Ensaio sobre a cegueira

As perguntas

A cegueira é contagiosa? É possível que todas as pessoas de uma cidade fiquem cegas? O que aconteceria se todas as pessoas não enxergassem mais? Como seria sua vida se você não tivesse mais a visão? Pense nisso...

Sinopse do filme

No filme, “Ensaio sobre a cegueira” dirigido por Fernando Meireles, esse fato é possível, ou seja, a epidemia da cegueira acaba contagiando uma cidade inteira. E o cenário que o diretor escolheu para demonstrar o caos causado pela falta da visão é a grande, bela e contraditória São Paulo. No filme, as pessoas começam a ficar cegas conforme vão tendo contato umas com as outras. O primeiro grupo de pessoas que adquirem essa “deficiência” é levado para um hospício em condições precárias, onde os mesmos, sem auxílio médico, sem ajuda de nenhum tipo de pessoa especializada, exceto a mulher de um médico que se passa por cega para ajudar o marido no exílio. Assim, ficam isolados, em quarentena, a fim de frear a epidemia. Neste local eles passam por diversas dificuldades, necessidades e se submetem a viver em meio ao lixo, à imundícia, à falta de alimento, roupas e acomodações precárias. Enfim...

Uma visão sobre a cegueira, a minha...

A cegueira não é contagiosa, mas a ignorância é. A cegueira não gera o caos, mas a ignorância motiva a desordem. A cegueira não gera violência, mas a ignorância provoca a luta. A cegueira não gera discórdia, mas a ignorância suscita o conflito. O cego embora não tenha a visão, ainda assim enxerga muito mais que um ignorante. Pois, não é a cegueira que causa a desordem, a violência, o caos, a miséria humana e a própria morte, é a ignorância que é o começo do fim.

O filme acaba sendo uma metáfora da situação humana. Situação esta em que o homem tem visão, mas não enxerga. O que deve ser percebido, ele acaba ignorando. O homem tem olhos, mas não vê o caos da sua realidade. O que deve ser apreciado, ele acaba desprezando. O homem tem perspectiva, mas não contempla seu horizonte. O que deve ser observado, ele acaba abandonando. O homem usa lentes para distinguir melhor, mas não consegue enxergar nem a si mesmo, muito menos o seu próximo. O que deve ser cuidado, por sua vez, ele acaba tratando com indiferença.

Ensaio sobre o cegueira pretende mostrar que estamos no interior de uma profunda crise global, gerada pela falta de percepção, pela mudança de valores e pela valorização das imagens. O mundo está crise, porém uma crise que não é só econômica, mas uma crise de valores, uma crise na forma de perceber o mundo. Enquanto isso o planeta roga nossa ajuda, as crianças desamparadas nos pedem socorro, os velhos abandonados, os indigentes sofrem com o descaso que vem de todas as partes: pessoas abastadas, instituições privadas, públicas e até mesmo de Deus, que acredito ter abandonado essa terra, onde as pessoas não conseguem enxergar exceto seu próprio umbigo.

Como exemplo: a cidade de São Paulo é maravilhosa, os produtos dos Shopping Centers são exuberantes, as mulheres são fenomenais, os homens cada vez mais atraentes, as drogas cada vez mais accessíveis. Ora, será que é só isso que temos para contemplar? Será que não devemos enxergar primeiramente nosso interior, para assim termos a capacidade e habilidade para olhar o mundo e o outro? O que nos resta enxergar para podermos sair dessa crise? Por que não conseguimos ver o que precisa ser visto? O que está cegando a nossa visão?

Ora, o que está nos deixando cegos não é a falta de luz, mas a vaga razão, a ausência de reflexão. Eis o fato de estarmos em crise. Não somos cegos dos olhos, somos cegos do pensamento. Porque olhamos o mundo, mas não compreendemos os seus mistérios. Observamos nossa realidade, mas não questionamos nada, aceitamos tudo da forma que nos chega. Nada é questionado, tudo é aceito passivamente. Não se pensa antes de agir. Olha-se, mas não se pergunta os motivos. Reflexão acabou se tornando exercício de filósofos e monges. Pensar, só na hora de consumir mais. E olhar, só se for para o espelho, ainda que estejamos cegos.

A obra de Fernando Meireles pretende mostrar, não só a fragilidade humana, mas a importância de um dos sentidos mais essenciais para nossa existência e coexistência. Fundamentalmente, Meireles nos faz refletir que o caos só emerge das trevas, ou seja, da ignorância, da falta de luz, da falta de razão. Cegos do pensamento nos deixamos seduzir pelas imagens, da televisão principalmente - e assim, deixamos de interrogar a verdade da aparência; o enigma das coisas que se manifestam - e a própria realidade que já não sabemos mais o que é, porque a nossa cegueira não nos permite enxergar as reais necessidades e veracidade do "aqui e agora".

Enfim, se não for por ausência de "Lógos", quem sabe seja por falta de "Philía", pois segundo Antoine de Saint-Exupéry “o essencial é invisível aos olhos” uma vez que “os olhos são cegos” porque na verdade “é preciso ver com o coração”.

Silvia Santana
Enviado por Silvia Santana em 15/09/2009
Reeditado em 15/09/2009
Código do texto: T1811693
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