A dama do monte

A DAMA DO MONTE

Não estava lá!

Ainda não tinha chegado

Aquela paisagem agreste e linda, sem ela perdia todo o encanto.

Fazia falta, sentada naquela pedra, com o olhar vago, perdido na planície...!

Mas quem fazia falta?- perguntarão.

Ela! Era ela, quem fazia falta ali no monte, ela que fazia parte daquela linda e agreste paisagem.

Era uma senhora de meia idade; ainda se podiam ver nela, vestígios de uma beleza, que, havia já algum tempo tinha perdido o fulgor.

Quem visitasse o monte da Piedade, num Sábado aquela hora, decerto a veria, ensimesmada, com o olhar perdido em longínquas paragens. Quem sabe, se recordando momentos felizes da sua juventude?!

Ás vezes quando a observava mais atentamente, notava-lhe nos lábios um sorriso enigmático, enquanto lágrimas cristalinas lhe deslizavam pelo rosto, sereno, sem uma contracção ou franzimento. Que recordaria ela? Que acontecimento no seu passado, a faria chorar e sorrir em simultâneo?

Outras vezes, com um caderno assente no colo, escrevia...escrevia, quase em frenesim como se quisesse agarrar as lembranças antes que estas desaparecessem.

Qualquer que a visse, sentia uma enorme curiosidade...

Quem seria? Como se chamava? De onde vinha?

Quando acabava de despejar os seus pensamentos para a folhas brancas do seu caderno, a Dama do Monte, levantava-se, olhava em redor com um olhar sonhador, alisava mecanicamente o cabelo e a saia e entrava no seu velho carro arrancando suavemente, como que tendo pena de deixar o monte e a calma que nele reina...!

Nós, olhava-mos para ela de longe. Aquela senhora parecia-nos uma miragem inacessível. Pensava-mos todos, que, se nos aproximasse-mos ela se esfumaria no espaço e nunca mais a veríamos ali. Para nós era impensável o Monte da Piedade sem a Dama misteriosa. Se isso acontecesse, toda a magia e encanto daquele lugar desapareceria.

Tinha chegado a Primavera. Os dias tornaram-se maiores e mais soalheiros. Nós aguardávamos a chegada da enigmática senhora.

Os últimos dias tinham sido de muita chuva, por isso não podemos sair e passear pelo Monte, a nossa esperança era que também a velha senhora não tivesse ido, e que portanto, viesse hoje.

Sentados na escadaria da Igreja, esperava-mos que o velho Fiat aparecesse na curva da estrada, mas já a tarde declinava, e do carro nem vestígios...!

Olhavamo-nos interrogadoramente, viria? Não nos atrevia-mos a sair dali. E se ela viesse e nós não a víssemos?

Tinha-mos decidido que quando ela chegasse nos havíamos de aproximar e tentar falar-lhe.

Muito agitada a Sara afirmava:

- Eu não lhes dizia? É uma fada! Como adivinhou que queríamos falar-lhe desapareceu......

O André muito senhor dos seus conhecimentos espaciais respondeu:

- Que fada que nada! Veio de outro planeta. Eu bem vi quando um ovni aqui desceu e ela saiu! Eu estava sentado na janela do meu quarto. Era uma noite muito escura, só se viam as luzes da nave. Abriu-se uma porta e a Senhora saíu envolta numa cortina de fumo, que eu bem vi!!!

O André quase gritava perante o meu olhar de dúvida e o meu sorriso trocista....

- Ninguém pode duvidar do que vejo, ninguém!!!

A Sara esticava o pescoço para espreitar a estrada, mas nada, nem carro nem senhora.....nada!

Timidamente a Sofia comenta:

- Mas que ideia a nossa querermos falar com ela. E tudo só por causa de um cão sem dono.....Agora já não vem mais....! E se....se?

- Se o quê Sofia? – pergunta o André de cenho franzido

- Se ela...?

- ???????

- se ela morreu! Pronto já disse. – A Sofia corou como se tivesse dito um palavrão.

-

- nem penses uma coisa dessas! – dissemos todos em coro. - Isso não pode ter acontecido.....seria o fim...

E tão agitados estávamos, gritando um mais do que o outro, que só parámos quando ouvimos uma vós calma e doce que perguntava:

- Seria o fim de quê garotos?

Silêncio. Olhamos todos como que enfeitiçados e, lá estava ela a Dama do Monte sorridente, com um pequeno ramo de flores silvestres na mão?

Afinal ela falava – pensamos maravilhados.

Um pouco a medo, mas mais afoita do que nós, a Sofia aproximou-se e pegou-lhe na mão. Apalpou-lhe a saia branca de seda plissada, parecia não acreditar que fosse verdadeira....

De onde saíra? Nenhum de nós ouvira qualquer barulho, nem carro nem passos, nada...

A Sara olhava-nos zombeteira, como que a dizer-nos:

É ou não uma fada? Vêm? Eu é que tenho razão!

Enquanto o André pensava: - Só um extraterrestre pode aparecer assim sem ninguém dar por isso....

Sendo eu a mais velha do grupo, tomei para mim a responsabilidade de iniciar a conversa com a, para nós, misteriosa senhora.

Boa tarde minha senhora, como está hoje? – perguntei com um sorriso que me apanhava a cara toda.

- Hoje como sempre, estou bem, muito obrigada. – responde ela suavemente sorrindo.

- Desculpe, disse eu, estávamos falando de si.

- De mim? Quanta honra! – responde com ar divertido.

- E que falavam?

Olhámos uns para os outros. E agora? O que devíamos de dizer? Mais uma vez foi a inocente Sofia quem disse:

- é que a senhora não estava no sítio do costume, nós não a vimos e receámos que.....

Sofia parecia ter-se engasgado. André foi em seu auxílio, pensámos que a senhora tivesse.....morrido diz a Sara, como se atirasse com uma porta. Trás!

E porque seria o fim? E o fim de quê alem do meu?- pasmem ela deu uma gargalhada. Sabia rir como nós!

Bem, comecei a dizer, nós costumamos vê-la quando se senta naquela pedra a olhar lá para baixo sem se mexer, ou quando escreve. Para nós a sra. Tem muito encanto e magia; então decidimos que quando cá voltasse tentaríamos falar-lhe saber quem era, donde vinha, enfim... sabe como é?- ufa! Que discurso! Sentia-me aliviada. Conseguira dizer tudo de um só fôlego..

Muito bem. Diz a Dama; e que querem saber? Estou pronta a responder ao vosso interrogatório.

- Verdade?- Perguntámos em coro.

- Verdade, verdadinha, verdadeira, responde risonha sentando-se connosco na escadaria.

Então posso começar? – pergunto um tanto ou quanto duvidosa.

Sim. – responde- podes começar.

Então lá vai. Como se chama? De onde é? É uma fada? Uma extraterrestre?

Sorrindo ela diz:

O que para aí vai! Calma, vamos devagar.

Como me chamo? O meu nome é Dulce. Não. Não sou uma fada e também não sou uma extraterrestre.

Então?- pergunta a Sara arregalando os seus bonitos olhos azuis.

- Porquê tanto interesse na minha pessoa?

Senti os olhos de todos fixos em mim, como dizendo:- vamos Marta faz tu as perguntas.

Muito educadamente e tímida Sofia diz:

- Primeiro deixe que nos apresentemos, eu sou a Sofia, tenho 8 anos e ando no 3º ano, esta é a Sara, tem 10 anos e está no 6º ano, aquela é a Marta, tem 13 anos está no 8º e o André também tem 13 anos e também está no 8º ano. Somos todos amigos. Abençoada Sofia sempre educada e atenciosa, sendo a mais nova era sem dúvida a mais atenta e a mais calma..... e continua:

- Sabe sra. D. Dulce, nós costumamos vir para aqui andar de bicicleta aos fins de semana, depois de fazermos os trabalhos de casa. E sempre á mesma hora, vemos a sra. Sentada, imóvel naquela pedra....

A Sara apressadamente diz: - parecia uma estátua, até ao dia em que aquele grande cão amarelo, se aproximou deitou a cabeça no seu colo, e, a senhora lhe fez festas.

- O que tem isso de estranho? Inquiriu ela suavemente

- Nada - digo eu – fazer festas a um cão, nada tem de estranho. A senhora é que é estranha...

- Sou? Nunca tinha dado por isso, diz soltando uma gargalhada. Atónitos nem queríamos acreditar que ela risse exactamente como nós.

Olhámos para ela e pareceu-nos de repente que ela se transformara numa jovem da nossa idade rindo e galhofando connosco.

Então ela contou que tinha estado em África, que era viúva, que tinha filhos, que tinha netos, que....que....que...uma infinidade de histórias.

Ensinou-nos adivinhas: - o que é que é que vai deitado e vem em pé? – É um cântaro! – nenhum de nós sabia o que era um cântaro, nem a candeia que enche a casa até á telha; e, muito menos o que era uma nora com alcatruzes; mas lá que era divertido era. Rindo e brincando, não demos pelo tempo passar. Já eram perto das dez horas da noite quando ela diz:- bem meus queridos, são horas de regressar a penates!

E, levantando-se, deu-nos um beijo quente e terno; depois seguiu para o lado de trás da Igreja e desapareceu.

Ficámos estáticos, a vê-la desaparecer......

De repente o André diz quase gritando:

- Regressar a Penates! É isso! Eu bem tinha razão.

- Razão? Porquê? Em quê?- Perguntamos todas á uma.

- Nunca ouviram fala em Penates? – são mesmo estúpidas – toda a gente já ouviu falar!

Estávamos aturdidas, que raio seria Penates?

Doutoralmente o André explicou:

- Penates é um planeta satélite da Lua, da Terra e de Marte.

- É? Mas nunca nos falaram dele...! só conhecemos nove. E começámos: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte.......

- Afinal eu tinha razão. Continua o André. A Dama do Monte é uma extraterrestre.

Não contestámos. Para quê?

Era muito mais bonito ficarmos a pensar que ela era um ser irreal etéreo, do que uma simples mortal de carne e osso como nós.

Fomos para casa. Tomei um duche e deitei-me. Adormeci e sonhei que estava em Penates ao lado da linda e misteriosa Dama do Monte......

Penates era um planeta lindo...! Muito verdinho........com muitas flores. E lá, as pessoas não caminhavam no chão, flutuavam como se fossem nuvens no espaço.......

Uma coisa assim só mesmo em Penates, diria o André, se podesse ver o meu sonho.

Piedade, 13 de Abril de 2001

Maria Isabel Galveias

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Maria Isabel Galveias
Enviado por Maria Isabel Galveias em 17/08/2005
Reeditado em 13/05/2006
Código do texto: T43322