Mario Quintana, Cem Anos

O poeta nasce (30 de julho de 1906) junto com o século que a razão pretendia colocar cada indivíduo em seu merecido espaço. O eu-lírico, que tem na sua essência a intimidade, vinha sendo coagido pela técnica, dádiva da ciência, no que o poeta tem de se aperfeiçoar: estuda e reage como jornalista e tradutor, muda da cidade fronteiriça – de fortes tradições políticas - para os grandes centros urbanos. O contato com as massas e os intelectuais diversos, de mesas de bar e redações de jornais e editoras, amplia a visão do mundo do poeta. Logo, ele imprime seus primeiros poemas.

A revolução que forçaria o país para o futuro estatal alista o voluntário poeta no heroísmo do soldado. As artes já tinham cumprido o papel de porta-voz da modernidade, enquanto o mundo se preparava para o holocausto da 2a grande guerra. Para o poeta, lançar seu primeiro livro, A Rua dos Cataventos, quando a guerra estava no auge, era a imposição do eu-lírico numa época que se tornaria marco histórico da barbárie. Pegando n o ar as cinzas do ódio de um velho mundo artisticamente pré-estabelecido, mas que se tornaria como a imagem do medo.

Com o fim da guerra, seus livros são publicados com regularidade: sua segunda obra, Canções, quando as pessoas se permitem novamente a cantar; Sapato Florido, como se a realidade cotidiana voltasse a ter cores; O batalhão das letras, livro infantil, acreditando o poeta que os filhos do pós-horror da guerra lutariam por uma dignidade verdadeira.

Dois livros, O aprendiz de feiticeiro, e Espelho Mágico, são publicados quando a arte engolia a técnica, transformando-a em essência. O poeta, nessa volta do excesso da razão, é quem representa o encantamento.

Na sua terra natal, é publicado Inéditos e Esparsos, como uma volta as origens enquanto o mundo aumentava a sua velocidade produtiva. Nove anos depois, sai Poesias, reunião dos cinco primeiros livros. E depois a Antologia poética, que elevou o nome do poeta ao ser saudado por outros poetas nacionais. Pé de pilão, outra obra infantil, fortalece o título de “o poeta das crianças”.

Aos 69 anos, seus poemas em prosa são publicados sob um dos títulos que saiam nos jornais: Caderno H. Seu próximo livro, Apontamentos de história sobrenatural, é como um anjo, símbolo transitório entre o divino e o telúrico, que se pretende atravessar o coração do leitor com sua espada.

O mundo volta a pedir paz. Colorem as ruas, o poeta se sente agraciado, como no lançamento de Quintanares, livro-homenagem que aumenta o seu prestígio. A vaca e o hipogrifo é editado, e anualmente são publicadas antologias de seus poemas: Prosa e Verso, Nova antologia poética, Mário Quintana – outro dos tantos livros homenagem que receberia em vida. Ele publica novos poemas, nas voltas com um mundo sofisticado e competitivo: Na volta da esquina, Esconderijos do tempo, e, infantil, Lili inventa o mundo.

Quando seu país se aproxima da autonomia e se afasta do totalitarismo, é publicado, numa importante série editorial, Os melhores poemas de Mario Quintana. O poeta segue editando obras originais e de grande lirismo, como Nariz de vidro, Sapato amarelo, Primavera cruza o rio, e Baú de espantos, característicos versos de um mestre das imagens na explosão produtiva do cinema. Numa época em que já se percebia da vida, Oitenta anos de poesia brindou o poeta ancião, e estilisticamente atual.

Nos seguintes e últimos anos de sua existência, saem Preparativos de viagem, Da preguiça com método de trabalho, e Porta giratória. Estes demonstram a total maturidade do poeta de extensa produção lírica, e testemunho de uma geração séria, mas que caminhava para a alegria. No ano em que seus co-cidadãos vão as urnas, sai outra Antologia poética de Mario Quintana, mais A cor do invisível, onde ele expressa a sua espera pela morte. Velório sem defunto é publicado no outro ano, entrando o poeta na última década do século. Mas ele não arruma as malas para a era tecnológica: No ano da publicação de Sapato furado, o poeta morre (5 de maio de 1994). Nessa época, a tv já habitava os lares do país, em todos os cantos, e, o que foi uma raridade, um canal televisivo apresentou o poeta como tema de documentário, em um programa no horário nobre.

Joelson Ramos
Enviado por Joelson Ramos em 23/07/2006
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