ESPECIFICIDADES DO TEXTO TEATRAL – O PÚBLICO COMO PRINCIPAL RECEPTOR DO DIÁLOGO NO TEATRO

O texto teatral apresenta certas características e especificidades que o difere de outros textos, dentre elas, podemos salientar as lacunas e os vazios, elementos que não oferecem dados suficientes para a imaginação do leitor, a presença direta de diálogos e as rubricas (ou didascálias), indicações cênicas que geralmente vêm no início do capítulo (cena) indicando o lugar e os personagens presentes na mesma. O texto teatral ainda apresenta outras características, como o fato de jogar com diversos receptores, o leitor tanto pode ser um diretor, quanto um ator, ou um figurinista. Nesse tipo de texto há outras peculiaridades como a falta do narrador e a presença da lista dos personagens que vem logo no início do mesmo. Entre essas características talvez a mais importante seja a ausência do narrador. Ao contrário do que acontece em textos narrativos (romances), onde o narrador tem presença fundamental no texto e as personagens aparecem por intermédio dele, expondo suas vidas e o interior de seus pensamentos, no texto teatral a personagem dispensa o narrador, fazendo-se presente por ela mesma, falando diretamente para o público, constituindo assim praticamente a totalidade da obra, de acordo com PRADO (p.84).

“Teatro é ação e romance é narração” (PRADO-p.84) e é justamente por ser ação que o teatro vai além de simplesmente contar/narrar uma história. No teatro essa história tem vida por meio das personagens e, ainda de acordo com PRADO, “O teatro propriamente dito só nasceu ao se estabelecer o diálogo, quando o primeiro embrião da personagem – o corifeu – se destacou do quadro narrativo e passou a ter vida própria” (p.86). E essa ausência do narrador faz com que a história a ser contada nos palcos se realize através do diálogo entre as personagens, diálogo este que tem como receptor o público, como veremos. Não existe teatro sem público. Este é o elemento mais importante, uma vez que toda a encenação tem como alvo a platéia.

De acordo com RYNGAERT “(...) a fala de uma personagem organiza sua relação com o mundo” (p.103). E ainda segundo o mesmo, “por trás do diálogo teatral existe um autor cuja função é organizar o discurso das personagens em função de um objetivo supremo, a comunicação com os espectadores” (p.108), ou seja, os diálogos presentes no texto teatral e na encenação têm como receptor o público espectador. Mesmo quando as personagens conversam entre si, quando um personagem A dirige a palavra à personagem B, não é a B a principal receptora e sim o público, uma vez que ele é o alvo das informações veiculadas durante o diálogo.

O diálogo existe entre as personagens, mas essas operam como emissoras indiretas numa relação entre o autor e o público, sendo o autor o emissor que usa dos personagens para passar suas idéias para o receptor (público), o que RYNGAERT chama de dupla enunciação no teatro. “O público tem portanto o estatuto de destinatário indireto, pois é a ele, em última instância, que todos os discursos são dirigidos, ainda que raramente o sejam de maneira explícita” (p.109). Não só desta maneira o público é o destinatário, quando a personagem reconhece a presença dos espectadores e fala para eles, ou quando um ator dirige-se diretamente para esta platéia, ainda sim o público é o principal receptor do diálogo teatral, o que no texto de RYNGAERT é explanado como estratégia de informação, onde o autor escolhe o que e como o público deve saber.

Não podemos relacionar este diálogo apenas com falas, o diálogo teatral não é formado apenas de falas, mas também de silêncios. Mesmo quando uma personagem está calada em cena, por trás deste silêncio há uma mensagem a ser passada para o receptor, o que de acordo com RYNGAERT “Tudo é permitido no diálogo teatral, tanto mais que no diálogo a fala está sempre em busca de seu destinatário” (p.110). Mesmo sendo o alvo dos diálogos presentes em cena (no texto teatral), o público não tem esta noção, o que o faz se sentir, muitas vezes, como parte estranha numa situação, como se estivesse surpreendendo uma conversa que não é destinada a ele, mas isto é facilmente explicado pelo fato de que estes discursos são destinados, raramente, de forma explícita.

Podemos observar que o texto teatral com todas as suas especificidades, entre elas a ausência do narrador o que acarreta, de certa forma, na presença de diálogos, tem como principal receptor da mensagem contida nesses diálogos o público, o espectador, seja o que lê o texto teatral, ou o que vai ao teatro assistir à peça. Um exemplo claro disto é Brecht que pretendeu um teatro político onde as peças trazem uma mensagem de cunho social e o intuito era o de provocar a platéia para que eles não permanecessem neutros perante a realidade social, mandando assim uma mensagem “direta” ao público.

REFERÊNCIAS

PRADO, Décio de Almeida. A personagem no teatro. In: A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2007. p.81-101.

ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p.138-200.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Roberta Cavalcanti
Enviado por Roberta Cavalcanti em 06/09/2011
Código do texto: T3204105
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