::: Os sentidos do amor - Olfato::::

Ele estava lindo como era de costume e, como sempre, com a gola da camisa levantada, algo que me matava de raiva e amor ao mesmo tempo. Era a fração de eternidade que me fazia tremer, vê-lo chegar e sorrir era o melhor do céu em mim. Era sempre muito sutíl e animado, lembro-me de raras vezes em que ele não emprestava um sorriso aos meus lábios severamente intactos. Em que ele não salpicava pequenas estrelas de luz em meu olhar opaco e triste. Ele, somente ele me fazia querer viver a cada dia, um pouco mais.

"Prefiero un minuto contigo a una eternidad sin ti."

E a cada dia mais, um medo imenso e surreal percorria meu consciente, eram frequentes as crises de choro e a solidão estava se tornando minha fiel companheira, fria e estagna como uma pedra. Eu contava as horas, minuto após minuto, segundos e milésimos para que pudesse vê-lo novamente. Eu queria apenas viver cada pulsão, cada suspiro, cada fôlego que pudesse suportar, só para ter a felicidade eterna que provia daquele olhar acalentador e incrivelmente belo.

"Amei até chegar a loucura. Esta loucura, no entanto, para mim é a única forma sensata de amar"

(F. Sagan).

Mais um dia passou, rápido e solitário. Meu corpo doía muito e a tarde se despedia num último raio de sol. Quando a noite chegou, as horas perderam o ritmo e tudo passou a ficar: Parado demais. Então, sentada na poltrona verde de meu pai, prendi meus olhos fixados na TV enquanto balançava meus pés sem parar. Meu coração dava pulinhos de ansiedade, estava a ponto de ter um ataque cardíaco a qualquer segundo quando, enfim, a campanhia tocou.

“O arrepio é a manifestação da alma diante de uma emoção!”

(Ana Luísa Ricardo)

E eu, simplesmente pulei da poltrona e corri em direção ao portão com a mesma vontade de uma maratonista. Quando abri-o, me deparei com o melhor sorriso que ele poderia ter me mostrado e, instantaneamente, meus lábios sorriram também num beijo profundo.

Ele me levou pra jantar, pude sentir um perfume diferente, um cheiro que nunca havia sentido em quatro anos ao seu lado.

-É perfume novo? - perguntei.

Ele sorriu, claro.

-É sim, gostou? Não achou muito doce...?

-Não, é muito bom, combinou com o seu jeito...

-Que bom, assim toda vez que sentir esse perfume vai se lembrar de mim...

Eu sorri. Virei para o vidro, fechei os olhos e respirei fundo aquele aroma. Dava-me uma sensação plena de felicidade, era como flutuar.

"Flutuar: Tocar o céu sem tirar os pés do chão!"

(Ana Luisa Ricardo)

Por toda a noite me deliciei sentindo aquele perfume amadeirado flutuando sobre mim. Simplesmente queria ficar abraçada com ele e deixar que aquele cheiro se injetasse em minha alma. Mas, já estava tarde e precisávamos ir. Meu coração disparou do nada. Olhei para ele assustada.

-Tudo bem?

-Sim! - Dei um meio sorriso.

Ele sorriu e, quando virou o rosto para a estrada viu uma luz vindo em direção ao carro. A última coisa que vi foi a expressão amendrotada dele vindo em minha direção e me abraçando. Tudo ficou branco. Quando acordei, já estava no hospital e fiquei sabendo que o carro havia batido na lateral, no lado do motorista. Ele não havia sobrevivido e se não fosse sua atitude de me envolver, eu também não estaria ali. Tiraram bruscamente meu sorriso daqui e levaram pra lua, pois, quando olhei pela janela a lua sorria pra mim. Era ele.

"O amor verdadeiro não tem final feliz. Porque simplesmente não tem final."

E assim, eu cheirava minhas mãos e ao fechar os olhos me lembrava de seu corpo, levemente perfumado. Lágrimas escorriam e lembranças perduravam noite e dia. Seu cheiro ficou gravado em minha alma, como eu desejei.

Jamais esquecerei, a gola da camisa levantada, o sorriso animado, o olhar acolhedor, o perfume mais intenso em seu pescoço, as mãos macias em meu rosto.

Em frente ao espelho falava para mim mesma:

-É perfume novo?

-Sim, gostou? Ou é muito doce...?

-Eu gostei... até porque esse cheiro irá me acompanhar pelo resto da vida.

Sorri.

-A única ligação que me liga a você!

"E quando ando pela rua, tenho a real sensção de tê-lo perto de mim!"

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 16/05/2011
Reeditado em 16/05/2011
Código do texto: T2973807