Análise do conto "Vidros Quebrados" de Machado de Assis

Análise do conto "Vidros Quebrados - Machado de Assis" - Curso de Letras, 1998.

Considerações iniciais

O propósito deste trabalho é expor minha análise do conto de Machado de Assis, denominado "Vidros Quebrados". Verificar suas estruturas narrativa, discursiva e semântica, apoiando-me em teorias de expoentes da ciência literária estruturalista, utilizando uma diversidade de conceitos valiosos, com a finalidade de não restringir a visão analítica a um grupo pequeno de instrumentos dissecantes.

Considere-se, a princípio, três atributos preliminares e básicos da obra: estrutura de conto, narrativa realista e essência temático-interpretativa. Então, pode-se na seqüência enveredar pela análise propriamente dita. Ei-la:

Análise Preliminar

O conto enfatiza, por intermédio da visão do personagem Venâncio, que o poder e a interferência Divina sobre relações amorosas, que resultam em casamentos, são maiores que o poder humano. Estas mesmas relações, em que estão envolvidas diretamente pessoas e indiretamente o Mítico, possuem desfechos positivos ou negativos dependendo da vontade Suprema, cabendo aos humanos a submissão inconsciente ou consciente, involuntária ou voluntária diante de Deus. O conceito citado está contido na abertura do conto e é retomado no seu final, tornando início e término interligados, dessa forma constituindo uma estrutura cíclica.

Existe um paralelo entre o conceito Humano & Mítico deste conto com a filosofia tecida no capítulo IX (“A Ópera”) do romance Dom Casmurro. No referido capítulo, um velho tenor italiano (sr. Marcolini) defende a idéia de que a vida é uma grande ópera. O Bem e o Mal regem a ópera e os figurantes (homem) são os regidos. A relação então é a de comando e comandado que é a mesma nas duas narrativas, com a força Superior (mítica) determinando a reação das peças integrantes de um determinado contexto. Todos os indivíduos, portanto, seguem um destino pré-definido por uma divindade que é a responsável por contexto, pessoas, tempo, destino, enfim, tudo o que envolve o ser humano. Posteriormente será relacionado outro capítulo de Dom Casmurro (último capítulo) que reforça a influência mítica na vida do homem por meio do destino. Em ambas as obras, portanto, o Mítico é responsável pelo destino. A seguir as oposições extraídas da obra:

- Mundo humano & Mundo mítico

- Poder humano & Poder Divino

- Natural & Sobrenatural

- Manipulado & Manipulador

- Dominado & Dominante

- Vidro & Diamante *

* esta oposição será abordada juntamente com o título do conto.

Esta obra temum cunho temático-interpretativo pois, por intermédio do personagem Venâncio, analisa fatos e julga-os sob uma visão filosófica com amparo de um dito popular. Apresenta-se claramente o realismo machadiano onde investiga-se a existência do ponto de vista filosófico, psicológico e social; mesmo porque Machado de Assis escrevia para problematizar, daí que a sua ficção seja essencialmente conceitual e filosofante. O Realismo propriamente dito é um movimento que traz a observação e a análise crítica para o centro da Literatura. Possui uma visão crítica da existência, sendo, por isso, mais analítico que expositivo.

Incorpora-se à obra um fato cotidiano para narrar um outro fato ocorrido anteriormente, além disso, Machado de Assis utiliza-se de um recurso, denominado procedimento da ilustração, que consiste na enunciação de uma afirmação geral por parte do narrador (“..._Homem, cá para mim isto de casamentos são cousas talhadas no céu.” - início do conto) que dá exemplos com o intuito de comprová-la tornando-a verossímil, ou seja, narra um fato em que ele próprio teve um casamento marcado e não realizado poucos dias antes da data marcada... A prolepse* “Vou dar-lhe a prova,...” explicita esta idéia. (* ver prolepse, que será elucidada posteriormente).

Opõem-se Realismo e Romantismo no que diz respeito a objetividade. De um modo geral, a arte realista baseia-se na objetividade, isto é, num tipo de imitação da vida que respeita as dimensões próprias do objeto observado. As forças do sujeito não prevalecem sobre o objeto; desta forma o conto encaixa-se nesta premissa, pois Venâncio não tem domínio sobre o seu “objeto de desejo” que é Cecília. A personagem referida não é manipulada de acordo com a emoção, intuição, sonho ou imaginação idealizadora de Venâncio.

O conto em análise caracteriza-se pela análise existencial, isto é, pela análise do indivíduo em si, em relação com os outros e com a vida. É observado então o conflito homem & vida com a dissecação do amor, tornando-o objeto de atenção. Não apresenta enredo complicado e expõe ações que são decorrentes do caráter das personagens de forma que as atitudes externas sejam reveladoras do mundo interior; os pormenores da superfície revelando as vastidões do interior. Embora a duração da narrativa seja curta, as ações das personagens envolvidas nos permitem tirar conclusões sobre o caráter de cada indivíduo e fazer relações com a trama e com elementos constituintes da essência do conto.

Vidros Quebrados remete a Dom Casmurro em alguns conceitos (além das intertextualidades citadas anteriormente) pois ambas as obras, a princípio, abordam um triângulo amoroso trágico e, devido à articulação discursiva, implicitam na narrativa um conteúdo maior e mais complexo, acentuado muito mais no primoroso e perfeito romance Dom Casmurro.

Elucido então, mais uma intertextualidade deste conto, agora com o último capítulo do romance supracitado (capítulo: “É bem, e o resto?”) onde relaciona-se a idéia da interferência de forças sobre-humanas em uma relação amorosa. Neste capítulo, Bento já velho, reflete enfatizando o fato de o destino ocasionar seu fracasso conjugal. Em Vidros Quebrados, o Céu é responsável pela frustração do personagem quase-casado Venâncio às vésperas de sua união com Cecília. A intersecção das idéias consiste na força mítica que é maior que a humana. O que seria o destino e o Céu senão o mítico?

Análise da obra aliada às teorias de TOMACHÉVSKI

Fábula

Trata-se do conjunto de acontecimentos ligados entre si, que nos são comunicados pelo narrador no decorrer da narrativa, ou seja, um conjunto dos motivos em sua sucessão cronológica e de causa-e-efeito. A fábula do conto é caracterizada pelo que o narrador nos conta.

Em “Vidros Quebrados”, após um jantar entre casais, Venâncio relata aos seus amigos sua experiência amorosa da juventude. Fala sobre a proibição da mãe da moça pretendida, a tentativa de casamento e o casamento de Cecília com o filho de um desembargador. Na obra apresenta-se a essência do realismo: quebra de uma relação amorosa por meio de um triângulo amoroso (trágico) que se apresenta na forma:

Trama

É o conjunto dos motivos da fábula na sucessão e na forma em que surge dentro da obra. Esta é constituída pelo modo de encadear e apresentar a sucessão de motivos e a ordem destes. Segundo Tomachévski, “a trama é uma construção inteiramente artística”; neste contexto digo que Machado de Assis trabalhou a trama de “Vidros Quebrados” com extrema perfeição e esmero (umas das características de todas as suas obras).

Vejamos alguns aspectos desta trama :

Motivos associados : Estes motivos associados são considerados essenciais na narrativa, não sendo correta a ausência destes. Alguns motivos associados :

1- Envio de carta por parte de Venâncio à viúva Faria, cuja conseqüência foi a proibição do namoro entre este e Cecília, e o desencadeamento da sucessão narrativa posterior.

2- Desespero de Cecília em relação a proibição imposta pela mãe no “caminho para Tijuca”. Isto acarretou atitudes de negação às imposições da mãe por parte da moça assim como atos de Venâncio, colocando como hóspede na casa do desembargador a moça e decidindo pelo casamento entre ele e ela.

3- Hospedagem de Cecília na casa do desembargador (João Regadas). Se isto não ocorrece, Cecília não conheceria Jaime (filho viúvo do desembargador) e não se casaria posteriormente com ele, além de causar outras implicações na sucessão narrativa e na ligação de causalidade da fábula.

Motivos livres : não são essenciais como os motivos anteriores.

1- “Tinha eu então vinte e dous anos. Namorei-me ali de uma moça de vinte, linda como o sol, filha da viúva Faria.” - A função deste motivo é a descrição das personagens.

2- “...corri a ver Cecília. Estava doente, recolhida ao quarto; foi a mulher do desembargador que me recebeu, mas tão fria que desconfiei, voltei no dia seguinte, e a recepção foi ainda mais gelada.” - este outro motivo apresenta a reação da mulher do desembargador em relação à visita de Venâncio.

Intriga

a) Exposição - Na reunião de casais, onde inicia-se o conto, ocorrem diálogos sobre assuntos conjugais e namoro. A partir daí, o personagem Venâncio relata uma experiência amorosa que ocorrera em sua juventude, que é a “razão” da narrativa. Este início é equilibrado e apresenta certas informações (prolepses) que formam uma idéia do posicionamento em que se colocam as personagens (e talvez o autor) em relação aos assuntos abordados e antecipam certos acontecimentos da narrativa.

b) Nó - No relato de Venâncio sobre seu caso amoroso, evidenciam-se os motivos que violam a imobilidade da situação inicial e provoca a ação. Estes motivos são: o desejo dos jovens envolvidos por uma união amorosa; a proibição da viúva Faria e a luta de Venâncio pelo seu objetivo. Desestabiliza-se portanto o equilíbrio inicial e é introduzido o conflito.

c) Clímax : situação culminante da tensão dramática que ocorre a partir da negação de Cecília à imposição de sua mãe (ocorrida no carro, “rumo à Tijuca”) e a hospedagem de Cecília na casa do desembargador, que vai aumentando com a aproximação do desfecho da situação, ou seja, o casamento de Cecília e Venâncio (o que não sucede).

d) Desfecho - Ocorrido com o casamento de Cecília com Jaime (filho do desembargador) e o “conformismo” de Venâncio que não busca novas atitudes. A volta do equilíbrio é estabelecida, significando que não ocorreu um novo movimento dramático.

Neste conto, são introduzidos motivos que são os mais prováveis para determinar situações, e por ser uma obra de ficção realista, possui uma convincente relação de semelhança com a realidade, verossimilaridade; mas nem tudo que é real é conveniente para uma produção literária, por isso, acredito que o autor utiliza-se dos artifícios da singularização e da dissimulação em certos trechos da narrativa, onde trata o usual como insólito. No fragmento que segue, evidencia-se a singularização : “...Realmente, se os casamentos não fossem talhados no céu, como se explicaria que uma moça, de casamento pronto, vendo pela primeira vez outro sujeito, casasse com ele, assim de pé para mão?”. Neste caso, então, o autor teria colocado o personagem apoiado numa hipótese provável, este por sua vez, responsabiliza o céu pela atitude inesperada de Cecília; mas esta hipótese é verdadeira? Creio que o autor queira causar estranhamento para fazer o leitor pensar a respeito (pois como fora citado anteriormente, Machado de Assis escrevia para problematizar, sendo sua ficção essencialmente conceitual e filosofante). É um excelente recurso.

Análise aliada às teorias de BREMOND

Seqüência elementar

* Venâncio conhece Cecília - (ocorre namoro) (não ocorre namoro)

* Ocorre namoro - (há a aceitação da mãe de Cecília) (não há a aceitação da mãe de Cecília)

* Não há a aceitação da mãe de Cecília - (Venâncio luta por Cecília - conduta) (inércia)

* Luta/conduta - (fim atingido/atinge o objetivo) (fim frustrado/não atinge o objetivo)

* Fim frustrado, com o objetivo não atingido.

Seqüência complexa

Encaixe

Após a proibição do namoro por parte da mãe de Cecília (obstáculo), os jovens tentam lográ-la e contam com a ajuda de uma negra (aliada). Conseguem o êxito e a transgressão é viabilizada, a seguir a proibição é violada.

Emparelhamento

O namoro entre Cecília e Venâncio é simultaneamente Melhoramento para estes e Dano/Degradação para a mãe da jovem.

Posteriormente, o namoro seguido de casamento entre Cecília e Jaime (filho do desembargador) é, Melhoramento para os dois, assim como para a mãe da moça e pais do viúvo e Dano/Degradação para Venâncio.

Processo de Melhoramento

Nesta obra analisada, o personagem narra seu Melhoramento quando conhece e inicia um namoro com Cecília. Na situação em que há a sanção por parte da mãe da moça, ocorre um processo de Degradação. A partir daí, Venâncio passa a tentar suprimir o estado de Dano/Degradação através da eliminação do obstáculo que opõe-se a ele (sanção). Nesse processo de busca de um Melhoramento, é necessária a realização de tal tarefa; então, entra em cena o aliado, ou seja, o Desembargador , que fornece ajuda a Venâncio hospedando Cecília em sua casa. Esta ajuda é proveniente de um pacto implícito.

No período em que Cecília estava hospedada na casa do Desembargador, sua mãe tentou em vão tirá-la de lá. A esposa do Desembargador, seus dois filhos e Cecília, por meio de uma negociação, convenceram a viúva Faria a desistir de suas idéias. Essa negociação caracteriza-se pela intimidação proferida pela moça: “Cecília foi chamada à sala, e não fraqueou: declarou que, ainda que o céu lhe caísse em cima, não cedia em nada.”

Após esse processo de tentativa de Melhoramento de sua situação, Venâncio vivencia um processo oposto, o de degradação. Este ocorre por motivo de uma “agressão” por parte de Cecília e Jaime. Aqui está o ponto intrigante do conto; Venâncio errou ao deixar Cecília hospedar-se na casa do Desembargador, sabendo que seu filho Jaime (viúvo e possível pretendente) morava alí - eles eram amigos...- e Cecília (moça linda e irresistível às vistas de um homem) poderia apaixonar-se por Jaime assim como apaixonara-se por ele, ou seja, rápida e facilmente? Parece que não, pois pela idade (“Tinha eu estão vinte e dous anos.”) e pela circunstância extrema em que se encontrou o rapaz, não desconfiou (ele confiava na idoneidade do Desembargador e extensivamente na de seus familiares) de uma possível manobra disfarçada.

Na minha concepção, o final deste conto não é o esperado, pois a intriga caminha para um desenlace que frustra o tradicional desfecho da recompensa aos bons, somada à punição aos maus. Essa narrativa opõe-se à estrutura do conto maravilhoso; talvez esse rompimento com o final feliz, em que o jovem Venâncio tem frustrada sua relação amorosa, queira formar uma “barreira” frente ao Romantismo, visto que Machado de Assis é um escritor realista. Abstraí esse conceito (Realismo & Romantismo) porque é natural aos escritores de uma determinada estética, a crítica à estética antecedente.

Análise aliada às teorias de PROPP

Como citara anteriormente, o final deste conto não possui um final previsível, concordando com as obras realistas que, por pertencerem ao nível imitativo baixo, mostram o homem e a vida de modo trágico opondo-se à estrutura de conto maravilhoso apoiada por Propp. Por esta razão, preferi não utilizar-me da maioria das funções de Propp para analisar o conto; cito apenas algumas:

* Situação inicial - A narrativa expõe as personagens assim como seus juízos de valor ante o tema de suas conversas.

* Proibição - A mãe de Cecília proíbe o namoro desta com Venâncio.

* Transgressão - os jovens enamorados transgridem a proibição.

* Dano (para Venâncio) - Casamento de Cecília com Jaime.

* Reparação - Não houve reparação pois Venâncio não conseguiu casar-se com Cecília, porém pode-se considerar que a carência deste fora suprimida posteriormente devido ao seu casamento com outra mulher. Embora não esteja explícito no conto tal fato, podemos inferí-lo: “Venâncio é o nome dêste cavalheiro. Está abarrotado, porque êle e três amigos acabavam de jantar. As senhoras foram para a sala conversar...” “Foi à sobremesa que êste negócio começou a ser objeto de palestra. Terminado o jantar, a companhia bifurcou-se; elas foram para a sala, êles para um gabinete,...”

-------------------------------------------------------------

Narrador

Heterodiegético - O autor (narrador observador) apresenta as personagens após as narrações no início do conto. É muito interessante esta mescla entre os tipos de narração inserida na primeira seqüência narrativa.

Autodiegético - Como exposto anteriormente, existe uma “mescla” na narração (mais precisamente no início), porém, esta encerra-se a partir do momento em que Venâncio resolve iniciar seu relato sobre sua experiência amorosa (que dura até o final do conto); então a narração passa a ser estritamente autodiegética.

Focalização

Externa - São representadas as características superficiais observáveis das personagens, dos espaços e das ações; decorre de uma posição imparcial e objetiva no modo de se referir aos eventos e personagens que integram a história.

Quando a focalização apresenta-se externa, no princípio do conto, apresentam-se debreagens enunciativas configuradas do seguinte modo:

- actancial / pessoa (eu - Venâncio)

- espacial / espaço (aqui - casa de Venâncio)

- temporal / tempo (agora - situação contemporânea)

Interna - Visão do personagem Venâncio. Quando este passa a narrar e a narração se torna interna, as debreagens assumem outra configuração:

- actancial / pessoa (eu - Venâncio)

- espacial / espaço (lá - local onde morava Venâncio)

- temporal / tempo (não agora=então - juventude de Venâncio)

No final do conto há a alternância dos conjuntos de debreagens.

A focalização não é sempre onisciente e o leitor geralmente sabe aquilo que é apresentado pelo narrador. Há a intrusão do narrador (quando Venâncio assume tal posição) pois este tem interesses diretos no que é contado e propicia uma atitude genericamente emotiva e ideológica em relação à história e aos elementos de construção do discurso narrativo. Durante toda a narrativa, a visão que o leitor tem é externa em relação aos personagens. O íntimo de cada personagem não é vasculhado diretamente, somente as ações oriundas de cada um permitem a construção, na mente do leitor, do caráter e personalidade dos tais.

Ocorre a presença do discurso modalizado de modo subjuntivo, onde o autor “joga com hipóteses”, subjetividade, etc. Também ocorre o discurso avaliatório - no início e final do conto - onde se faz defesa de ponto de vista (“Homem, cá para mim isto de casamentos são cousas talhadas no céu.”); e um discurso impessoal por parte do narrador heterodiegético que é observador e imparcial.

Por esses motivos relacionados, temos somente a versão de Venâncio sobre o caso narrado, semelhante à situação de Bentinho (adulto) em Dom Casmurro. Outros tipos de discurso que detectei ocorrerem na narrativa são: discurso abstrato - Caracteriza-se pelo emprego de reflexões gerais que anunciam uma “verdade” fora de qualquer referência espacial ou temporal. Útil numa estratégia de manipulação e ocultamento do ego responsável pelo discurso. “_ Homem, cá para mim isto de casamentos são cousas talhadas no Céu. É o que diz o povo, e diz bem. Não há acôrdo nem conveniência, nem

nada que faça um casamento, quando Deus quer...”; discurso narrativizado - Narração dos fatos ocorridos com Venâncio, feita por ele próprio.

Analepse

Venâncio narra fatos ocorridos anteriormente em sua vida e por esse motivo este encontra-se nos dias recentes dentro da obra.

Prolepse

É a antecipação, pelo discurso de Venâncio, de eventos cuja ocorrência é posterior ao presente da ação. Neste contexto, ocorrem prolepses internas : “Não há acôrdo nem conveniência, nem nada que faça um casamento, quando Deus não quer...”, “Vou dar-lhe a prova” (antecipa que o discurso que sucederá aborda um mau casamento) , “_ Bom ou mau, insistiu o orador.” (neste caso antecipa-se o casamento de Cecília com Jaime), “coçamos o namôro logo na primeira noite; continuamos, correspondemo-nos; enfim, estávamos ali, estávamos apaixonados, em menos de quatro meses.” ( num sentido abstrato, talvez este fragmento sirva de prolepse e antecipa uma característica psicológica de Cecília que é apaixonar-se com certa facilidade e que pode ter desencadeado o rápido amor dela para com Jaime).

Ironia

Machado de Assis criou em Dom Casmurro a antológica cena do capítulo “Juramento do Poço” em que Capitu jura com convicção que não haveria de casar-se com ninguém senão com Bentinho. Este juramento assemelha-se com o feito por Cecília a Venâncio “mas jurava-me pela luz que a estava alumiando que seria minha e só minha...”), uma diferença fundamental entretanto é, a violação do juramento por parte de Cecília, que é explícita neste conto e no romance é uma hipótese; então para o autor estes juramentos não valeram absolutamente nada e não servem para evitar o adultério. Talvez jurar seja comum às adúlteras...

Sumário

Está presente em quase todo o conto.

Cena

Ocorre com pouca freqüência; portanto, o tempo da história é maior que o tempo do discurso nesta obra.

Título

Este segmento final da análise interliga-se com o inicial (antecedente da abordagem amparada pelas teorias de Tomachevski) e por essa razão, faz-se necessária a retomada das idéias já apresentadas para “fundí-las” com as que virão adiante, tendo em vista uma concepção completa e conclusiva da análise.

Abordarei, então, o título (este fora deixado para o final da análise pois é uma espécie de síntese da obra); tentarei interpretá-lo (assim como fiz com toda esta obra) sob amparo de teorias, não ensejando de modo de algum deturpar a obra de um escritor ao qual admiro imensamente.

“Vidros Quebrados” representa (num nível profundo) uma relação amorosa juvenil, inocente e frágil de Venâncio e Cecília, que no sentido metafórico “vidros” apresenta “o frágil” e opõe-se a “diamante”, “o forte”. Esta por sua vez é “quebrada” por Cecília quando apaixona-se por Jaime. Podem ser feitas oposições Mundo humano & Mundo mítico e vidro & diamante para comparar o valor e o poder do homem diante da magnitude Divina. Sabemos que o diamante é o cristal mais nobre e resistente que se conhece, o mesmo não pode ser dito a respeito do vidro, que é fácil de ser quebrado devido à sua pouca resistência. Relacionando-se o título com este conceito, temos uma prolepse antecipando ao leitor que a narrativa apresenta algo frágil que é quebrado ou que sucumbe a algo mais forte. Cria-se a mesma concepção, porém explícita, quando Venâncio, logo no início da obra num discurso abstrato, afirma ser o casamento uma coisa talhada no Céu; dessa forma resumindo e antecipando a essência da narrativa: a frágil força do ser humano que dobra-se diante daforça mítica na forma de um casamento frustrado. Também capto que há a "fragilidade vitral" de caráter, de índole de personagem colocada em xeque diante de interesses escusos e de fatores externos de terceiros.

Após verificar a intenção filosófica das duas obras comparadas, compreendi que na obra analisada um dito popular é suporte da cosmovisão de Venâncio, pois este concorda plenamente com a filosofia do povo. Em Dom Casmurro, Bento apóia a filosofia de um velho tenor italiano a qual consiste no mítico regendo o homem. Em suma, o destino do homem, nestas obras, é manipulado pela força mítica, constituindo assim uma das várias partes componentes da cosmovisão contida em Dom Casmurro bem como a carga filosófica de "Vidros Quebrados".

CARLOS AUGUSTO DE MATOS BERNARDO

Augusto Matos
Enviado por Augusto Matos em 21/05/2010
Reeditado em 06/12/2010
Código do texto: T2270462
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.