Assim caminhamos

Pode acontecer de você conhecer alguém, cuja primeira impressão nem seja lá essas coisas; afinal, embalagens são embalagens. Num segundo momento, esse alguém revelar uma beleza interior que vai acabar intrigando você, despertando curiosidade, interesse.

Depois, isso progredir para uma afeição tal, que essa pessoa se repute necessária, mesmo estando fora de seu poder, mantê-la por perto. Salomão ensina: “Em vão se estende a rede diante de uma ave”. Dotada de asas, desviará seu voo e seguirá livre a despeito da rede armada.

Por que conhecemos esses então, se depois de forjarem certo afeto em nós, se vão? É que não se vão totalmente; são luzeiros nas mãos do Eterno, e não nos cabe o direito de posse sobre os vaga-lumes.

Quando a vida nos separa dos medíocres não há dor nenhuma; pois, nada se perde; quiçá, sensação de alívio; todavia, esses que nos fazem crescer julgamos imprescindíveis para a vida toda; quando, de fato, seu exemplo foi o facho que acendeu o fogo da virtude e espantou as víboras de nossa acomodação.

Certa vez conheci um chileno, quando eu era apenas um tagarela espiritual, desprovido de atos correspondentes; tudo o que ele legou foi uma frase; “Yo no creo num Dios que habla, yo creo num Dios que atua.” Isso teve tal impacto desnudando minha incoerência, que trago até hoje em meu manancial de aprendizado, e nunca mais vi meu “acusador” medicinal.

Infelizmente, Deus não dispõe de luzeiros proporcionais às trevas do mundo; são muito densas e vastas; aí, depois de nos abrir os olhos, o lumiar da vez segue, como o acendedor de lampiões do “Pequeno Príncipe”. Se você conseguisse manter um na gaiola, como certas aves que não são de cativeiro, suas penas iriam eriçar, ficaria feio e moribundo, uma vez alijado de sua luminosa missão. Podemos até ver cometas passar; mas, não podemos ter um de estimação...

As coisas deveras valiosas são tatuadas na alma; e feita a obra, quem precisa ainda do tatuador? Acostumemos, pois, com a ideia que vão passar pessoas que nos parece, deveriam ficar. Tudo o que podem deixar é seu exemplo, seu ensino, sua luz.

Tememos a dor de crescer, devaneando com um fast food psicológico-espiritual. Afinal, tem gente para ensinar tudo na TV; como se vestir, como gastar o décimo terceiro, como sair do vermelho, como cuidar dos cabelos, da pele; estão na moda os “Coachs” gente que ganha a vida gerando entusiasmo com engenharia de palavras, invés de trabalhar de verdade.

Nas questões espirituais, tem sempre um “Especialista” que faz uma “oração forte”, e “resolve” seus problemas... Profetas de Facebook entregando facilidades para quem precisa de cruz,

Enfim, vou lançar mão de uma frase que escrevi há tempos, quando comecei a poetar, e coloquei no meu perfil, mesmo sendo minha, vou citar entre aspas; “à noite pedi um fruto, pela manhã encontrei sementes em minha porta; desejei escrever sobre os males da vida, Deus os enviou-me para que os entrevistasse.”

O fato é que morremos de medo dessa “entrevista”, não foi diferente comigo; meu encontro com a perfídia, a hipocrisia, a maldade, o engano, o roubo a violência, nunca foi voluntário, mas sempre resultou em crescimento, discernimento, luz. Encarar esses “luzeiros” com excesso de amor próprio faz parecer que a vida sempre nos deve algo, o risco é a depressão, a autocomiseração; todavia, como dizia Sócrates é mais infeliz quem comete uma injustiça, que quem a sofre.

Quais os pinguins, que têm o dorso escuro e o peito branco, dependendo de nosso olhar, dores nos afundam ou nos ensinam nadar. Se as encararmos coma devida sobriedade, serão apenas luminares disfarçados, senão o lado escuro sobressairá.

A mentalidade secular se inclina ao sucesso, tanto que as pessoas estudam pelos diplomas, não pelo conhecimento. Daqueles precisam para ganhar dinheiro; esse é secundário. Ora, o verdadeiro sucesso é triunfar às aparências, ser um ousado desnudando essa sociedade hipócrita, arrostando todos os ventos sem se inclinar a nenhum que fira seus valores. Como disse Einstein; “Tente ser uma pessoa de valor, não de sucesso”.

Dizem que o ouro de tolo é semelhante ao verdadeiro, contudo, nada vale; mas, numa sociedade onde sensações superam valores parece atual uma quadra do Fernando Pessoa; “Tens um anel imitado/ e estás contente de o ter/ que importa ser falsificado/ se é verdadeiro o prazer?”

Assim caminha a humanidade, enchendo relicários de bijuterias, com almas atrofiadas; o sensível enseja conforto, não crescimento.

Nós podemos mais que isso. Grandes almas incomodam quando vivas; como o sol, depois de posto inda ilumina por bom tempo, após a morte essas seguem eloquentes.

“Trágico não é a criança temer o escuro; antes o adulto ter medo da luz;” Platão

Leonel Santos
Enviado por Leonel Santos em 24/11/2011
Reeditado em 28/01/2020
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