Assim voce me mata

Algumas nuances da personalidade doentia são de difícil compreensão. Refiro-me por agora, a dois aspectos; inveja e vaidade.

O primeiro caso pressupõe o “si mesmo” como real merecedor de possuir o que é de terceiros, seja talento, reconhecimento, bens, afetos... a única coisa que importa é o ego desorientado do invejoso, que, por incapaz de ver (aceitar) as coisas como são, as fantasia como desejaria que fossem.

Por outro lado, o vaidoso não se importa de ser “reconhecido” por meios falsos; ser aplaudido pilotando “carros” que lhe não pertencem, ostentando números mentirosos, plagiando, elogiando-se no sistema Double face, (perfis falsos) para que os outros pensem dele algo que no fundo, ele sabe que não é.

Então, para o invejoso contam os “direitos” dele apenas; para o vaidoso, o “reconhecimento” dos outros, mesmo ele sabendo que aquilo é uma fraude.

Em “O Pequeno Príncipe” temos uma descrição perfeita do vaidoso; um rei em seu planetinha particular, demandando de todos os eventuais visitantes que batessem uma mão na outra em seu louvor.

Claro que certa dose de vaidade todos temos; e negar isso seria demonstrá-la de modo inda mais gritante; refiro-me, porém, à coisa desmedida para mui além do saudável.

Como entender quando essas duas “qualidades” habitam numa mesma pessoa? Sim, é contraditório; pois, ora é o si mesmo que conta; outra, o si, é ignorado pelo apreço de terceiros... ou, camuflado pelas lisonjas e bajulações toma por verazes coisas que sabe serem meras fantasias. Em si, ou, para si todos os direitos; o invejoso; fora de si, nas asas da vaidade todos os aplausos mesmo sabendo-se indigno.

Como ensina um texto bíblico, “Um abismo chama outro abismo;” assim, os pobres de espírito, doentes de alma, cercam-se de muitos algozes. Tanto encômios, quanto apupos, devem passar pelo crivo da verdade; e uma alma saudável não se submeterá a tirania de um, nem de outro.

Achei poeticamente linda a frase de uma música antiga que diz: “mente pra mim mas diz coisas bonitas” pois, se a ideia é expressar intensidade de um querer, de um desejo, vale muito. Mas, no prisma espiritual, filosófico, não minta para mim, eu detesto. Tampouco, o faço. Pois, preciso tratar como desejo ser tratado.

O invejoso, portanto, padece excesso de amor próprio; o vaidoso, parece não ter esse sentimento.

Claro que é saudável querer fazer coisas boas, e é alentador ser reconhecido por isso; mas, façamos cortesia com nossas cartolas, sabendo que há muitos que têm talentos que nos faltam, que mal tem isso?

Que cada um desempenhe o melhor com o que possui; nosso desafio é sermos melhores que nós mesmos, não que outros. Quem vê no semelhante um competidor acabará gastando seus dardos em alvos errados.

Afinal, almas saudáveis desconfiam de elogios desmedidos, e não padecem às críticas infundadas, pois, sua própria saúde permite certa avaliação equilibrada dos próprios dons.

Aliás, nem sei se devemos ter como meta o sucesso. Pelo menos, o que o mundo avalia como tal. Ocorre-me uma frase de Einstein: “Tente ser uma pessoa de valor, não de sucesso”.

Afinal, “Créu, Pocotó, Se te pego” etc, fizeram muito sucesso; o último, rompeu fronteiras, e são umas bostas que sequer movem o ponteiro se, colocadas na balança da arte.

Esse “sucesso” depende, não raro, da aprovação de quem não sabe nada. Para mim, reconhecimento de meia dúzia de leitores qualificados vale mais que a ovação de um milhão de imbecis.

O sucesso no Youtube, mostra peritos em arrotos, cusparadas, comer mais rápido, e coisas assim, uma “especialista” em arrotos foi parar na TV, graças ao seu número estrondoso de acessos na NET.

Se, nas filosofias de botecos correntes, todos dizem que vale mais a qualidade que a quantidade, na prática a teoria é descartada.

Certa vez, um pastor amigo perguntou-me: “Caso o número de salvos seja de cem mil, e o de perdidos, um milhão, quem venceu a batalha, Deus ou o Diabo”? Surpreso com a questão, pensei uns segundos e respondi: Pra mim, vale mais um pacote de bolachas que um caminhão de lixo.

Sobre inveja, oportuno lembrar Machado de Assis: “Podemos elogiar à vontade; está morto.”

A culpa dos talentosos em geral é estarem vivos; pois, a história está recheada deles, que foram reconhecidos somente após a morte.

Acho que a inveja é uma forma provisória de matar, enquanto o tempo recusa a fazer. Como diz o sucesso do momento; “assim você me mata...”

De novo Einstein: “A fama, como os cabelos cresce depois da morte, quando não tem mais serventia.”

Para terminar, uma amálgama de inveja com vaidade numa frase bem humorada de Ândria Bonfim: “Não condeno os invejosos, no lugar deles, também iria querer ser eu.”