Ensaio sobre o espelho – o mais humilde dos objetos

Platão tinha um ideia incomum. Dizia que existe uma projeção essencial perfeita de todas as coisas. Uma árvore que vemos nada mais seria que uma cópia imperfeita dessa projeção impalpável. Uma bola, um carro, um cachorro, tudo teria uma essência perfeita no que chamava de mundo das ideias.

Hoje, sabemos que o mundo materialista não suporta esse raciocínio, mas ele não deixa de fazer analogias corretas. Se eu te mando imaginar um tigre, você de fato imagina um tigre em sua síntese. O tamanho, a cor, as listras, a violência, são todas características inerentes ao tigre que qualquer um em perfeita saúde também citaria. O que é um tigre? Eis a resposta. A função do tigre? Eis a resposta. Cada qual, ao seu modo, tem todas as respostas. Se, ao invés de imaginar, eu te mostrar um tigre, mais detalhes você dará, detalhes presentes em todos os tigres - os vivos, os mortos, os desenhados, os das fábulas... Se porventura tens a coragem e força de Sansão, e se colocasse de frente e em tato com o bicho, pasmem, mais detalhes sobre o que compõe o felino será divulgado por sua pessoa! Platão não falava absurdos, no final das contas.

Eu seria infeliz se insistisse em listar outros exemplos. Hora da antítese. O leitor já experimentou olhar para um espelho? Não se precipite, me refiro ao espelho como um objeto nu e cru. Podemos descrever um espelho - diminuindo suas as molduras- com a facilidade que fazemos com o tigre? Evidente que não, precisa de um esforço. Um vidro plano com fundo com camadas negra e metálica seria umas resposta apropriada, mas espanta, como espanta à criança saber que o vidro advém da areia. Espanta porque, no momento que o espelho cumpre a função, não é ele quem interessa, mas nosso reflexo, de modo que se interessar pelo objeto é a última importância. Queremos é nos conhecer, nos ver e nos apreciar. Até os humildes! E, na sua hipnose, o espelho se torna o mais humilde dos objetos.

Nem entro na questão da vaidade, do egoísmo e dessas coisas que nos ensinam a evitar, mas na questão da consciência. O que nos hipnotiza no reflexo é a sede do auto-conhecimento, a curiosidade de ver o mundo por onde nunca vemos, por fora da nossa caixola. Em suma, ver você mesmo. O melhor dos espelhos não tem nenhum significado para um animal, pois, diferente de nós, o bicho não têm consciência de que se vê.

A função do espelho não é o reflexo, mas te dar a consciência de como você é e, muitas vezes, que você é. O reflexo é a ferramenta. O espelho é o bom servo, por isso humilde. Um espelho quebrado ainda é um espelho. Ele não se prende a uma moldura, ele existe na janela escura, em um carro limpo, nas águas do lago. Existiu antes do computador, antes do vidro, antes das placas de ferro. O espelho não é um propriamente um objeto, mas nasceu com o homem. Por isso é raridade no Mundo das Ideias.

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