Ressurreição (De volta a vida)

Flocos de neve derretem no chão, passos pela grama, e a noite cai.

A garota solitária, balança no brinquedo velho e enferrujado que há anos fica exposto no jardim, como um troféu, uma memória viva de uma época que se foi.

Ela, confusa, evoca memórias de um tempo tão distante quanto sua própria inocência, numa tentativa vã de aquecer o coração.

É que a vida é sempre mais difícil do que se espera.

E o que nos resta?

O beijo do rapaz, as mãos dadas, e as juras de eternidade vão se repetindo, uma a uma, em sua cabeça.

Algum tempo depois, de volta para casa, ela redecora a sala, se livrando de alguns porta-retratos.

Ao amanhecer será um novo dia!

Ela espera.

Em seu quarto, ela põe uma música, aquela mesma e velha, e se entrega ao colchão quente e macio, afinal, dormir um pouco faz bem.

E num sonho ela chega ao paraíso. E a brisa doce dos campos Elíseos a deixam trepida, lúcida, ávida e feliz. Ela descansa sobre uma aquarela interminável de flores silvestres, experimentando uma salada de odores, gostos e tons.

Tudo não passa de uma fantasia.

Ela acorda.

Ao amanhecer, a paz lhe chega gratuita e gentil, junto com a visita inesperada do sol.

Acabou a noite ruim e o inverno.

A alma triste, e o desespero.

Ao amanhecer, o olhar desperto, o coração em batidas rítmicas, e o descompasso lhe sugerem a grandeza de um novo dia.

E depois de tanto tempo, ela nem sabe mais como é ser feliz, esqueceu-se de como é não sentir agonia. Está desacostumada a não sofrer. Até mesmo esboçar um sorriso lhe parece estranho agora.

E ela não sabe o que quer...

Assimilando a estranheza celeste que é a vida, ela abraça satisfeita esse equilíbrio distante que é viver ansiando um futuro desconhecido.

Afinal onde esta a beleza em não saber?

É mesmo um novo dia.

A beleza do despertar e do preparar-se para um futuro, que ainda nem chegou, a conforta.

E ela nem tem medo.

Só precisa esperar.

Confusa, por nunca antes ter sentido a certeza de quem não precisa se alicerçar na dúvida, ela chora. Mas é uma cor diferente a deste choro. Não carrega consigo o negrume do luto e nem a tristeza cinza peculiar da solidão. É um choro verde e vivo. Como folha de carvalho dançando na manhã quente de verão.

E o sabor agridoce do sol, queimando na pele do seu rosto, é tão bom quanto o sabor de um beijo.

E ela se enamora.

De um pulo, o banho, e ela se prepara para o inesperado dia.

Nada novo, só mesmo a nova maquiagem, que recebe o contorno do lápis preto e forte ao redor dos olhos, que informa sua confiança, pois mesmo desacreditada ela espera.

Porque, ainda que reste alguma duvida, ela sabe que somente ao fim caberá a resposta.

Não devemos nos preocupar com o final.

Ele sempre chega.

Ela agora, acordada, sorri. E inspira, ao sair de casa, a agonia do novo dia, que preenche seu peito grande e vazio.

E ela se joga por mundo sem esperar nada em troca.

De volta a vida.

Hudson Eygo
Enviado por Hudson Eygo em 06/04/2012
Reeditado em 06/04/2012
Código do texto: T3596976