Essa tal felicidade
Angélica T. Almstadter
Esse meu encontro com a tal felicidade está mesmo
ficando demorado, há tempos eu a espero calada,
pendurada na sacada, olhando pro nada como
se ela fosse chegar numa lufada de vento,
entrar porta adentro, rompendo a gastura dos trincos
enferrujados, vencer os degraus da minha espera
ansiosa e se jogar inteira nos meus braços cansados.
Não existe conselho certo, não existe jeito certo,
e nem sendo esperto se antecipa sua chegada,
tá certo que ela não hora marcada, pode chegar
de sopetão, entrar como um furacão e varrer o coração,
mas quem há de dizer que ela tem alguma razão,
ou carece de explicação?
Todo mundo espera por ela noite e dia, e eu não sou
diferente, ando até doente de tanto ver passar gente
e mais gente e ela não me achar nesse pedaço
de fim de mundo. E eu de olhos fundos, olhar de desafio,
garganta seca e coração disparado olho pra todo lado,
quem sabe ela saia de alguma fresta, ou brote sem aviso
nalgum momento inesperado, pode ser que surja no
meio de uma prosa, quem sabe goste da minha conversa.
Ah! Como essa tal felicidade faz a gente viver mais
um dia e outro e outro, porque ela manda a esperança
vir antes abrir os caminhos e a gente se enche de
esperança e fica como criança, sonhando em cada
minuto com seu desembarque pomposo na plataforma
dessa vida, onde ficamos andando em círculos, esfregando
as mãos e buscando em cada passageiro que desembarca
que traga nossa preciosa carga.
É bem verdade que apesar da esperança chegar
primeiro e estabelecer um clima pra nossa espera,
há dias que nem abrimos nossas janelas da alma,
fechamos num baú nossos sonhos, damos com os
ombros para o seu aporte silencioso, jogamos no chão
a chance de convida-la para cear em nossa companhia.
Há dias que nossa esperança fica vazia, de tanta espera,
depois de tanta trapaça, parece que envelhecemos
com a chapéu na mão, mendigando o que sabemos
que em algum lugar está a nos esperar, em algum
momento como passageiros dessa viagem vamos
aportar na casa dessa tal felicidade.