O verdadeiro seguidor do Evangelho não tem precipuamente o título de Cristão, mas é principalmente um anônimo cumpridor de ordens do Cristo. É um servente, mesmo que trabalhe na obra sem carteira assinada. Pode até mesmo não ter uma informação ou ideia precisa de quem seja mesmo esse “patrão”, porquanto a construção da catedral da vida de cada um de nós é muito individual e subjetiva. Apesar disso, o levantamento de suas alvenarias depende da colaboração de outros colegas serventes. É obrigatório o trabalho de equipe. E todos vão construindo suas próprias obras ajudando na construção das dos outros, o que pode ser acelerado, não há negar, com a argamassa da fé.
Fazer o seu trabalho, mas dedicar horas extras para ajudar o outro a fazer o próprio, eis o essencial. E o resultado da mais-valia dessa jornada extraordinária vai se reverter para o ajudado e para o ajudador.
 
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Todo o discurso de Jesus baseou-se na prática da caridade em suas várias formas. É uma demonstração de que tal sentimento é natural aos seres humanos em rota de crescimento real a Deus. Nem todos são iguais perante as condições existenciais. Essa desigualdade pode servir justamente para “forçar” os mais aquinhoados a compartilhar um pouco do seu farnel (material, intelectual, moral, afetivo...) com quem esteja tendo dificuldades de avançar na íngreme caminhada geral. Ademais, aos olhos de Deus, o amor tem extensões e formas inimagináveis aos nossos conceitos e percepções humanais.
 
Viver é relacionar-se. Viver bem ou relacionar-se bem é fazer o bem no relacionamento, com respeito de um aos valores do outro. Amar o outro é amar a si mesmo. O amor, em suas manifestações práticas e melhorativas, é o melhor sustentáculo dos relacionamentos interindividuais.
Amar é fazer o melhor para si em função do outro e fazer o melhor para o outro em função de si. Esse “fazer o melhor” é mais no sentido de envolver o outro numa energia positiva e positivante, a partir de pensamentos, de palavras ou de ações, valendo lembrar que a energia que sai de si, circula antes por si, beneficiando-o, inclusive fisicamente. Faz bem inclusive para o duodeno. É o melhor SPA.
Veja, contudo, que o amar aqui aventado é aquele que segue as normas do padrão crístico de qualidade. É um pouco diferente do amor como simples afeição que se nutre por alguém.
 
Amar é ajudar a levantar. Amar é ajudar a manter de pé. Amar é ajudar a ir.
 
Porém, observem-se alguns versos do poema “Principais Coisas que Aprendi”, atribuído ao dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616):
 
Depois de algum tempo Você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E Você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança, e começa a aprender que beijos não são contratos, e presentes não são promessas”.
 
[Serve como alerta indireto para algumas pessoas que costumam “roubar” mais do que dar energia aos outros com seus gestos de amor. É o instituto do vampirismo afetivo. Muitas pessoas buscam, porque querem ou precisam, o amparo afetivo de alguém, mas também almejam um respiradouro natural no duto da relação. E ao invés disso, acabam sendo sufocadas pelas explosões intermitentes de carga afetiva, cognitiva, moral ou até mesmo financeira. Isso para não lembrar que, muitas vezes, é o exagerador quem mais precisa do auxílio do outro, ainda que de outra forma.]
Cada um de nós deve ajudar a qualquer outro que se predispuser a estender a mão para ser ajudado a ir com a sua própria cruz.
 
Pelo viés oposto, para o destinatário da ajuda que insiste em ficar ou resiste sair do seu lugar interior ou do seu lugar exterior, amar pode ser pelo menos ajudar a se ser melhor o que se é, ou a se estar melhor onde se está. Enfim, é ajudar a crescer e se ser feliz no estado em que cada um se encontra mesmo. Quem sabe se depois de algum tempo, o ajudado não resolve fazer um deslocamentozinho de moto próprio?
 
Tem gente que é assim:
triste que é uma beleza,
mas ao primeiro sinal de amor,
que beleza!
[1]
 
Nem sempre um gesto de ajuda surte o efeito desejado pelo ajudador de melhorar o ajudado.
Mas, o dever de cada um é amar (enviar ajuda, envidar esforços para ajudar, disponibilizar meios para melhorar a condição do outro).
Mas, a melhoria do ajudado só se perfaz quando ele, por sua própria iniciativa, assimila a ajuda recebida para melhorar sua condição de vida em algum nível, muitas vezes em tempos ou lugares bem adiante.
 É tão humanamente natural preservar-se em seus valores pessoais, quanto o é buscar infinitamente um padrão melhor de si ou para si, de preferência segundo as normas do padrão crístico de qualidade, o que inexoravelmente implica ajudar também o outro (desde que não enaltecendo o egoísmo ético
[2] ou o egoísmo psicológico[3]).
 
Jesus tem atuado como uma pessoa médica multiarticulada no tempo e no espaço. Para tentar despertar a consciência de um só de seus irmãos menores (nós), age aqui, através de um passante; através da suplica de uma criança mais adiante; pelo conselho de um estranho, numa noite acolá; ali, uma semana depois, através de outro fator contributivo qualquer. E por aí adiante e afora... Quando um fator catalisador consegue despertar a consciência do necessitado sobre e para si mesmo, aí termina a linha consultiva do grande Doutor.
 



[1] Adaptação de um antigo hai-kai pichado num muro próximo à reitoria da UFBA: “Sou triste. Mas ao primeiro sinal de amor, mudo de cor".
[2] Quando se age unicamente em função de suas próprias melhoras.
[3] Quando se age unicamente em função de suas próprias melhoras, mesmo quando a ação visa concretamente beneficiar outrem.
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 17/03/2011
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