PÁGINA 3 DE UM DIÁRIO: Trilhas do passado e interpelações, no Museu

Trilhas do passado e interpelações, no Museu de Arte Sacra (Belém/PA)

Belém, 23 de setembro de 2011.

Percorro os corredores, adentro salas do antigo Colégio de Santo Alexandre, onde antes se localizavam uma biblioteca com mais de dois mil livros e funcionavam as oficinas de pintura, escultura e encadernação, hoje ocupadas com exposições de imagens sacras e feitas em talha de madeira dourada ou policromada. Nelas observo quadros e esculturas, treino o olhar e com ele a percepção da mensagem de cada obra de arte. Procuro o que Walter Benjamin (1987a) buscava: a totalidade que se revela na singularidade...
Subo e desço degraus, ora palmilhando o chão de tijolo batido, ora os de madeira nobre... Meu pensamento, então, começa a mergulhar em reminiscências e interpelações... Que historias estariam silenciadas naquelas paredes, tecidas em pedra preta e grude de gurijuba? Sento-me um pouco para descansar. Meu olhar percorre o ambiente, desliza nas ásperas, largas e fortes paredes e se compraz com as flores do jardim ao vento a ruflarem... Lá onde no século XVII havia um pomar de frutas exóticas como a macieira da China, por exemplo. Nas esculturas que avisto, percebo o paradoxo, quase posso sentir sua paixão ... Ah!! Quisera eu que se descortinasse diante de meus olhos o tecido do tempo, e eu pudesse uma única vez vicejar o passado...
Tento imaginar as vozes daquela época neste lugar, outras vezes quase as ouço falar... As vozes diurnas de trabalhadores na construção desse grandioso monumento arquitetônico; cada bater do martelo no formão que esculpia cada coluna salomônica, cada arco de capelas e transcépto, dos detalhes das volutas dos altares e retábulos, os inúmeros anjos, em inúmeras cenas... O planejamento minucioso e atento de cada detalhe a serviço da mensagem da salvação, que pode ser lida na materialidade de cada obra, do teto ao chão, numa espécie de braile da arte, que somente os olhos conseguem ler. Olhos que só desvendam a partir do conhecimento e do treino da percepção. Mensagens que falam em silêncio: vozes em outra matéria, cores e formas; vozes dos Jesuítas entoando suas orações... Vozes tímidas de indígenas nas oficinas, diferentes dos sons das mãos que movimentam talhadeiras, martelos, goivas, e formões, formando uma orquestra de fenômenos acústicos, criando a sinfonia que tecia cada obra, cada parede, cada ideia... E o vento espalhando no ar o cheiro de comida sendo preparada e convidando para o banquete: talvez um peixe assado, o arroz, a salada e o feijão, açaí, farinha...
Mas quem foram realmente os jesuítas? (Intima-me uma pergunta). Nos livros de historia que passaram por mim, durante minha experiência estudantil, os apresentavam como catequizadores. Em outros, que ajudavam na conquista das tribos indígenas para, logo depois, serem dominadas pelos colonizadores e escravizadas. Sinto vontade de pesquisar sobre isso: qual foi a verdadeira relação dos jesuítas com os indígenas? Que atitudes estariam ensinando àquele povo, (chamado de selvagem e bestial pelos colonizadores), através de suas mensagens escultóricas e imagéticas em geral? Somente um estudo sério e exaustivo poderia revelar a verdade. Mas estou disposta, mesmo porque, para mim não será um sacrifício e sim uma fascinante aventura vivida e desbravada. E todas essas perguntas são o ponto de partida para minha investigação.
Marta Cosmo
Enviado por Marta Cosmo em 26/05/2013
Reeditado em 22/07/2014
Código do texto: T4310834
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