Escolhendo o inimigo

A escolha de um inimigo é a coisa mais importante do mundo. Porque inimigo, hás que tê-los. Melhor um inimigo que tenha como fantasia a ciência, a racionalidade, a ética, ou um que adore um Deus único, onipotente, onipresente e vingativo, capaz de se auto-imolar em troca de um paraíso imaginário?

Esse é o dilema que acabou de ser resolvido. O fim do comunismo, como ideologia fantasiosa de um futuro dourado, nos fez retornar ao passado das cruzadas e do eterno embate entre o ocidente cristão e missionário, e o islã que tem certeza de que o que está fazendo é o correto e o melhor.

Tivemos, pois um real retrocesso O ocidente, que ainda não escolheu entre as duas possibilidades, continua sendo pragmático; ora racional e científico, ora místico, preconceituoso e supersticioso, desde que não se atrapalhem os negócios.

Sabemos que as guerras santas são apenas desculpas para assassinatos. Tem gente que está pronta para matar, que gosta de matar, e é muito bom para elas que os governos instituídos, com legitimidade ou não, concedam licenças oficiais para que elas o possam fazer sem risco de processo, podendo até ganhar medalhas de heróis da pátria.

Talibã ou Bush, a legitimidade de ambos é muito duvidosa. Um tomou o poder no peito, provavelmente com apoio americano, e representa as correntes mais atrasadas da propalada sabedoria oriental. Compraz-se em destruir símbolos de culturas rivais; tem medo de budas de pedra, e os dinamita, contra a opinião do mundo inteiro. O outro, ganhou uma eleição meio fraudulenta, com diferença de 500 votos, num eleitorado de milhões; veio para fazer a guerra, mas ainda não conseguiu determinar com clareza qual o inimigo. Está criando o modelo da guerra do século 21, e simplesmente não assina o protocolo de Quioto sobre o controle da poluição ambiental, também contra a opinião do mundo inteiro, porque não é bom para a economia americana.

Com certeza não executam as suas ações cruéis em nome da humanidade, ainda que queiram comprometer o mundo inteiro nesse conflito.

Porque, a humanidade não existe, ela ainda está em criação. E, infelizmente, a sua criação depende desses embates e conflitos que pipocam em toda parte.

Não seria muito melhor ter como inimigo alguém que tem como ideologia à racionalidade, a ética, a ciência, e que não pratique o terror desesperado de kamikazes? Ah, que saudade dos velhos comunistas.

O PAPEL DAS RELIGIÕES.

Você já viu um cristão dar a outra face? Você já viu um islamita ou um judeu que esteja realmente em paz? Você já viu um budista desapegado?

As religiões são parte de uma herança cultural, algo que sustenta um grupo em oposição a todos os demais grupos, dentro de um mundo composto por hostilidades. É parte do jogo político da antiga humanidade. Todas elas falam em paz e boa-venturança. Mas a prática real é, exatamente o oposto. Muitas barbaridades já foram cometidas em nome das religiões, com a única exceção, talvez, do budismo.

Isto ocorre porque as religiões têm uma dupla função. De um lado, a função social e ideológica de amalgamar um grupo cultural. De outro, dar respostas às verdadeiras angústias individuais do ser humano.

O erro dos comunistas, quanto às religiões, foi reconhecer apenas o primeiro papel, achando que o segundo seria resolvido pela sua ideologia, ciência, racionalidade, ética, o que acabou não acontecendo. Assim, a religião, ópio do povo, foi decididamente combatida no seu império ateu. O problema das nacionalidades, e muitas existiam dentro do falido império czarista, foi tratado com a teoria da autodeterminação dos povos dentro de estados próprios, mantendo-se as suas culturas, porém combatendo, decisivamente, as religiões. Ao combate-las, o fracasso. As religiões não foram extintas, o choque inevitável com todas elas. Também muitas barbaridades foram cometidas em nome de sua ideologia.

Mas, o fato, é que se pode criar um estado absolutamente ateu, permitindo-se a mais ampla liberdade de culto, desde que isso não implique em boicote às políticas sociais, nem à prática de atos criminosos, como a lapidação de “adúlteras” julgadas pela família, absurdo que continua acontecendo, ainda hoje, em algumas comunidades ortodoxas do médio oriente.

(Não é exatamente isso que ocorre nos Estados Unidos; um estado mais ou menos ateu, com ampla liberdade de culto, e um bom “big stick” para quem se meter a besta de querer atrapalhar os negócios com a religião, ou infringir o código civil ou o criminal com suas atividades religiosas?).

Brigar por ideologia religiosa é um real retrocesso para a humanidade inteira. Mas parece que é isso que vai acontecer. Talvez a ideologia comunista fosse muita avançada para a época. Não vingou, porque era muito avançado. Tal como na Revolução Francesa, assistiremos a uma, ou a muitas restaurações. Saem os comunas, entra um governo representativo desestatizante, crescem as máfias, quem sabe não dá pra chamar o herdeiro do czar, se é que ele existe; saem os comunas do Afeganistão, entra o talibã. (mas, espera aí, isso é muito retrocesso, melhor chamar o rei de volta).

E O MEIO-AMBIENTE?

Quando há guerra dane-se o meio-ambiente. Toca-se fogo nos poços de petróleo, armas químicas, bacteriológicas, atômicas podem vir a ser usadas. Tudo em nome da guerra, que está acima de tudo. Aqui é a ideologia da segurança nacional que está comandando, já sabemos bem disso, conhecemos de cor essa história.

E esse é o ponto crucial. O presidente americano se recusou a assinar o protocolo de Quioto, sobre a redução da emissão de dióxido de carbono, que está provocando o efeito estufa, porque era ruim para economia americana. Foi criticado até por Bill Clinton, que o chamou de ignorante. Esse é o ponto. A redução dos gases provenientes da queima do petróleo implicará, possivelmente, em redução do consumo do petróleo. E isso muda as relações que existem hoje com os países árabes produtores de petróleo.

Porque, francamente, qual a justificativa para esse progresso vertiginoso feito às custas da queima crescente do petróleo que tantos danos causa ao meio-ambiente e às relações entre os povos? Apenas para manter a lucratividade de certas empresas? Qual o real custo social em termos globais do conflito que está sendo parido por esses fatores retrógrados, ainda que tenham aparência de progresso? Será que isso é bom para a economia americana?

Pode ser bom. Para uma parte dela, aquela comprometida com a guerra, com a produção de armas, que não quer mudar, que está acostumada com o lucro fácil, que empurra para toda a sociedade os danos ambientais de seus produtos, que não quer enxergar mais do que um palmo adiante do nariz, e não vê o desastre chegando, que têm como máxima a gracinha de Lorde Keynes, “a longo prazo estaremos todos mortos”, ele que não tinha filhos, nem queria tê-los, a política do “depois de mim o dilúvio’, o que prova que são animais antediluvianos.

Quanto ao resto do mundo, a saída clara e límpida é a pesquisa de novas tecnologias que permitam arrolhar, definitivamente, os poços de petróleo e de ódio, o uso racional da energia, o planejamento em termos mundiais de todos os aspectos da vida para estabelecer as nossas reais necessidades, ou seja, a criação de uma verdadeira humanidade que não esteja a serviço de grupos organizados para explora-la, algo bem diferente da ideologia do lucro pelo lucro, ou do progresso pelo progresso.

A AJUDA HUMANITÁRIA.

Prevê-se uma catástrofe humanitária a curto prazo. Populações se deslocam fugindo da guerra, sem saber para onde ir, sem recursos para sobreviver. Fundos de milhões de dólares são criados para socorre-las...

No entanto, os Fundos destinados à guerra são de bilhões de dólares, uma pequena diferença de ordem de grandeza...

Não seria mais decente inverter? Com bilhões de dólares destinados à paz quase todos os problemas poderiam ser facilmente resolvidos. Perdoar as dívidas das nações secularmente vilipendiadas seria só o início, fato que, em si, poderia garantir um mundo de paz. Essa é a verdadeira guerra a ser enfrentada, lutar contra a fome, a miséria, a doença, a falta de perspectiva dos povos do mundo, guerra que poderia ser ganha sem disparar um único tiro, sem um único morto norte-americano. Já que vamos queimar esses bilhões de dólares, que seja em nome da paz é o que diz o bom senso.

A CHINA É VIZINHA.

Os chineses ainda não renunciaram ao seu comunismo. Fizeram muitas besteiras no passado. Muitos saltos para frente que não deram certo. Poluem. Fumam como turcos. Vendem armas. Serão parte importante da humanidade a ser criada. Deram grande contribuição, no passado, ao progresso da humanidade, com certeza continuarão dando.

Para quê lado irão os chineses? Parece que o embate real que poderá ocorrer, no futuro, será com eles, esse eventual conflito com grupos islamitas revoltados é coisa do passado.

Os chineses pasmem os senhores, estão, no presente momento, reconstruindo as estátuas dos budas de pedra dinamitadas! É bom que tenha alguém construindo alguma coisa neste mundo!

Zé Honório, 7/out/2001.

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Triste fim da cadelinha da madame

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Em referência: Zé Honório

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