PEQUENA INTRODUÇÃO A TRÊS POEMAS DE MARIAH ALVES

“Pequena introdução a três poemas de Mariah Alves”

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(poema 1)

Meus dedos de aço e lua

_Silhueta e perfil selvagem

ruminam brotos de acácias,

perfuram, destilam amor e cio.

Saliva e orvalho translúcidos

preparam chuvas,

estupram pele e o desejo

torna-se insensato,

quase morte.

Meus dedos de sol e ferro,

fetiche de um rito ao sexo,

riscam linhas imprecisas em seu corpo,

tão meu

tão seu

tão ao acaso...

um favo oculto das línguas misteriosas,

orgasmo de sáficas maiores,

irrigando excitação.

No fluxo final da noite,

sou carimbo digital

nos nervos do teu corpo.

Sou agulha e estilete,

diagrama e epitáfio,

incrustação do eterno

gravada no ventre,

nos escaninhos do teu ser,

no ardor que vem conosco

no ardor que vai no vento.

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(poema 2)

Desenhas na minha pele

a tua caligrafagem.

É teu símbolo de ferra,

asteroide candente.

Taça de vinho,

viola de pinho.

É tatuagem de fogo

e chaga tostando flores.

Teus beijos a cobrir minha nudez!

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(poema 3)

Por que não vieste na hora desejada pelo tempo,

enquanto se sazonam os frutos?... E dormiríamos

ao sabor do vento...

Nos atrasamos um para o outro...

tardamos tanto que nosso abraço hoje

é paisagem de amor.

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“A palavra exata é aquela / que se cerca de palavras.” (Alcides Vilaça)

Mariah Alves, embora faça questão de não se reconhecer como tal, é uma poeta brasileira. Morando em Niterói, RJ, reúne no ambiente internet sua produção literária (poemas e prosa poética), numa produção constante e avassaladora. Não tem livros publicados, prescinde disso. Quando a conheci, assinava seus textos como Mariah Bonitah no sítio literário virtual Recanto das Letras (http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=112077), depois encontrei outros textos no mesmo recanto assinados por uma certa Maristela Sahione (http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86027), ela mesma. Alguns poderão pensar na idéia dos heterônimos pessoanos. A diversidade de nomes indicam, contudo, apenas a construção identitária que explicita sua própria personalidade respondendo, provavelmente, a estímulos de tempos diversos para vivências diversas na teia virtual.

Seus textos primam pela excelência do sentimento à flor da pele, numa relação inusitada entre verbo e carne. A sutil picardia textual que se insinua nos interstícios poéticos, os fortes acentos sensualizantes e a sagacidade imagética são seus traços mais característicos. Também saltam à vista o desejo de completude entre arte e vida, engenho pelo qual seus versos bradam: Meus dedos de aço e lua / _Silhueta e perfil selvagem / ruminam brotos de acácias, / perfuram, destilam amor e cio. Foi nessa teia que fiquei preso, como, aliás, muitos outros, como percebo nos Comentários de seus interlocutores virtuais.

Com o passar do tempo e o advento de novas redes sociais – notadamente o Facebook – ampliou-se as conversas comezinhas que, a meu ver, sustentaram o diálogo que permitiu aprofundar-se um pouco mais em seu mundo e assim fosse permitido fazer uma reanálise do que já lera anteriormente. Em tais contatos, foi-me concedida a permissão da amizade – Alves é um tanto “arisca” nas conversas – o que facilitou a interlocução. Essa possibilidade acentuou ainda mais as nuances interpretativas, fator este que exigiu uma tour de force que não era a premissa inicial, razão pela qual optei pela desistência, por enquanto, de uma análise mais acadêmica, fincando os estudos que aqui apresento mais como uma nota mais jornalística.

Outra questão fundamental é que baseei minhas interpretações e comentários nos apontamentos sugeridos através dos escritos de Bachelard, Bandeira e Paixão, a quem rendo, com outros, meus modestos conhecimentos da arte poética.

Mariah revela uma poesia luxuriosa, carregada nas tintas de um sweetheart nunca angelical, mas devidamente alocado na realidade irônica do século presente, da vida presente, das relações presentes. Recortando um exemplo, em Nos atrasamos um para o outro... / tardamos tanto que nosso abraço hoje / é paisagem de amor ela revela humor ácido para situações corrosivas da experiência do amor. Este antagonismo entre os sexos vai se intensificar em Sou agulha e estilete, / diagrama e epitáfio, incrustação do eterno / gravada no ventre, / nos escaninhos do teu ser, / no ardor que vem conosco / no ardor que vai no vento dando a entender que o amor aqui só é visível pelo viés do contender. Mas nem sempre é assim. A professor a e pesquisadora Ivone Daré Rabello (USP), nos afirma em sua obra Poesia e Humor, sobre a poética de Carlos Drummond de Andrade que, “umas das marcas reconhecidas da poesia de Drummond está em sua atitude diante dos impasses das subjetividade (...).” feitos os devidos recortes, é salutar que se reconheça quem em Mariah Alves também se perceba que há recortes precisos, quase cirúrgicos, na artesania a que se propõe. Pois se o gauche encontra no patético a possibilidade de climatizar o verso, a poeta aqui estudada também encontra saídas para a prospecção de sua poiésis.

Tomando emprestado versos de outro poema seu aqui selecionado, podemos verificar uma visão complementar. Nos versos de Por que não vieste na hora desejada pelo tempo, / enquanto se sazonam os frutos?... / E dormiríamos ao sabor do vento... ela nos dá o alento do carinho sincero, da placidez e da esperança, os principais expositores desse amor sui generis.

A poeta revela-se uma grata surpresa para a prática da poesia não-midiática, longe do trono desfigurador do academicismo. Madura, reconhece-se aprendiz e diz-se não poeta, “apenas alguém versifica os sentimentos e as sensações”. Dentro daquilo que entendemos por poesia, todavia, reconhecemos rápido nela a voz do ineditismo, as dúvidas e as perguntas que todo aquele que se diz poeta deve fazer ao seu labor.

Fontes:

Bachelard, G. A água e os Sonhos. SP: Martins Fontes, 2009.

Paixão, F. O que é poesia. SP: Círculo do Livro, 1994.

Rabello, I.D. Outros. Drummond Revisitado. Poesia e Humor. SP: UNIMARCO, 2202.

e-Fontes:

Fronckowiak, A.C. Richter, S. A poética do devaneio e da imaginação criadora em Gaston Bachelard. http://www.gedest.unesc.net/seilacs/devaneio_angelaesandra.pdf <Acesso em 20/07/ >

Bonitah, M. Recanto das Letras. Perfil. (http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=112077 <Acesso em 22/07/13>

Sahione, M. Recanto das Letras. Perfil. http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86027 <Acesso em 22/07/13>