceito, a família Bennet é um exemplo típico dessa realidade estarrecedora. Pertencente à classe social desfavorecida e com cinco filhas, via no casamento o único meio de garantir um futuro estável. A senhora Bennt (mãe) é comicamente apresentada por Austen (1997, p. 7): [...] uma senhora dotada de inteligência medíocre, pouca cultura e gênio instável. [...]. Seu consolo, fazer e saber novidades. Quando olha para o jovem e bem sucedido Bingley, esperançosamente diz: - Oh, solteiro, naturalmente, meu caro! Um homem solteiro e de grande fortuna, com rendimentos no valor de 4 ou 5 mil libras anuais. Que coisa maravilhosa para nossas filhas! (1997, p. 16).

Para mostrar o paralelo entre os dois pólos divergentes, Austen utiliza-se de duas personagens que, embora pertencentes ao mesmo nível social decadente, e frequentadoras das mesmas festas, divergem em seus ideais amorosos. Charlotte, que tipifica grande parte das mulheres do século XVIII, que se adequou aos padrões pré-estabelecidos pela sociedade, impulsionada por sua família, casa-se com Collins e vive uma vida infeliz dominada pelo machismo do marido, porém socialmente importante. E Elizabeth, que vê a atitude da amiga com desprezo, e afirma que: Nem sempre desconfiava de que a opinião da Charlotte sobre o casamento Não era semelhante a sua. Mas jamais poderia ter suposo que, no instante de confrontar as suas ideias com a realidade, ela fosse capaz de sacrificar todos os seus melhores sentimentos às vantagens mundanas. Charlotte esposa do Sr. Collins era um quadro humilhante. E a dor de ver uma amiga se rebaixar assim na sua estima acrescentava a triste convicção de que era impossível que aquela mesma amiga fosse feliz no casamento que havia escolhido (Austen, 1997, p. 104).

Elizabeth, mesmo inserida naquele ambiente familiar interesseiro, se distanciou desses padrões, casando-se com o senhor Darcy por afinidade amorosa, rompendo, assim, com a tradição, mostrando que o amor sobrepuja ao materialismo. Porém, para que o amor supere o materialismo, é apresentado na narrativa um choque entre a essência e a aparência. Elizabeth, logo ao conhecer Darcy, julga-o orgulhoso e arrogante. [...] Todos o olharam com grande admiração durante metade do baile, até que finalmente sua atitude provocou certo desapontamento que alterou a maré da popularidade, pois descobriram que era orgulhoso, permanecia afastado de seu grupo e parecia impossível de contentar. Nem mesmo toda a sua grande propriedade, em Derbyshire, pôde salva-lo da opinião que começava a formar-se a seu respeito: ele tinha modos antipáticos e desagradáveis e era indigno de ser comparado ao amigo (AUSTEN, 1997, p. 12).

Darcy, apesar do encanto que vê em Elizabeth, considera-a deselegante, com quem era impossível firmar uma união amorosa: [...] havia no tom de Elizabeth um misto de doçura e de malícia que dificilmente ofendia alguém. E Darcy nunca se sentira tão fascinado por uma mulher como estava por aquela. Acreditava realmente que se não fosse a inferioridade das relações com Elizabeth, certamente se encontraria em perigo (AUSTEN, 1997, p. 57). Porém, a diferença social, de costumes, não foram suficientes para impedir o amor que nascia entre Elizabeth e Darcy. Contrariaram as imposições sociais e se tornaram exemplo de uma relação sustentada pelo amor e não pelo dinheiro.

Partindo dessa ideia de superação do amor sobre o materialismo, é possível ver o romance não apenas como uma história de amor, mas, como também, uma crítica aos comportamentos e tipos sociais degradantes e interesseiros, a desvalorização do ser humano enquanto pessoa, e a desigualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher (a mulher era excluída do convívio social, e tida como um enfeite para o homem).

Austen relata, portanto, com sua visão de mulher pertencente à classe pobre, de aristocracia rural, os costumes de uma sociedade preconceituosa e apegada à futilidade, cujos dotes financeiros superavam o amor e a felicidade, principalmente para as mulheres.

Por meio das atitudes da personagem Elizabeth, percebe-se a possibilidade modificar um costume social, que não contribui para o bem estar de um povo. Num sentido mais amplo, percebe-se, por meio do foco narrativo do romance, que esses problemas sociais continuam presentes em qualquer sociedade que valoriza mais a aparência física e poder social do que o amor em si, dando continuidade ao ciclo de domínio do material sobre o sentimental.

REFERÊNCIAS

AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. São Paulo: Best Seller, 1997.

WATT, Iam. O amor e o romance: “Pámela”. In:______A ascensão do romance: estudos sobre Defoe Richard e Fielding. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

LOPES, A. C. & REIS, C. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.

MESQUITA, S. O enredo. São Paulo: Ática, 1986.

OLIVEIRA, P. Introdução à sociologia. São Paulo: Ática, 2002.