Da distância e dos dias cinzas
O dia estava cinza. Seu coração estava pesado. O tempo havia passado e as distâncias haviam se tornado muito maiores do que gostaria ou poderia controlar. Uma canção triste tocava no rádio. Tudo estava em perfeita harmonia com seu humor. Seu coração não batia acelerado, mas tão leve e magoado, que parecia poderia parar e nem seria notado. Nem seria notada sua dor...
Haviam sido tão amigos, tão confidentes, tão próximos um do outro, que não tivessem seus devidos companheiros teriam, talvez, ultrapassado a barreira da amizade e partido para o outro lado juntos. Ele falava dela, ela falava do outro; Ele falava da outra, ela falava deles. Falavam do mundo, de suas dúvidas, faziam planos e eram próximos e felizes no futuro que esboçavam juntos em sua imaginação compartilhada. Ela, mais velha e experiente, o aconselhava; Ele a escutava e contava-lhe segredos, segredos íntimos demais às vezes, mas que sabia que podia contar-lhe sem receio algum, pois ela os guardaria bem. Ela dizia que ele tivesse calma, a namorada era jovem e inexperiente, inconsequente e imatura, muitas vezes, mas também ela fora assim em seu relacionamento tantas vezes, e ele sabia bem, havia visto de perto o tamanho de suas "crises de loucura" e seu exagero. E tinha lhe dito o quanto era louca e como jamais "aguentaria" alguém assim como ela. Agora ironia ou não do destino, quem suportava os delírios e desatinos de alguém era ele, e extremamente apaixonado por aquela outra menina louca que cruzara seu caminho. Aquela sim sua menina. Não ela, mas uma quase ela em outros tempos, tão parecidos seus intempestivos gestos explosivos eram.
Mas todos se opuseram e eis que nem todo amor tudo suporta. Ele se afastou de sua menina, ela continuou firme e forte com seu amor, cada vez mais firme e forte, mais amor. E eles... bom eles continuaram amigos e confidentes, queridos um do outro e se querendo imensamente bem. Até que o destino, ou algo impossível de se denominar resolve lhes dar uma rasteira e tudo muda.
Ela vai embora da cidade, ele conhece outros amores. Nem tão outros assim... retoma um amor antigo, o oposto de seu último. Uma menina tão calada que suas amigas a apelidam de "muda". Ele parece que não só muda, mas murcha ao lado dela. Ele tão cheio de vida e rebeldia, tão vivo, tão cheio de energia. Algo nele vai mudando para sempre e não parece ser para melhor. Talvez a humildade esteja se esvaindo, talvez seja mesmo só a vida acontecendo, seja apenas ele crescendo, amadurecendo... algumas pessoas endurecem quando diz-se que amadurecem. Talvez só isso ou talvez muito mais que isso. E, sim, ela acreditava mesmo que sim: ele já não era o mesmo.
Não haviam mais as confidências, os sorrisos, as brincadeiras, as piadas, os segredos, a cumplicidade... Nem mesmo um "oi" era como antes. Tudo tão distante e sem emoção, frio, como se fossem mesmo desconhecidos. Ela o mudou. Ela, a outra. E agora ela, a amiga, a companheira de todas as horas sofria calada sua magoa, por estar perdendo um amigo querido. Por ele estar partindo sem nem mesmo dizer-lhe adeus ou desejar-lhe que ficasse bem- "até breve" "até logo" "a gente se vê por aí". Poderia ser o suficiente. Não era. A distância era maior até que um aceno tímido dado de longe. E ela sofria... Sofria por perder alguém que tanto bem queria e já não parecia da mesma forma lhe querer bem. E isso dói.