CONSIDERAÇÕES

Há certos dias em que a solidão se apresenta como saudade de uma ausência, contrariando todas as teses de que o tempo é fator de dissolução por excelência e que a capacidade do ser humano para o esquecimento é mais forte, justamente por ser defensiva, do que a capacidade de lembrança. Isto demonstra apenas a ingenuidade com que buscamos transfigurar o inequívoco, estabelecendo limites para a suportação humana no que se refere à submissão ao sentimento amoroso. Em geral, estabelecem-se pontos de referência como o orgulho, o amor-próprio, ego ou como queiram chamá-los para situar estes limites hipotéticos. Ora, se é verdadeira a assertiva de que nossa capacidade de esquecimento é determinante, esses pontos de referência se perdem no esquecimento e portanto aqueles limites (se haviam) deixam de existir.

Diante disso somos levados a considerar a hipótese de haver um destino inexorável guiando para um alvo específico os nossos já determinados sentimentos, como de resto, a nossa vida também pré-determinada. Esta hipótese carece de um embasamento empírico e se apresenta de uma forma demasiadamente mística para ser explicativa e por isso é refutada de antemão. Mas não podemos negar o caráter cíclico das emoções humanas. Neste caso o tempo adquire uma nova função, além daquela de dissolução, que é a de ter a capacidade de ressuscitar determinadas emoções em diferentes períodos de nossas vidas, formando um ciclo com os mesmos elementos cotidianos. A única novidade é que o comum se renova sempre e nos ilude quanto ao seu ineditismo. Sempre muda alguma coisa na manifestação, mas a essência da coisa-em-si é quase a mesma. O amor, em última análise, é uma tentativa de resgate da realidade anterior a nós mesmos perdida no tempo.

O sentimento amoroso, via de regra, é subjetivo e pessoal, mas ao nível da razão ele se apresenta como que decidido por fatores alheios a nós e à nossa vontade. Para isso escolhemos uma determinada pessoa como a deflagradora do processo afetivo e fazemos dela o objeto e o objetivo de nosso amor. A escolha do parceiro é antes uma postura racionalizada e consciente, mas nós tentamos simplificar e justificar o amor propriamente dito (enquanto sentimento) por essa pessoa escolhida creditando-o a uma coisa fora de nós e do nosso controle como, por exemplo, o acaso ou até mesmo o destino.

Nossa atitude em relação ao convívio amoroso é uma atitude ambígua, posto que se coloca no sentido de preservar uma certa integridade ou vice-versa, ou seja, a pessoa se apega a uma integridade imaginária no sentido de preservar o seu argumento de defesa perante os outros, que tomamos como possíveis advogados nossos. Em se havendo um naufrágio da relação, a falha terá sido sempre do outro. Ou ainda: se esta relação sobreviver – êxito das circunstâncias. Nunca creditamos a nós mesmos a responsabilidade deste êxito porque as circunstâncias podem se reverter e assim, embora não admitindo o erro, teremos no fundo uma parcela de culpa.

O amor é portanto, quase sempre, um sentimento egoísta que não considera o outro e visa apenas a preservação da própria vida. O suicida então é aquela pessoa que se libertou de si mesma, libertando-se do amor que egoisticamente a mantinha viva.

Milton Rezende
Enviado por Milton Rezende em 27/12/2010
Código do texto: T2693759
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.