Ensaio literário acerca do romande "A mulher do tenente francês".

Ensaio literário acerca do romance “A mulher do tenente francês”.

I-A Vida e a Obra de John Fowles

John fowles é um dos mais importantes nomes da ficção pós-moderna na literatura inglesa. Nasceu na praia de Leighgton, em 1926 e ainda hoje está vivo. Acometido por um derrame no fim dos anos 80, Fowles não publicou mais nenhuma ficção, porém nos anos 90 teve lançado uma coletânea de ensaios.

A obra de fowles perpassa vários gêneros, desde o romance policial, a ficção cientifí-ca, o mistério até a ficção histórica, sendo este último o ponto central a ser analisado neste ensaio por meio do romance A mulher do tenente francês.Dentre os trabalhos mais conheci-dos destacam-se seu primeiro romance O Coletor (1963), trata-se da história de um jovem trabalhador Freddie colleg , um obsessivo colecionador de borboletas que apaixona-se pela bela Miranda, mas é desprezado por ela. Miranda vai estudar em Londres e Freddie ganha um grande prémio. Ele decide comprar uma casa de campo e a prepara para receber sua a-mada. Após segui-lá dias sem ser notado, seqüestra-a e a esconde no porão da casa, com o objetivo de faze-lá apaixonar-se por ele; O Magus(1966), tem como personagem principal Nicholas Urfe e possui um enrredo voltado para a fantasia, o teatro e a magia; e A mulher do tenente francês (1969), o romance conta a história de amor de Sarah Woodruff, uma mulher solitária que fora abandonada por seu suposto amante, um tenente francês, mas que acaba envolvendo-se com um jovem antropólogo, Charles Smithson.

A mulher do tenente francês é certamente o trabalho mais bem sucedido comercialmen-te e também artisticamente de John Fowles.“A publicação deste romance rendeu-lhe em 1969 a concessão de prata da pena e em 1970 a concessão literária WH Smith, bem como receberá em 1982 a concessão de Christopher pela obra A Árvore”.

Fazem parte, ainda, do conjunto das obras desse artista, livros como O Aristos (1964), Mantissa (1982), A Maggot (1985) e outros. Fowles possui também seis romances inacabados e mantém uma reputação maior fora da Inglaterra, principalmente na França e Estados Unidos, que dentro.

II – A Mulher do Tenente Francês na Temática da Metaficção Historiográfica

Quando tratamos de pós-modernismo não seguimos um modelo ou uma escola literária, isto porque este movimento em nada condiz com formalismos ou convenções. Entretanto se não podemos classificar esse movimento dentro de um padrão como poderemos reconhecê-lo? Não é uma tarefa fácil, mas o pós-modernismo possui sim alguns aspectos bem peculiares que nos ajudam a distinguirmos uma obra pós-moderna: pluralismo, fragmentação, auto-reflexão e, sobretudo ele propõe-se a contestar, confrontar e reavaliar certos “pressupostos tradicionais sobre a natureza da verdade.”

Considerando-se os aspectos acima citados, podemos definir A mulher do tenente fran-cês como uma ficção pós-moderna incorporada na temática da metaficção historiográfica, ter-mo cunhado pela escritora Linda Hutcheon para “referir-se a romances famosos e populares que, ao mesmo tempo, são intensamente auto-reflexivos e mesmo assim, de maneira parado-xal, também se apropriam de acontecimentos e personagens históricos”.

Convém ressaltar que o romance historiográfico vale-se do conhecimento histórico não para promover um “retorno” saudosista, mas como uma reavaliação critica do passado objeti-vando analisar a sua repercussão no presente.Desvendar a natureza do passado, entretanto, pressupõe colocar em cheque também a sua veracidade, aí insere-se o papel primordial da me-taficção historiográfica: reelaborar criticamente o passado por meio da ficção.

Podemos, então, como disse anteriormente, tomar como exemplo de metaficção histó-riografica o romance de John fowles, A mulher do tenente francês. Não há dúvida de que este trabalho tem o passado como referente, mais precisamente a era Vitória. A moral e os costu-mes dessa época, assim como as várias paródias de romances vitorianos (tendo Sam e Mary como alusão aos personagens de Dickens e a própia Sarah Woodruff, no papel de governanta, uma reescritura da Jane Eyre de Charlotte Bronte) formam o foco da critica irônica de Fowles a esse modelo de sociedade.

A trama em questão narra uma história de uma “paixão sem freios” protagonizada por Sarah woodruff e Charles Smithson. Sarah trabalhava como governanta na casa dos Talbots e tinha como função cuidar dos filhos de um capitão, até que certo dia apaixonara-se por um te-nente francês salvo de um naufrágio.O homem fora recolhido pela família Talbot,ficando aos cuidados da governanta, já que está era a única que falava francês na casa.Com a proximidade Sarah foi envolvendo-se com este misterioso tenente e acabou apaixonando-se por ele.Tempos depois o homem partiu, mas Sarah fora inutilmente a sua procura, pois apesar de tê-lo encon-trado descobriu que ele era casado.

Ao voltar para Lymes Regis, local onde se passa a história, Sarah recebe a condenação dos habitantes da cidade. Isolada de tudo e de todos ela vive na expectativa de reencontrar o seu tenente.Os talbots já não a recebem de volta e Sarah acaba por ir trabalhar na casa da S-ra.Poulteney, uma velha viúva com rigorosos costumes e implacável moral vitoriana.

Charles é um jovem antropólogo que chegara a Lemys com sua noiva Ernestina, filha única de um rico comerciante. No dia em que eles acabaram de chegar à cidade dá-se o encon-tro dos dois futuros amantes. Sarah estava no Cobb, vestida de preto, com o olhar fixado no mar revolto pelo forte vento que soprava do leste e Charles acompanhava sua noiva em um passeio no mesmo local. O rapaz intrigado pelas tristes feições da moça e por seu olhar trágico decide desvendar seu mistério e ajuda-lá, mas termina apaixonando-se por ela a ponto de rom-per seu noivado com Ernestina.

O fim da trama, entretanto, fica a cargo do leitor.Explicarei.Trata-se de um triplo final, pois o autor oferece três versões para o desenrolar da história. Em dois finais Charles se casa, em um com Ernestina em outro com Sarah (um típico final vitoriano em que o casamento si consagra como um desfecho ideal), e no terceiro ele é abandonado pela governanta, cada um seguindo o seu caminho.

A história narrada neste livro é, portanto, uma verdadeira paródia, no sentido dado pela escritora Linda Hutcheon de uma reavaliação irônica, das típicas convenções do conto roma-nesco da era vitoriana. Entretanto, não podemos definir esta ficção como sendo meramente uma representação deste período, pois sua trama vai muito além, ela “encena a dialética de li-berdade e poder que constitui a resposta existencialista moderna, e até marxista, ao determi-nismo vitoriano ou darwiniano”. A contextualização histórica faz-se, então, necessária para que possamos questionar as relações do passado com o presente, não com a intenção de pro-mover um regresso nostálgico, mas de provocar uma auto-reflexão.

III - O Caráter Pós-Moderno da Obra

Sem dúvida, A mulher do tenente francês nos remete a um intenso dialogo com o pas-sado, por outro lado Fowles está constantemente suscitando o presente por meio de comentá-rios sobre a política e os costumes vitorianos, adicionando notas de rodapé e citações de Dar-win, Marx e de poetas da era vitoriana:

“Naquele ano (1851) havia cerca de 8 155 000 mulheres de dez anos para cima na população inglesa, em comparação com 7 600 000 homens. Torna-se claro, pois, que, se o destino da moça vito- riana era casar-se e ser mãe, poucas probabilidades existiam de que houvesse homens para satisfazer a todas”. A M.T.F. pag. (12)

“E. Royston Pyke,Documentos humanos

da época áurea vitoriana.”

O trecho acima, citado por Fowles em seu livro, nos remete a seguinte indagação: se a mulher da época vitoriana era criada objetivando um casamento que lhe garantiria uma posição segura e confortável perante a sociedade o que aconteceria aquelas que não conse-guissem alcançar esse ideal? É o que tentaremos desvendar por meio da história de alguns personagens d’A mulher do tenente francês.

Já no primeiro capítulo o narrador nos acena com dois tipos muito distintos de mu-lheres.Uma ele descreve graciosamente talhada nos moldes dos costumes da época, visto que os fatos se passam no ano de 1867 em uma região chamada Lyme Regis (Inglaterra), a outra assemelha-se a uma figura misteriosa e nebulosa:

“A moça se vestia no rigor da moda (...). As cores do traje da mo- ça pareciam aos olhos de hoje decididamente chocantes, mas o mundo de então dava os primeiros e entusiásticos passos para a descoberta das tinturas de anilina.”

“(...) a outra figura, também presente naquele cais sombrio e curvo estava prostrada na estremidade mais avançada para o mar (...). Suas roupas eram pretas. O vento as fazia esvoaçar, mas a figura permanecia imóvel, os olhos profundamente fitos no mar(...)”. A M.T.F. pág.(11)

A primeira moça tratava-se de Ernestina, uma jovem de boa família, que assim como as outras de sua condição social fora educada para cumprir o seu papel de mulher recatada e prendada nos salões de visita da sociedade. Ao passo que Sarah, a tal figura enigmática, possuía características bem distintas daquelas aceitas pelas convenções.

Sarah Woodruff é, sim, uma mulher bem a frente desse tempo. Ela representa o ideal existencialista de livre arbítrio, (o homem é livre para escolher e tomar decisões). Portanto, quando Sarah decide partir para encontrar-se com o tenente francês, ela faz a escolha de a-bandonar o modelo de vida que seguia e tomar nas mãos o seu destino e as conseqüências que essa decisão acarretaria.

Charles é a personificação do símbolo masculino neste ideal, que apesar de desfrutar de uma certa “liberdade” concedida somente aos homens, acaba por romper as barreiras so-ciais e abdica de um casamento convencional com uma mulher rica e prendada para viver um grande amor com Sarah.

Fowles construiu, portanto, uma ponte entre o que liga e distancia essas duas épocas: a vitoriana e a pós-moderna. A filosofia existencialista é tão somente um destes aspectos que também fora tratado por outros escritores pós-modernos como Anthony Burgess, em Laranja mecânica no fim dos anos 60.O livro relata a história de um jovem delinqüente, A-lex, que é extremamente violento e sente prazer em praticar atos dessa natureza.Capturado pela policia em uma de suas delinqüências, ele acaba sendo preso e é submetido a um trata-mento de choque que o torna avesso a violência.

Na obra de Burgess o livre arbítrio é o ponto central da discussão que o autor propõe suscitar.A violência do jovem Alex é reprimida por uma experiência do governo autoritário que julgá-se no direito de interferir a esse ponto na vida de um ser humano e privá-lo do seu direito de escolha.

Uma outra característica bastante relevante n’A mulher do tenente Francês é o dis-curso do narrador. Ao contrário da obra de Anthony Burgess, onde o narrador é persona-gem, só conseguimos identificar esse papel no livro de Fowles nos últimos capítulos, quan-do fica claro que ele mesmo é quem narra a história. Há um dialogo constante do narrador com o leitor na intenção de mostrar a este os comentários críticos que, a todo momento, se faz acerca de algum aspecto político, histórico, social ou cultural da época:

“Nada mais incompreensível para nós do que esse comportamento rígidamente metódico dos vitorianos. Podemos encontrá-lo em sua melhor forma (e mais ridícula ) nas fartas recomendações forne- cidas aos viajantes pelas edições mais antigas do Baedeker. Onde_ é o que nos perguntamos _sobrará lugar para algum prazer? (...). A M.T.F. pág. (53)

Fowles ainda quer fazer crer que não é manipulador, nem centralizador do desenro-lar de sua trama. Seus personagens seriam livres para seguir os caminhos que desejassem:

“(...) Unicamente quando as nossas personagens e acontecimentos se recusam a nos obedecer é que elas começam a viver. Quando Charles deixou Sarah na beira do penhasco, ordenei-lhe que fosse diretamente para Lyme Regis. Mas ele não foi. Por sua livre e es- pontânea vontade, dêsviou-se do camiho e foi para a granja. A M.T.F. pág.(97)

A postura adotada por Fowles é fruto da influência existencialista que permeia toda a obra, bem como o caráter do texto fragmentado é mais uma das muitas características que tornam esse romance um exemplo de ficção pós-moderna.

Referências Bibliográficas

FOWLES, John.A Mulher do Tenente Francês.Editora Nova Cultural. São Paulo,1987

HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção.Tradução de Ricardo Cruz, Editora Imago. Rio de Janeiro,1991

Sites:

http://www.contemporarywriters.com

http//www.cfh.ufsc.br/~wfil/searle1/htm

SEARLE, R. John. Racionalidade e realismo: o que está em jogo?

Weyla Schitini Cerqueira
Enviado por Weyla Schitini Cerqueira em 21/08/2006
Reeditado em 03/08/2009
Código do texto: T221386
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