O Principio das Dores....

- Dê lhe assas, disse o anjo mais jovem, ao menino que já pensava em terminar.

Mas o menino deus, que pouco sabia do que é amar, deu-lhe pés, é o ensinou a caminhar.

Alicerçado sobre duas pernas, o espírito errante, ensaiou dois passos, e logo caiu.

O diabrete riu-se da cena.

Era cômico o desleixar da recém-forjada criatura.

Um semideus, criado para o único propósito de entreter...

Uma tarde quente, e o menino, que brincava de ser deus, não sabia como matar o tempo, já que este não existia. É que no paraíso as tardes podem ser longas, e demasiadamente duradouras, assim como a eternidade... Sublime, singela e obliqua de significado.

Logo a criatura roubou a cena, encantando a todos. O anjo e o diabrete, eternos opostos e amigos inseparáveis, ficaram maravilhados, e extasiados, com a semelhança entre boneco de barro e o jovem deus.

E o céu orgulhoso da criatura, se desfez em lágrimas e risos, raios e espanto.

Da água jorrou vida, e o ser, parte animal, parte deus, começou a falar.

Muito tempo depois e, cronologicamente, tempo algum, o menino deus, que só sabia brincar, esqueceu-se do experimento, e foi por sua mãe procurar. Voltando pra casa, abandonou o entusiasmo pelo desengonçado hominídeo.

Largado à própria sorte, o ser estranho, emitia um som molhado, era quase um grunhido. Uma mistura de medo e solidão.

O diabrete, astuto, e carente de afeto, sabia muito bem do que se tratava, experimentara diversas vezes esse sentimento que vazava, o qual apelidou de choro. O diabrete também conhecia a velocidade com que se extinguir o entusiasmo do deus menino, fora assim com ele e com o anjo, e não seria diferente com o hominídeo. Encheu-se, portanto de um espírito paternal, e correu de encontro ao novo ser, que não passava de outra criança. Deu-lhe de comer, e beber, saciou-lhe os desejos, e o mostrou a diversão. Tornaram-se grandes amigos, inseparáveis mesmo.

Conversaram, e o diabrete explicou ao homenzinho sobre as aventuranças do menino deus em criar e abandonar. Entenderam-se e chegaram a um acordo: a partir daquele instante, seriam únicos e suficientes um ao outro.

O anjo mimado, enciumado, por perder o único e verdadeiro amigo. Correu ao deus menino, e contou-lhe tudo que se passava. Distorceu a história, e convenceu o jovem deus de que, influenciado pelo diabrete, o homem havia lhe virado as costas. O jovem deus mal pode acreditar, e fora ver a cena com seus próprios olhos.

O espanto do semideus, dormindo abraçado com o diabrete, foi um susto para todos, como pode o homem se deixa influenciar por uma criatura tão asquerosa, criada com o único propósito de ser odiada?

O deus menino, não aceitou perder a admiração de sua mais recente criação, e em toda sua imaturidade, revogou do homem o direito à liberdade, aprisionando num vidrinho sua imortalidade.

E baniu o homem para sempre.

O homem, atordoado, pouco entendeu do que se passava, e a confusão tomou a cena. O anjo asqueroso, e dominado pelo ciúme, correu ao hominídeo, e ao culpar o diabrete pelo acontecido, disseminou a semente do mal.

O diabrete, odiado pelo homem, não teve como se defender, e sem o direito da palavra, sucumbiu. Consumido pela dor do desprezo, afugentou-se num buraco profundo, e preferiu a solidão à desconfiança.

O anjo, vendo o sucesso de seu plano asqueroso, orgulhou-se de seu vigor e astucia.

O menino deus, alertado pela mãe natureza, viu a desgraceira de toda a bagunça feita. Mas era orgulhoso demais para desfazer o feito, e, sem concerto, não teve outra escolha a não ser castigar o anjo, a um destino pior que o do diabrete, na eterna solidão. Aprisionou, portanto, o anjo a uma forma, magnífica, adorada e desejada por todos. O anjo seria, a partir de agora, obrigado a conviver toda a eternidade sob uma bela forma, que provocaria o desejo de todos, mas sem poder desfrutar do amor de ninguém.

O homem, mortal, de tão só, pós se a chorar. A natureza, compadecida de seu sofrimento e injustiça, forjou de broto da cerejeira, um ser formoso, como perfume de sândalo e delicadeza de flor, chamou-a de mulher, e presenteou ao homem, que maravilhado se calou.

Para dar significado à eternidade, o menino deus criou o tempo, o sol se pós, e cansado, ele descansou.

Hudson Eygo
Enviado por Hudson Eygo em 01/05/2012
Código do texto: T3643810