Efeito par-ou-ímpar, um ensaio sobre como dividir equilibradamente n times.

Gente, eu jogo um futebol muito legal no Vizinhança, um pequeno clube na 605 Norte. A pelada começou com um pessoal da imprensa (jornalistas em sua maioria). Mas ao longo dos anos algumas pessoas deixaram a a pelada, outros entraram. De modo que a configuração mudou bastante. São sei se vocês são do tipo que jogam, mas peladas antigas são muito gostosas. A gente acaba se acostumando com o jogo uns dos outros, sabemos como dar o bote, que tipo de toque podemos dar, quem marca, quem fica na banheira… Mas, mesmo em peladas muito amistosas como esta ao longo dos anos sempre surge um atrito ou outro que acaba se resolvendo. Os atritos na nossa pelada não são por conta de excesso de competitividade, não são por entradas duras, por faltas ou por coisa semelhante. São por conta da divisão dos times.

Quando entrei a pelada já era tradicional, mas estou há tempo suficiente para conhecer boa parte da história do Vizinhança Champions League. Quando comecei a ir a forma de tirar o time era o par-ou-ímpar. Ou seja, dois jogadores tiravam na sorte. O vencedor do par ou ímpar é o primeiro a escolher um jogador. Ele também faz a terceira, a quinta e a sétima escolha. O perdedor é o segundo a escolher o jogador. Ele também faz a quarta, a sexta e a oitava escolhas. Como cada time é formado por apenas cinco jogadores, os participantes do par ou ímpar só escolhem quatro vezes. O vencedor do par ou ímpar terá como time o primeiro a ser escolhido, o terceiro a ser escolhido, o quinto a ser escolhido, o sétimo a ser escolhido e ele mesmo. De modo análogo o perdedor do par ou ímpar terá como time o segundo a ser escolhido, o quarto a ser escolhido, o sexto a ser escolhido o oitavo a ser escolhido e ele mesmo. Este jeito de dividir os times é clássico e aprovado por gerações de peladeiros. É uma forma muito boa pois os jogadores escolhidos ficarão distribuídos de modo que os melhores serão divididos igualmente entre os times. Epa? Mas será mesmo? Lá no Vizinhança o par-ou-ímpar causou confusão e foi substituído por um modo de distribuição aleatório. Mas ainda vou chegar neste ponto.

Efeito Par-ou-Ímpar

O caso é que o par-ou-ímpar de fato divide os escolhidos de forma a que o melhor jogador fica em um lado, o segundo melhor fica do outro... Ou seja, divide razoavelmente bem os times. Mas – e é esta observação a que chamo de 'efeito par-ou-ímpar' – cada jogador do primeiro time é melhor do que o respectivo do segundo time!Imagine que na pelada há dez pessoas. Cada pessoa recebe o nome de uma letra e sua habilidade é enumerada. Teremos:

Jogador Habilidade Escolhido

A 15 Primeiro

B 14 Segundo

C 13 Terceiro

D 12 Quarto

E 11 Quinto

F 10 Sexto

G 09 Sétimo

H 08 Oitavo

V X Vencedor do par ou ímpar

P Y Perdedor do par ou ímpar

O time do vencedor do par ou ímpar terá o seguinte time, Time 1, {A, C, E, G, V}. O time perdedor terá o seguinte time, Time 2, {B, D, F, H,P}. A habilidade do time 1 é, {15, 13, 11,09,X}. A habilidade do time 2 é, {14,12,10,08, Y}. Comparemos, a soma das habilidades do time um (excluindo a habilidade da pessoa que escolheu o time 1) é 48. A soma das habilidades do time (excluindo a pessoa que escolheu o time 2) é 44. Ou seja, a diferença é de um ponto de habilidade para cada jogador (desconsiderando os dois que tiraram os times). Para piorar os dois que tiraram os times não entram nesta ordenação. Então se tiverem habilidades muito díspares e o melhor vencer daí os times ficarão ainda mais desequilibrados.

Já diz um velho ditado que ouvi de um físico, “na prática a teoria é outra”. Este ditado chama a atenção para a inexatidão dos modelos. O modelo não tem uma correspondência precisa com a realidade porque ele não se dispõem a contemplar toda a realidade (o que é impossível). O modelo só deve ser coerente com o aspecto da realidade que ele pretende tratar. Digo isto porque tenho certeza de que várias pessoas estão lendo o que escrevo e pensando, “mas as coisas não são bem assim, um jogador pode jogar bem com um colega e não com outro”, ou ainda, “mas a gente não sabe exatamente quem é melhor do que quem, só tem uma noção geral.”Estas considerações e muitas outras são válidas. Mas elas não anulam o ‘efeito par-ou-ímpar’, apenas mostram que a realidade é mais complexa do que o modelo. O fato é que no Vizinhança Champions League o par ou ímpar estava causando descontentamento. Ninguém queria tirar time, os times ficavam desequilibrados. A saída encontrada foi um jogador tentar armar dois times equilibrados de acordo com o bom senso. Como é previsível era bem comum a acusação de que quem montava os times sempre ficava no melhor. Daí os organizadores, cansados de ter que ficarem organizando tudo resolveram instituir uma regra: Os times serão formados por ordem de chegada. Quem chega primeiro fica para um lado, quem chega segundo fica para o outro lado. O que nos leva a escolha aleatória dos times. A meu modo de ver a escolha aleatória é a desistência de tentar montar times equilibrados e tem como única vantagem ser uma regra clara que não causa transtorno para os organizadores. Mas eventuais problemas persistiram, e quando duas pessoas chegam juntas? Quem vai para qual time? Na pelada de ontem houve protestos em relação a esta distribuição aleatória (feita por ordem de chegada). A crítica é a de que os times ficaram muito desequilibrados (o que não me agrada, mas que aceito por estar claro na regra) e de que quem chegou junto a outras pessoas escolheu em que time ficar. Independentemente das críticas serem ou não pertinentes tenho uma sugestão, uma forma justa de dividir os times.

Lembra quais eram os dois problemas do par-ou-ímpar? O primeiro é de que os dois que tiram o time não entram na escolha, então um pode ser muito melhor do que o outro. A solução para este problema é colocar dois jogadores do mesmo nível para tirar time. Normalmente temos dificuldade para a identificar se jogadores intermediários tem o o mesmo nível. Mas quase sempre há consenso sobre quem são os dois melhores, eles que tirem os times. O segundo problema é o ‘efeito par-ou-ímpar’ que faz com que todo o time escolhido pelo vencedor é melhor do que todo o time escolhido pelo perdedor. A solução para este prolema é simples.

Solução para o ‘efeito par-ou-ímpar`

O vencedor do par ou ímpar escolhe o primeiro jogador, o perdedor escolhe o segundo e o terceiro jogador, o vencedor escolhe o quarto e o quinto, o perdedor escolhe o sexto, e o sétimo, o vencedor escolhe o oitavo jogador. Em outras palavras, o vencedor faz a escolha de apenas um jogador, todas as outras escolhas serão de dois em dois jogadores. Nesta regra o time montado pelo vencedor do par-ou-ímpar será Time 1, {A,D,E,H,V} e o time time montado pelo perdedor do par-ou-ímpar será, Time 2, {B,C,F,G,P}. As habilidades do Time 1 são {15,12,11,08, X}, as habilidades do Time 2 são {14,13,10,09,Y}. A soma das abilidades do Time 1 (menos a pessoa que escolheu o time) é 46. A soma das habilidades do Time 2 (menos a pessoa que escolheu o time) é 46. Desta forma vencer no par ou ímpar não se constitui necessariamente uma vantagem. Será uma vantagem ganhar no par-ou-ímpar dependendo do nível dos jogadores. Não demonstração desta observação ficará para outro texto – pois tenho medo de ser enfadonho neste.

Par-ou-Ímpar-Americano

O par-ou-ímpar-americano é semelhante ao par-ou-ímpar. Para ser preciso: o par-ou-ímpar é um caso específico do par-ou-ímpar americano em que apenas duas pessoas tiram time. Nas peladas chamamos Par-ou-Ímpar-Americano o método de escolha de times em que três ou mais pessoas estão escolhendo times, embora (como chamei atenção neste parágrafo). Assim como no par-ou-ímpar cada pessoa é responsável por montar um time. Os que estão escolhendo o time formam uma roda, por sorte é escolhido o primeiro a selecionar um jogador, a pessoa a esquerda seleciona o segundo jogador, quem está a esquerda deste seleciona o terceiro jogador e assim se segue sucessivamente até que complete a roda. Momento em que a escolher será o primeiro da nova rodada a escolher um jogador. De fato assim se seguirá, o vencedor do par-ou-ímpar americano escolherá o primeiro jogador em cada rodada. No par ou ímpar (em que apenas duas pessoas tiram time) a diferença de habilidade será de um ponto para cada jogador. No Par-ou-Ímpar-Americano com quatro pessoas tirando time a diferena será de três pontos para cada jogador selecionado. De fato, a diferença de habilidade entre ambos os times será (x-1)n. Sendo 'x' o número de jogadores por time e 'n' o número de times.

Anulando o Efeito Par-ou-Ímpar Na escolha de mais dois times

A saída para anular o efeito ar ou ímpar quando da escolha de três times ou mais se dá através de uma ligeira alteração da regra do par-ou-Ímpar-americano: As pessoas que vão tirar o time se distribuem em uma roda e escolhem aleatoriamente o primeiro a escolher um jogador. Na primeira rodada ele é o primeiro a escolher, quem está a sua esquerda é o segundo a escolher e assim até completar a rodada. A pessoa que foi a última a escolher na primeira rodada é a primeira a escolher na segunda rodada, a segunda pessoa a escolher é quem está a sua direita e assim sucessivamente até terminar a rodada. O último a escolher na segunda rodada é o primeiro a escolher na terceira rodada, em seguida quem escolherá é o que está a sua esquerda... Enfim, a cada rodada troca quem é o primeiro a escolher e o sentido da escolha (horário ou anti-horário). Reparem que como o último a escolher em uma rodada é o primeiro a escolher na rodada seguinte ele escolherá dois jogadores. É por isto que no par-ou-ímpar (que ilustrei no começo do texto) depois da primeira escolha as escolhas são feitas de dois a dois jogadores: porque quando apenas duas pessoas escolhem o time o último de uma rodada é o primeiro da rodada seguinte.