Educação e Autoiluminação

Educação e Autoiluminação[1]

Hidemberg Alves da Frota

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Às vezes, o jovem “do contra”, revoltado e agressivo, de aparência niilista, está, em verdade, em busca de referenciais sobre o que, de fato, é a realidade por trás do estado de aparência social e do abismo que, invariavelmente, separa o discurso da prática.

O cinismo da juventude pode muito bem (bem até demais, a ponto de passar imperceptível aos olhos de pais e educadores) camuflar o incubado romantismo idealista.

Pode o jovem vestir o manto do sarcasmo porque lhe parece a indumentária apropriada em uma sociedade cujos integrantes, com frequência, confundem postura madura e realista com desenvoltura em praticar a velhacaria.

A atitude debochada do adolescente pode encobrir uma personalidade imantada de valores e ideais construtivos, de um jovem ainda à procura de parâmetros (a exemplo do comportamento de familiares e amigos mais velhos, como também de mentores no campo profissional, acadêmico e espiritual) de conduta virtuosa, exercida e comprovada na provação do dia-a-dia, que tanto expõe as fissuras do ego e as contradições humanas mais elementares.

Em estudos visionários, de voz singular no pensamento espiritualista brasileiro de meados do século XX, como “Educação do Homem Integral” e “Novos Rumos para a Educação”, atualmente publicados pela Editora Martin Claret, o filósofo catarinense Huberto Rohden (1893-1981) demonstrou à saciedade que o magistério eficaz se alcança pela exemplaridade da conduta do professor.

Afirmava Rohden que, “em última análise, não interessa a nenhum dos meus educandos o que eu sei, mas tão-somente o que eu sou”[2]. O educador apenas “poderá servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo pelo que é”[3]. “O exemplarismo é a técnica básica da vivência da Cosmoética”[4], preconizaria décadas depois Waldo Vieira, no âmbito da Conscienciologia.

Para o propositor da Filosofia Univérsica, o requisito imprescindível para o exercício da docência não estaria na bagagem intelectual do erudito, na facilidade para se comunicar do professor didático ou na persuasividade do expositor carismático, mas em “uma profunda experiência mística revelada em vasta vivência ética”[5], na capacidade do mestre servir de verdadeiro modelo de indivíduo empenhado em semear e evolver em si “o germe divino que faz parte da natureza humana e que deve ser despertado e desenvolvido pelo homem”[6], ao exercitar o autoconhecimento e a autorrealização, “a chave da verdadeira educação”[7], em realidade, uma autoeducação[8].

Educar significa incentivar em outrem o florescer de potencialidades sadias dormentes, o que no educando “dormita de melhor e mais puro”[9].

Dando o próprio exemplo de genuína satisfação interior advinda da persistência em sobrepujar suas deficiências e excessos comportamentais e em sedimentar em si “os seus mais profundos valores humanos”[10], o educador sensibiliza o educando a perceber que, a despeito das adversidades externas, o indivíduo pode ser feliz, caso persevere em se harmonizar com o universo, em se sintonizar com as normas, os bens, as aspirações e os valores éticos universais de consecução “da verdade, da justiça, do amor, da honestidade, da fraternidade”[11], método de autossuperação por intermédio do qual o ser se torna bom, que “não quer dizer bonachão, nem bonzinho ou bom-bonzinho”[12].

O indivíduo bom é aquele que preza pela sua dignidade, ao homenagear a dignidade alheia. Preleciona Huberto Rohden:

"É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor fora dele — humano ou divino —, mas para não ofender a sua própria pureza e santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não desvalorizar o seu grande e imenso valor humano. O homem deve ter de si mesmo uma reverência e um respeito tão grande que prefira sofrer qualquer injustiça da parte de outros a cometer uma injustiça ele mesmo — e por isto não por motivos de ética dualista e tradicional, mas por causa dessa misteriosa metafísica e mística centralizadas no mais profundo reduto da sua própria natureza humana."[13] (grifos do autor)

Os educadores em sentido amplo (aqueles que, no setor público e privado, desempenham, formal ou informalmente, papel instrutivo em relação a outrem e de ”formador de opinião”) devem ter presente que a atuação equilibrada do indivíduo, no campo social, na seara profissional e no âmbito familiar, se otimiza quando age movido pela ponderada busca da realização existencial.

Não existe realização existencial sem constante exercício do autoconhecimento.

Qual o sentido da existência humana? Aquisição de conhecimento, por meio da vivência do bem e do mal, do prazer e da dor, ensina Swami Vivekananda[14]. Autoidentificação, explica Joanna de Ângelis. Descoberta e florescimento individual da gama de valores éticos latentes. Substituição de desequilíbrios emocionais (fixações, tormentos e angústias) por conduta segura e “realizações enobrecedoras”[15].

O que é autoconhecimento? Trata-se, define Jan Val Ellam, do autocompromisso voluntário de “melhorar a própria conduta diante da vida e dos que nos rodeiam”[16], espargindo em si próprio o “questionamento produtivo, a prudência intelectual e psicológica, a tolerância, a habilidade de saber discordar sem destruir e o respeito ao próximo acima de tudo”[17].

A propósito, tornar-se religioso, no sentir de Vivekananda, “significa escalar o próprio caminho, percebendo e compreendendo as coisas por si mesmo”[18]. “Salvo”[19], sublinha Joanna de Ângelis, “está aquele que sabe quem é, o que veio fazer no mundo, como realizá-lo, e, confiando, se entrega à realização do compromisso estabelecido”[20]. Posto de outra forma, expende Joanna de Ângelis:

"Cada vez interrogar-se mais a respeito de quem é, e quais as possibilidades de que se pode utilizar para o desenvolvimento íntimo, significa um meio adequado para interpenetrar-se. Sistematicamente manter-se vigilante contra os hábitos prejudiciais da autocompaixão, da censura ao comportamento dos outros, da autopunição e autodesvalorização, da inveja e de outros componentes do grupo das paixões dissolventes e anestesiantes. Preencher os lugares que ficarão vagos com a eliminação desses sórdidos comparsas mentais, com a presença do altruísmo, da fraternidade, do auto-amor."[21] (grifo da autora)

Consiste, informa José Hermógenes de Andrade Filho, na prática da autopesquisa (vichara na Filosofia iogue), de se libertar das ilusões relativas a si mesmo, falácias frutos do egoísmo, assentadas no trinômio autocomplacência, autopiedade e autosseveridade[22].

Ao “assistir ao desenvolvimento de um defeito ou ao desenrolar de uma crise”[23] — convém ao indivíduo, recomenda Hermógenes — “perceber-lhe os motivos ocultos, sem pretender sustar, sem condenar, sem procurar explicar as coisas com racionalizações confortadoras”[24]. Conhecer-se, observando-se. “Faz de conta que sou um espectador de cinema, vendo a fita que sou eu mesmo, procurando não sofrer nem gozar ao ir vendo o que se passa.”[25]

"Para que se mantenha o propósito de entendimento de si mesmo e da Vida, faz-se necessário um percebimento integral de cada fato, sem julgamento, sem compaixão, sem acusação.

Examiná-lo com imparcialidade, na sua condição de fato que é, com uma mente inocente, sem passado, sem futuro, apenas presente, mediante uma honesta compreensão, é a forma segura de o entender, portanto, de o perceber e digeri-lo convenientemente, sem dar margem a novos comprometimentos."[26] (grifo da autora)

A futura inserção do jovem no mercado de trabalho e seu ingresso na comunidade universitária são preocupações legítimas das escolas de educação básica.

Ao mesmo tempo, a saúde física e psíquica do ser humano, assim como o bem-estar social e familiar, requer o cultivo do autoconhecimento e de propósitos de vida edificantes — essa perspectiva passa ao largo das prioridades atuais do ensino fundamental e médio. Deve se converter em meta prioritária do sistema educativo formal e informal planetário.

“Para um bom desempenho existencial, um adequado processo de evolução”[27], sintetiza Joanna de Angelis, “torna-se indispensável uma análise profunda do Si, a fim de enfrentar a vida com os seus desafios e encontrar as convenientes soluções”[28].

Sob o prisma espiritualista (aqui empregado como sinônimo de óptica antimaterialista) e, mormente, reencarnacionista, sobressai ainda mais a importância do jovem ter projeto de vida, ao se enxergar no adolescente uma alma velha, com vivência multimilenar fora e dentro do corpo físico, detentora de largo acervo de positivos talentos inatos e, por outro lado, com tendências comportamentais a serem recicladas e buriladas, para que não sejam repetidas nem agravadas tragédias do passado plurissecular, episódios graves de sua jornada evolutiva refletidos em “anseios e desgostos aparentemente inexplicáveis, insegurança e medo sem justificativa, que são remanescentes de sua consciência de culpa,”[29] — esclarece Joanna de Ângelis — “em razão dos atos praticados, que ora veio reparar, superando os limites e avançando com outro direcionamento pelo caminho da iluminação interior, que é o essencial objetivo da vida”[30] (grifos da autora).

O alunato se condiciona a se preparar para testes, provas e concursos, o que possui inegável utilidade e necessidade na sociedade contemporânea. Contudo, o desenvolvimento planetário autossustentável e a duradoura coexistência humana pacífica se concretizarão com educação básica mundial centrada em valores humanos, questão de sobrevivência coletiva a longo prazo.

[1] Versão primitiva publicada na revista Sexto Sentido, v. 7, n. 81, p. 36-40.

[2] ROHDEN, Huberto. Novos rumos para a educação. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 90. (Coleção a Obra-Prima de Cada Autor, v. 222)

[3] Ibid., p. 17.

[4] VIEIRA, Waldo. Homo sapiens reurbanisatus. Foz do Iguaçu: CEAEC, 2003, p. 1.018.

[5] ROHDEN, Huberto. Op. cit., p. 89.

[6] Id. Educação do homem integral. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 75.

[7] Ibid., p. 84.

[8] Ibid., p. 81.

[9] Id. Novos rumos para a educação. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 18.

[10] Ibid., p. 17.

[11] Id. Educação do homem integral. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 74.

[12] Ibid., loc. cit.

[13] Id. Novos rumos para a educação. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 43.

[14] VIVEKANANDA, Swami. Karma-yoga: a educação da vontade. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2005, p. 11.

[15] ÂNGELIS, Joanna de. Triunfo pessoal: psicografado por Divaldo Pereira Franco. 5. ed. Salvador: LEAL, 2004, p. 156.

[16] ELLAM, Jan Val. Muito além do horizonte: a ligação entre Kardec, Ramatis e Rochester. 2. ed. São Paulo: Zian, 2005, p. 271.

[17] Ibid., loc. cit.

[18] VIVEKANANDA, Swami. O que é religião. Rio de Janeiro: Lótus do Saber, 2004, p. 9.

[19] “A salvação, aqui, deve ser tomada como um estado de consciência tranquila, de autodescobrimento, em que o mundo interior assoma, governando os impulsos desordenados e harmonizando o indivíduo.” Cf. FRANCO, Divaldo Pereira. Jesus e atualidade: pelo espírito de Joanna de Ângelis. 8. ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2005, p. 97.

[20] Ibid., loc. cit.

[21] Id. Autodescobrimento: uma busca interior; pelo espírito Joanna de Ângelis. 13. ed. Salvador: LEAL, 2004, p. 109.

[22] ANDRADE FILHO, José Hermógenes de. Yoga para nervosos: aprenda a administrar seu estresse. 39. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005, p. 148-149.

[23] Ibid., p. 150.

[24] Ibid., loc. cit.

[25] Ibid., p. 152.

[26] FRANCO, Divaldo Pereira. O homem integral: pelo espírito Joanna de Ângelis. 17 ed. Salvador: LEAL, 2004, p. 124.

[27] FRANCO, Divaldo Pereira. Vida: desafios e soluções, pelo espírito Joanna de Ângelis. 8. ed. Salvador: LEAL, 1997, p. 144.

[28] Ibid., loc. cit.

[29] Id. Adolescência e vida: pelo espírito Joanna de Ângelis. 13. ed. Salvador: LEAL, 2005, p. 26.

[30] Ibid., loc. cit.

Hidemberg Alves
Enviado por Hidemberg Alves em 21/10/2010
Código do texto: T2569346
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