Sobre o preconceito

Um crime violento é noticiado antes de mais nada em todos os jornais televisivos. A sensação de insegurança e revolta que o episódio provoca leva a comentários do tipo: "deviam matar", "deviam deixar preso pra sempre", "deviam fazer com ele o que ele fez com a vítima", "deviam torturar". Isso tudo, claro, se o criminoso for brasileiro. Se o criminoso é estrangeiro, ouviremos coisas como: "argentino desgraçado, volta pra sua terra", "o que é que esses chineses querem no Brasil", "quando é que essa raça vai morrer", "deviam expulsar do país".

Por que será que, quando o criminoso é brasileiro, não se diz que deviam expulsá-lo do país? Será que só queremos distantes os sanguinários estrangeiros, enquanto desejamos os homicidas brasileiros perto de nós?

Uma família aproveita um dia de descanso numa praia de São Paulo. Há palitos de sorvete, espigas de milho, sacolas plásticas e latas de refrigerante por toda a areia. Ouve-se um homem falando espanhol. Não se sabe de onde ele vem. Mas, assim que ele contribui para o aumento da sujeira ao jogar mais um papel no chão, a mãe ensina ao seu filhinho:

-Esses argentinos adoram vir aqui pra sujar nossas praias.

Numa revista de conhecimentos gerais, um colunista comenta sobre um operador de telemarketing americano que não sabe localizar New York no mapa. Um leitor da revista comenta com seu colega ao lado:

-Que povinho burro, hein? Não dá pra acreditar que eles estão onde estão.

Em outra revista, divulga-se que mais de dois terços da população brasileira é constituída de analfabetos funcionais. Embora esse dado represente muito mais para o Brasil do que um operador de telemarketing que não sabe localizar New York no mapa representa para os EUA, ele não vira fofoca para tomar as conversas das rodas de amigos, ao contrário do que acontece com o operador de telemarketing.

Num jornal de meio-dia, conta-se a história de um brasileiro miserável que constrói brinquedos para o seu filho usando garrafas velhas de refrigerante. A repórter fala que seus brinquedos são um símbolo da famosa criatividade brasileira. Já quando os japoneses vieram com o "bichinho virtual", houve quem dissesse:

-Tá explicado porque eles se suicidam tanto! Até os bichinhos de estimação eles querem trocar por tecnologia".

Por falar em suicídios, basta citar a qualidade de vida da Noruega e da Irlanda para um colega brasileiro dizer: "mas, em compensação, eles têm taxas de suicídio entre as mais altas do mundo". Ignora-se os quase 50 mil assassinatos anuais, as mortes por acidente de trânsito, a mortalidade infantil e as mortes nas portas dos hospitais públicos do Brasil. Ignora-se também todos os números que fazem a qualidade de vida da Noruega tão evidente. Tudo para não reconhecer que temos algo a aprender com países europeus.

Penso que essa postura preconceituosa não é predominante no Brasil. Arriscaria dizer que somos o povo mais receptivo. Obviamente, selecionei esses comentários que ouvi de modo a evidenciar uma atitude que não é a regra, mas que, acredito, ainda é característica de uma boa fatia da nossa população.

Um passeio por comunidades e fóruns internacionais na internet fatalmente mostrará que essa postura contra o estrangeiro está presente em todo o mundo. Fala-se mal do brasileiro e de todas as nacionalidades ao redor do planeta, muitas vezes com razão, muitas vezes sem razão.

Quando estamos com um estrangeiro, temos a oportunidade de aprender alguma coisa sobre eles e sobre nós. Sua crítica a nosso respeito é preciosa. Ele pode ter um ponto de vista privilegiado. Conversar com ele é uma grande chance de perceber não só as diferenças entre nossos países, mas as semelhanças, fazendo com que pensemos melhor antes de atacar uma cultura com que nunca tivemos contato. Compreenderemos que seus hábitos, que podem aparentar frieza, desrespeito e intolerância, não são indicativos de má índole. Acabaremos desenvolvendo nossa habilidade de conviver. Nosso ufanismo diminuirá. Veremos as fronteiras de outra forma.

Sendo assim, sempre que ouvir de meus compatriotas um ataque a qualquer outro povo, como se os seus defeitos e fraquezas fizessem parte da sua natureza - se é que estamos aptos a discernir um defeito de um traço cultural -e não fossem conseqüência da história, acreditarei tratar-se de um mal julgamento.

Quanto mais tempo dedicarmos a refletir sobre o que se fala de mal sobre o brasileiro, e quanto mais observarmos o estilo de vida dos outros povos, mais estaremos contribuindo para nosso próprio aperfeiçoamento e para o estabelecimento da paz no mundo.

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Renan Oliveira
Enviado por Renan Oliveira em 23/01/2007
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