Crise de identidade

Comentando o texto onde um recantista o qual dizia que os escritores são meio doidos, pois, laboram sem reconhecimento, apenas por hobby para familiares e amigos, eu observei que tais, estão, no mínimo, uma geração adiante de seu tempo, de modo que os bons, não raro são reconhecidos pós-morte, pela geração vindoura que se identifica com os mesmos.

A princípio pareceu-me uma visão inteligente, depois, pensando melhor, se me revelou estúpida.

A atual geração coisificada caminha pelas veredas do conhecimento, alheia à sabedoria, labora antes pelos corpos que pelas almas, e eu os coloquei sob o mesmo jugo. Como diz no Deuteronômio, com boi e jumento juntamente, não lavrarás.

Basta apreciar a “arte” que nossa geração consome, sobretudo a música, pra ver nosso bravo habitante do século 21 com o braço tecnológico hercúleo, e o da sensibilidade atrofiado. Quem disse que a próxima geração ainda vai ler?

Talvez, as letras de músicas daqui a uns vinte anos, sejam letras mesmo, só as vogais e o batuque. A , a, tum ti tum dum; é, é, Tum ti Tum dum... loucuuura loucura como diria aquele. Aliás, já temos o Le Le Le Le e o tche tche re re tche tche...chegaremos lá.

Aí, começo a duvidar que os bons escritores estejam à frente de seu tempo, se isso é o que vem pela frente.

Será que eles estão no passado, os de hoje, caso existam? Lembro de uma música cantada por Antônio Marcos, onde ele “avançava” 23 anos no tempo e se perdia.

Dizia a letra: “Eu quero viver em 1996, ( Era 73) pois eu quero saber como vão ser as coisas por lá; eu preciso me ver, em 1996 e dizer sim ou não aos processos de vida de lá...”

Depois de dizer que num sonho se via como um palhaço sem graça vendido em leilão, o refrão diz como o “produto” foi leiloado; “quem dá mais, por um cara que ousou acreditar nos seus; quem dá mais, por um homem que insiste na palavra Deus? Quem dá mais, por um louco que discorda do computador? Quem dá mais, por um velho ultrapassado que ainda crê no amor?” (vídeo no youtube, basta colocar “Antônio Marcos, quem dá mais”)

Desgraçadamente a música se revelou profética, onde mesmo os que insistem na palavra Deus, o fazem, em busca de coisas, não de almas.

Então, se alguém me disser que estou uma geração adiante de meu tempo, não saberei se o sujeito estará me elogiando ou zombando de mim.

O fato é que, malgrado os grandes avanços do conhecimento, do ponto de vista da sabedoria, nossa geração é bineurônica, e tudo indica que a que nos suceder será vítima de hemiplegia cerebral. Como será, quando o “último dos moicanos” sentir o vento da arte no topete?

Lembrei uma anedota do mineiro e sua vaquinha veloz. O cara estava pedindo carona com sua vaca e um gozador resolveu encarar.

– Como vai ser, só cabe você no carro?

– Tem problema não, basta amarrar a vaquinha que ela corre atrás do auto.

– Olha, esse carro anda, (avisou o gozador)

– Minha vaquinha corre muito. (garantiu o matuto.)

– Tudo bem, amarra a bichinha aí e vambora. O cara estava a fim de tirar onda, e pisou no pedal; olhou pelo retrovisor, 50 km por hora a bichinha firme atrás, acelerou, 80, e ela firme, aquilo começava irritar o sujeito; pisou fundo, cem por hora.

Finalmente, pode dar uma provocada em seu colega de viagem; Sua vaquinha está no bagaço, começou a botar a língua para fora, riu.

– Pra que lado botou a língua, direito ou esquerdo, (inquiriu o mineiro)

– Esquerdo, respondeu.

– Então fica esperto, que ela tá pedindo passagem...

Nesse caso, seria normal o “carro na frente dos bois”, e temo que a verdadeira arte seja uma vaquinha comum, que não corre nada, e não pode ser amarrada ao para-choques do ensandecido carro do progresso...

Ou, a crise de identidade, resulte inevitável, se tentarmos deter com as amarras do tempo, aquilo que lhe escapa, por ser atemporal...