Sibiloso e Cruel

Triste como eu não ficava já há algum tempo, e o sono vem, e as palavras na carta de despedida clamam por um adeus. Mas tudo na vida é um adeus, um profundo, agudo e sibiloso adeus, temperado de angustia e pimenta, porque mesmo no adeus tem que haver encantamento, e neste, a pimenta com seu sabor inesquecível é fundamental e insubstituível.

Mas o que estou falando? Eu não gosto de pimenta, nem de despedida, nem de adeus.

Mas vivo dando adeus pra todos e, recluso no meu canto, choro.

A água gelada refresca minha garganta, e tento fechar os olhos para dormir.

É que dormir causa a excitação da calma, traz para junto de si a paciência, a reconfortante paciência, e mesmo que ela não venha é possível senti-la, porque dormir é isso, é acordar um pouquinho só pro mundo e deixar que as inebriantes ações do dia, dissolvidas no seu sangue, percorram seu corpo, agora febril de tão cansado.

Feliz, estampo um sorriso no rosto, um sorriso falso, que busca uma felicidade que nunca vai existir, pois infelizmente você não esta aqui.

E longe o sino canta, a catedral se cala para ouvir a voz ruidosa do astro na torre, tão alta. A velha coruja ainda habita lá, e percebo como o tempo passou depressa e fugiu de mim, e não fugiu, porque ainda estou acordado. Ainda estou aqui.

Ainda. E possivelmente o amanhã vindouro e tardio acordará, e me trará para o chá da manhã, deliciosas guloseimas, que ao final do dia terão sido esquecidas, como a tarde sem graça de hoje, como a tua ausência, como o meu perdão.

E o pássaro ainda canta la da varanda, uma melodia solitária e finita. É que ele sente minha falta, como eu sinto a tua. E como não sentir?

Ainda estou aqui.

Hudson Eygo
Enviado por Hudson Eygo em 06/05/2011
Reeditado em 06/05/2011
Código do texto: T2952121