Estados e Sensações das Personagens Machadianas

Estados e Sensações das Personagens Machadianas

Leandro Freitas Menezes

“O problema do desencontro é fundamental na formulação e interpretação do homem, machadiano. ‘Mal entendido original’ ou portador de tal atribuição, ele ganha estatuto centralizador da vida social e individual e se transforma em guia e desgoverno da criatura, para fazer do homem e joguete de sua tessitura” (J. C. Garbuglio).

Em sua citação, Garbuglio explica de que forma são as personagens na obra ficcional de Machado de Assis, a importância disso e a forma como ele chama a atenção dos leitores para a fixação em tais personagens, uma vez que não são na maioria das vezes o que aparentam, mas Machado os apresenta como que usando uma máscara face a realidade aparente, fazendo-os, na verdade, como homens inconsistentes e cindidos entre o homem exterior e o homem interior. A cisão do personagem nos faz ver que, assim como essa forma de apresentá-lo tem um caráter central, todo o cenário que o envolve torna-se também importante e significativo para a compreensão do texto, uma vez que, o homem exterior participa de uma vida social intensa. Em seus contos e romances, Machado não podia deixar de explorar psicologicamente seus personagens face ao realismo, ao objetivismo e ao cientificismo marcantes em seu tempo.

Essas características estéticas, de Machado de Assis, pode-se ver perfeitamente, por exemplo, em três contos. O primeiro é chamado “Cantigas esponsais” cujo personagem Romão é apresentado como um famoso maestro, onde o cenário descrito por Machado, o simbólico sugere isso, por exemplo, quando escreve: “o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro”, esse era um momento de glória, em que era admirado por todos. E embora todo o cenário fosse importante, Machado diz que se limita a descrever apenas Romão, o homem que rege a orquestra com alma e devoção. Porém, em face dessa realidade aparente interiormente havia uma tristeza que consistia em não conseguir terminar uma música, iniciada após seu casamento e interrompida pela morte da esposa, embora fosse tão renomado maestro. Se isso tem alguma ligação, Machado não deixa claro, mas o fato é que tudo isso torna Romão um homem contraditório.

O segundo conto é semelhante ao primeiro, porém com algumas exceções. Chama-se “Um homem célebre” e seu personagem principal é Pestana, um músico, assim como Romão, dotado de talento para a música erudita, e o instrumento que tocava, o piano, condizia com isso. Quando tocava era admirado por todos, mas os aplausos mesmo, ele recebia quando tocava as poucas, que era música popular profana. Os aplausos era a máscara que carregava, mas que por vezes não conseguia mantê-la, pois se sentia avexado e chateado. Em partes, notamos aqui certas diferenças entre Romão e Pestana. Enquanto Romão regia a orquestra seu rosto se iluminava, essa era a máscara perfeita que só se começava a se desfazer quando a festa acabava e ele descia do coro, nesse processo simbólico de decadência. Pestana, muito pelo contrário, não conseguia manter sua máscara nem no momento em que estava tocando, na verdade ele já ia ao piano mau interiormente e quando saia também, tanto que era notado pelos outros, como a Sinhazinha Mota. Assim, os personagens Romão e Pestana viviam vidas contraditórias bem com os outros e mal consigo mesmo, mas há ainda outra diferença, o mal de Romão consistia em não conseguir compor o cântico inacabado, que pôde ser completado nos últimos instantes de sua vida, já Pestana, o mal estava em compor com perfeição o que não lhe trazia prazer.

O terceiro conto chama-se “O Machete” em que Inácio Ramos, músico, como Romão e Pestana, aprendeu o ofício com o pai e dedicou-se a tocar rebeca, como um instrumento que lhe trazia inspiração. Certo dia ao assistir um concerto com violoncelo, apaixonou-se pelo instrumento e decidiu aprender a tocar, porém, tocava para si mesmo. Assim, a rebeca não lhe trazia o mesmo entusiasmo de antes, agora, era o violoncelo que traduzia o verdadeiro sentimento de sua alma. E assim, no decorrer do conto Inácio se mostra como um homem que não consegue se contentar e para agradar aos outros e a si mesmo sente a necessidade mudar de instrumento.

A grande surpresa de Machado está no triangulo amoroso, muito comum em seus contos, em que na medida em que Barbosa se aproximou da casa de Inácio e tocava o manchete para entreter, trazia angustia a Inácio, que se via rebaixado com o violoncelo, e assim, sem condições de chamar a atenção nem mesmo de sua esposa, sentia-se mal por não agradar. Ao longo do conto, percebe-se como Machado deixa pistas com relação ao caso extraconjugal entre Carlotinha e Barbosa, por exemplo, quando Inácio disse que queria aprender a tocar o manchete, ela riu ironicamente, anteriormente, cada vez mais ela se envolvia ao ver o músico tocar, ficou contente quando ele disse que ficaria um pouco mais. Nota-se, que à medida em tudo que isso vai acontecendo, a tristeza de Inácio vai se acentuando até culminar com a perda da esposa para Barbosa. Algo que se pôde perceber é a importância que Machado atribui ao cenário, e aqui, Inácio não consegue dissimular sua aparência exterior, se comparado a Romão, mas se mostra o tempo todo angustiado, descontente e com uma inveja descomunal, comparando-se mais a Pestana. O desfecho do conto mostra a angústia e a insatisfação de Inácio consigo mesmo ao extremo manifestada simbolicamente sobre o violoncelo, quando ele diz “é grave demais”. Neste sentido, entende-se que em relação aos outros contos Inácio termina mal com os homens e mal consigo mesmo.