CASTRO ALVES À LUZ DE INTERPRETAÇÕES

Ao longo do tempo, a literatura, como toda e qualquer forma de arte, vem passando por um processo de transformação que se deve, inevitavelmente, aos momentos sócio, econômico e cultural em que foi escrita. Torna-se, em outras palavras, importante ao conhecimento inserir um autor ou uma obra no processo histórico literário em que a mesma foi produzida. Ao analisar-se, hoje, um poeta romântico como Antonio Castro Alves, tão discutido pela crítica e tão aclamado pelos ideais abolicionistas e condoreiros de seu tempo, precisa-se ter em mãos os valores e os atributos que lhe são concedidos por nossos historiadores.

Tomando para análise a obra de Antonio Castro Alves, é preciso ter consciência que cada historiador, dentro de uma visão sincrônica, é claro, escolheu o seu próprio método, originando-se aí as diferentes formas de tratamento dispensadas ao poeta baiano.

1. .LÉVY- STRAUSS X CASTRO ALVES.

Se pararmos, por instantes, na análise da obra de Antonio Castro Alves e se, nesses mesmos instantes, tivermos em mente as análises do linguista nascido em Bruxelas, encontraremos pontos em comum entre a obra e a biografia do autor. Uma evidência à qual não se pode fugir é a influência que sua paixão por Eugênia Câmara fez repercutir em poemas apaixonados e plenos de delírios sensuais.

O seu sentimento exacerbado anunciou-se muito cedo, “sensível à solidão de uma rede olhando o telhado, lendo pouco fumando muito”. (BANDEIRA, Manuel: Jornal de Poesia:2006). Depois de se tornar órfão de mãe e ser semipensionario no “Gymnasio Baiano”, onde se destacou perante seus mestres por seus versos e algumas traduções feitas, a seu pedido próprio, dos belos versos do lírico venuzino, Castro Alves passou a se dedicar a versos sentimentais em estilo brando, um tanto à maneira de Lamartine, Junqueira Freire e Álvares de Azevedo. De fato, a influência dos poetas franceses estaria presente quando o lirismo, brotando da voz do condoreiro de Recife, aclamava, em seu estilo, os efluvios de Musset, Vigny e Lamartine, além do inglês Byron. O transbordamento romântico de Castro Alves nutria-se da inegável influência de Victor Hugo e de Tobias Barreto, que sergipano, revitalizaria com ele a disputa de talento. Cinco anos depois, pretextando concluir o curso de Direito em São Paulo, destinou-se a viajar. Pulsava-lhe conhecer a corte e veio ao Rio de Janeiro. Em sua bagagem, estava incluida uma carta de apresentação ao romancista José de Alencar. O encontro aconteceria na Tijuca e a impressão maior desse momento foi traduzida por Machado de Assis,: “Que júbilo para mim! Receber Cícero que também vinha apresentar Horacio, a eloquência conduzindo pela mão poesia, uma glória esplêndida demonstrando no horizonte da pátria a irradiação de uma límpida aurora”(in Correio da Manhã s/d). Entretanto, o coração romântico e apaixonado voltaria a se incendiar com o drama “Dalila”, levado a cena por uma companhia dramática. O motivo da ênfase é que a atriz Eugênia Câmara fora escolhida para fazer a protagonista Leonora de Falconieri. Logo em seguida, alguns versos anunciariam os desejos e sonhos do poeta: “Mas... que louco sonhar! Ó minha amante,//Que nunca nos meus braços desmaiaste....”

Inegavelmente, o sentimento ardente do romantismo despertaria com frêmito ante a cantora italiana Agnese Murri, que viera como cantora lírica e fixara-se na Bahia para lecionar canto e piano.

O sentimento condoreiro deste baiano repercutiria mais forte nos ideais justiceiros, na sua necessidade interior de defender grandes causas, tornando-o capaz de lutar contra a injustiça social que sempre o incomodou, levando-o a verter lágrimas em meio ao tumulto das imprecauções. Inconformado, a abolição constituia seu sentimento mais forte de justiça, revelando um poeta cuja inteligência alicerçava os mais altos dons de luta. Graças a seu ideal, identificamos o poeta autor de “A Canção do Africano”, cuja publicação rendeu-lhe o “mérito de provar que se declarava sincero abolicionista” (CARVALHO, Alfredo de: 1905). O condoreiro baiano falou alto ao sentimento abolicionista quando o eu lírico de “Navio Negreiro” clamou: “Existe um povo que a bandeira empresta //Pra cobrir tanta infamia e cobardia”

Muitas outras peças de seu lirismo clamam em prol da mesma causa e, em todas elas, depara-se com o mesmo despertar de paixões radiantes. Castro Alves traduz para a sua poesia um pouco de sua paixão e um pouco de sua vida pronta para ser analisada por este veio biográfico. Entretanto, outros estudos persuadiram a obra deste poeta, permitindo conhecê-lo através de suas influências e de suas repercussões no espaço poético.

2. CASTRO ALVES E A VIVÊNCIA DE UM TEMPO

Observou-se que toda obra literaria se enquadra na filosofia do tempo na qual se insere e todo escritor se manifesta consoante as inquietações vividas no momento em que a sua efervescência toma lugar na necessidade de se transformar em brado, em defesa consciente de um ideal que, do ponto de vista de quem escreve, é uma defesa contra a injustiça que está sendo cometida no seio da humanidade.

Castro Alves, sem dúvida alguma, ao se tornar o poeta condoreiro, cuja voz se elevou contra a injustiça do negro no Brasil, assumiu com veemência este papel e, como tantos outros poetas de sua época, fez de sua arte uma forma de contestação às humilhações que os negros vinham sofrendo. Desta forma, sua poesia tornou-se de inspiração social e ganhou a força de que hoje se fala. No entanto, incluindo-o no Romantismo e buscando enquadrá-lo nos ideais sincrônicos de suas produções, depara-se, no Brasil, com Tobias Barreto.

2. CASTRO ALVES À LUZ DA CRÍTICA

O momento literário no qual viveu o poeta baiano é de paixões exacerbadas e de entrega total. Consoante Manuel Bandeira, “Em Castro Alves cumpre distinguir o lírico amoroso, que se exprimia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, como no formoso quadro do poema "Adormecida"; sem dúvida, uma linda visão do amor. Ao longo do poema evidencia-se toda uma descrição, uma contemplação da amada, traduzindo-se no desejo inatingível o amor que caracterizava e fazia sofrer os poetas românticos. Alfredo Bosi, em seu estudo sobre Castro Alves, destaca a importância dos “versos de substância amorosa, pela fraqueza no exprimir seus desejos e os encantos da mulher amada” (1982, p.132). E, de fato, em suas paixões, o poeta parecia possuir o fogo sagrado, uma especie de impulso interior que propiciava o exagero de juizos, o talento verbal e uma sincera eloquência comunicativa. A literatura romântica, sintetizada em poemas como este, onde a figura feminina é exaltada, valoriza a fantasia e o sentimento, recaindo sempre no mesmo subjetivismo inevitável. O poeta baiano encontrou, em sua paixão ardente, a forma exaltada para externar o lado amoroso e profundo de sua sensibilidade, efusão que lhe permitiu, aliás, “criar uma linguagem poética brasileira típica, rica de imagens num ritmo característico de grande doçura que traduz a maravilha à sensibilidade humana”( COUTINHO, Afrânio: 2001, pág.208) . O seu lirismo continha um teor amoroso fortemente intimista como se depreende, por exemplo em “Adeus a Teresa”: “A vez primeira que eu fitei Teresa,// Como as plantas que arrasta a correnteza,//(...)// “Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala...// E ela, corando, murmurou-me: “adeus”.

Poema amoroso belíssimo cuja contenção emotiva, presente em todos os versos, carrega em si muito do romantismo francês traduzido por Lamartine e remete à angústia profunda do amor ameaçado pela impossibilidade. Outros poemas traduzem a mesma exaltação e até mesmo a simplicidade de quem, enlevado por um sentimento natural se atém a um simples detalhe para se entregar por completo, como, por exemplo, “ O laço de fita”, no qual o eu lírico se declara “Stou louco de amores //Prendi meus afetos, formosa Pepita,// (...)// Num laço de fita.

Afora este extravasar de emoções, capaz de levar o poeta a tão grandes arrebatamentos, observa-se também em Castro Alves uma sensibilidade aberta à paisagem, da qual denotam-se imagens de onde se depreendem a beleza plástica e a musicalidade do ambiente, como é o caso de “O Crepúsculo Sertanejo”. Mas o clamor deste romântico, à semelhança do que também outros poetas contemporâneos cantaram, não se ateve à exaltação da mulher amada, mas se muniu de ideias filosóficas em prol da humanidade. E, dentro deste aspecto, sua voz se elevou e clamou por justiça, denotando o poeta condoreiro de que se tem notícia hoje. A sua filosofia teve a preocupação de contestar, “os sofrimentos dos negros na travessia da África para o Brasil. Sabe-se, através de Manuel Bandeira, em obra não localizada neste momento, que os infelizes vinham amontoados no porão e só subiam ao convés uma vez ao dia para o exercício higiênico, a dança forçada sob o chicote dos capatazes.” De fato, a luta em prol do abolicionismo encontraria eco profundo neste poeta para o qual a política social existe em função da poesia participativa, atendendo ao panorama de filosofia liberal e libertária dos séculos XVII, XVIII e XIX. Este ideal de justiça tornou-o, sem dúvida, o portavoz da defesa daqueles que, à “ custa do sangue escravizado” motivaram-lhe toda uma arte revolucionaria que repercutiu profundamente em sua poesia, tornando-o engajado com os problemas sociais de seu tempo e levando-o a exaltar-se liricamente, sobretudo nos versos de “Vozes da África” :

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?

Em que mundo, em que estrela tu te escondes

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito

Que embalde, desde então, corre o infinito....

Onde estás, Senhor meu Deus....

José Veríssimo, autor de História da literatura, ao estudar a obra deste poeta romântico, reconheceu que

Havia em Castro Alves, como em Álvares de Azevedo, que ele grandemente admirava e imitou, o fogo sagrado, alguma cousa que à nossa observação superficial remete ao exagero de juízos, denotando um grande talento verbal, uma sincera eloqüência comunicativa e um simpático entusiasmo juvenil. Tudo isto, segundo ele, encobria as imperfeições evidentes da sua obra, e disfarçava-lhe as incorreções de pensamento e expressão. (pág.s/n)

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Antonio Castro – Obras completas completas. 2ª ed., Rio de janeiro: Nova Aguilar,

1997.

CARVALHO, Alfredo de- Estudos pernambucanos. Recife: A cultura academica, 1907

VERÍSSIMO, José- História da literatura. Rio de Janeiro : Liv. FranciscoAlves, 1916

Regina Souza Vieira
Enviado por Regina Souza Vieira em 31/01/2010
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