De Golfinhos, Índios e Santos

Foi de um livro (Lynch, Dudley; Kordis, Paul L. A estratégia do golfinho : a conquista de vitórias num mundo caótico. São Paulo : Cultrix, 1988) - sempre um livro - de onde tirei a idéia de ser golfinho. Não pelas “vitórias” prometidas no título, mas pelo “mundo caótico”. Quando percebi que o mundo ia para o caos, se a nossa cultura não mudasse, resolvi ser golfinho.

Os golfinhos são animais, como nós, mamíferos como nós, e há quem diga que possuem um cérebro mais evoluído do que o nosso. Não duvido. Pois não os encontro deprimidos, mas sempre alegres, talvez pela simplicidade de estarem vivos. Divertem-se, vivem em grupos solidários. Não têm problemas de alimentação, pois aceitam as Leis da Natureza. Por isso mesmo são populacionalmente regulados e não tomam conta do Planeta só para eles. E não querem ocupar cada metro quadrado da Terra, independentemente do que possa vir a acontecer com o restante da Vida.

Ah, sim, e eles também são solidários com as outras espécies.

Deu no jornal que um golfinho tinha salvado um menino humano na Itália - Felippo, o nome do golfinho - como o menino agradecido passou a chamá-lo. Aquele golfinho passou a ter identidade para aquele menino e não era só mais um animal primitivo entre outros. Fiquei pensando: porque esse golfinho fez isso? Ora, pode ter sido por puro egoísmo. Pode ter sido porque a espécie dele se deu conta (evolutiva) que a sua sobrevivência depende da sobrevivência da espécie humana. Pode ser que aquele golfinho seja uma evolução mais inteligente dos golfinhos. Pode ser que tenha sido um milagre. Sei não. Quando nós não conseguimos explicar as coisas com a nossa cultura costumamos empurrar a explicação para os santos.

Mas, aí me disseram que os golfinhos podiam ser muito maus, que os cientistas descobriram comportamentos contraditórios neles, que eles não eram tão bons quanto pareciam. Portanto não serviriam de exemplo de Qualidade de Vida.

Como não me nasciam nem uma adequada nadadeira, nem adequadas guelras, para ser golfinho, pensei, quem sabe posso ser índio?

Ora, os índios vivem em Paz na maior parte do tempo, são solidários, divertem-se, não se matam por qualquer besteira, curtem e respeitam a Vida, são temerosos das Leis da Natureza, apanham o alimento que Ela lhes dá, não querem tomar conta da Terra e não ocupam cada metro quadrado que podem do Planeta, independentemente do que possa vir a acontecer com a Vida. Não mantém o alimento trancado, comercializado e escravizante. Não sabem o que é estresse, paranóia ou tv globo. A menos que tenham se “civilizado”. Aí se tornam iguaizinhos a nós. E devastam a Floresta, como nós, e vendem a madeira, por dinheiro, como nós. E fumam, como nós. E morrem de câncer, como nós. E se embriagam, e se drogam, como nós, e vestem jeans. E são capazes de matar, por nada, como nós. Esses foram engolidos pela Mãe Cultura e abandonaram a Mãe Terra, como nós. E podem ser queimados nas ruas de Brasília ou São Paulo. Por nós.

Mas me disseram que os índios podiam ser tão maus como qualquer um. Que os antropólogos, os cientistas, sabiam de coisas de arrepiar que eles podiam fazer. Que toda a maldade seria inerente à espécie humana.

Então percebi, que o que estavam querendo me dizer é que eu devia escolher ser santo.

Santo?!

Devo então esperar pelo paraíso celeste?

Devo esperar que me nasçam santas auréolas ao invés de guelras?

Quer dizer que Deus me garante o Paraíso após a minha morte se eu desistir de salvar o Planeta que Ele criou? Se eu desistir de pensar que há solução? Se eu parar de pensar que tudo o que está acontecendo é apenas resultado da nossa absurda Mãe Cultura?

Não devo, pois, acreditar que existam formas de vida, criadas por Deus para habitar o Planeta, que não o destroem, que vivem em Paz com as Leis da Natureza?

Ah, é que elas também têm defeitos, como nós...e portanto é assim mesmo...

As “provas” científicas da não existência desse tipo de Qualidade de Vida são apenas convenientes para que possamos manter a nossa Mãe Cultura viva, como nós queremos. Totalitariamente continuar reinando. Independentemente dos deuses e das outras formas de vida.

Santo?! Eu, cara pálida!? Estou aprendendo a ser humano...