GRAMSCI, Antonio - Filósofos Modernos e Contemporâneos

GRAMSCI, ANTONIO

1891 – 1937

A Teoria da Hegemonia, ou “O Bloco Hegemônico”.

Quarto, dos sete filhos que FRANCESCO GRAMSCI gerou, Antonio passou a infância em várias comunidades de sua Sardenha natal, até que um prêmio recompensou-lhe o esforço nos estudos e o levou para Turim, onde ele estudou Literatura na universidade local.

Seu pai teve contínuos problemas com a Polícia e nunca foi capaz de oferecer boas condições materiais para a família. Dessa sorte, a penúria na infância desempenhou um papel preponderante em seu ideário e em sua inclinação à Esquerda Política, onde atuou primeiramente através do Partido Socialista Italiano - PSI.

É certo que também contribuiu para sua tendência Socialista o meio ambiente em que ele viveu na época de universitário, pois Turim experimentava na ocasião um vigoroso desenvolvimento industrial e as fábricas da Fiat e da Lancia recrutavam operários em várias regiões do país (e no estrangeiro) e estes fortaleceram sobremaneira os sindicatos que, então, passaram a promover manifestações anticapitalistas e, claro, favoráveis ao Marxismo.

Assim, vivendo nesse “caldo de cultura”, GRAMSCI participou ativamente de manifestações, associou-se a vários “Círculos de Estudos Políticos” e cerrou fileira com seus conterrâneos, os migrantes sardos.

Durante e após a graduação (tanto por idealismo, quanto por necessidade financeira) ele trabalhou como jornalista e acabou sendo publicado em quase todos os orgãos da “Imprensa Esquerdista”, como, por exemplo, o jornal “Avanti (órgão oficial do PSI)”.

Especializando-se em “Teoria Política”, foi um autor prolífico e, também, como editor de diversos jornais Comunistas, contribuiu efetivamente para a divulgação das Ideias da Esquerda, tanto em quantidade, quanto em qualidade.

A propósito, é oportuno registrar que lhe coube à missão de fundar o “L’Ordine Nuovo”, em conjunto com PALMIRO TOGLIATTI, em 1919. E também mencionar a valiosa contribuição que prestou para a criação do “La Cittá Futura”.

Quanto à prática política, registre-se que pouco tempo após a fundação do “L’ORDINE Nuovo”, ele e o grupo de fundadores, mais aqueles que se tornaram colaboradores e/ou simpatizantes, aliaram-se a AMADEO BORDIGA (e à ala Comunista Abstencionista do Partido Socialista Italiano [PSI]), e fundaram o Partido Comunista Italiano – PCI – em 21 de Janeiro de 1921.

Graças à sua importância junto à intelectualidade e aos correligionários, logo foi elevado à condição de líder partidário, mas até 1924 foi mantido como subordinado a BORDIGA em razão de detalhes formais. Só após a queda do mesmo, é que ele pôde assumir de fato e de direito a direção da agremiação.

A partir de então, as suas teses passaram a ser oficialmente adotadas pelo PCI e se tornaram quase que inquestionáveis a partir do “Congresso Partidário” realizado em 1926.

Antes, porém, um fato marcou a sua vida pessoal. Estando na Rússia como representante de seu Partido, conheceu a jovem violonista GIULIA SCHULTZ que lhe deu dois filhos.

Outro fato ocorrido nesse mesmo ano também teve importância capital em sua vida, embora naquele momento não se tivesse a exata noção do que representaria o advento do Fascismo na Itália.

GRAMSCI, de fato, desdenhou o movimento “Ultra Direitista” e o classificou como mais um “estertor sem importância da Burguesia”.

Contudo, na URSS, a visão sobre o fato já era mais sombria e realista e foi por isso que ele recebeu da Internacional a missão de juntar as “Forças Esquerdistas” em uma “Frente Ampla” – preferencialmente sob a liderança dos Comunistas – para dar combate sem trégua ao novo inimigo.

Desse modo, coube-lhe não só uma missão apenas, mas duas, haja vista que além de combater as hordas de MUSSOLINI, ele deveria levar o PCI à liderança da “Frente Ampla”, dando aos Comunistas o status de “A Nova Força Política”.

Claro que tal pretensão encontrou feroz resistência em todo o leque formado pelas demais “Forças Progressistas”, sendo que para o Partido Socialista era inaceitável abandonar a sua sólida e longa posição de supremacia. Já os outros segmentos temiam perder espaço e poder.

Mesmo dentro do PCI, houve quem temeu acabar sendo subordinado aos Socialistas, não obstante todo esforço que fizessem para que tal não ocorresse.

Contudo, apesar das divergências, GRAMSCI prosseguiu em sua tarefa e em 1924 foi eleito Deputado pela região de Vêneto e com isso ganhou uma tribuna importante para lançar seus ataques contra o Fascismo que, então, já ensaiava um galope rumo ao Poder.

Paralelamente ao labor no Legislativo, GRAMSCI trabalhava na fundação de mais um jornal a serviço da Causa Comunista, o “L’Unitá” (que posteriormente passaria a ser o órgão oficial de Imprensa do PCI) e mantinha estreita colaboração com Moscou, quer através dos caminhos oficiais, quer através dos contatos feitos por sua família, que ali ficara residindo por questões de segurança e de afinidade ideológica, enquanto ele permanecia em Roma.

E dessa maneira, a sua vida prosseguia até que em 1926 dois acontecimentos importantes, sacudiram sua rotina e marcaram a sua atuação política.

O primeiro foi a carta que enviou ao Komiterm criticando as manobras da “Ala Esquerda” do Partido Bolchevique (representada por Zinoviév e por Lev Davidovitsch Bronstein, mais conhecido por TROTSKY) em oposição a Stalin; mas, também, apelando ao mesmo para que não castigasse aqueles opositores.

Sem que se saiba dos motivos, tal carta acabou sendo interceptada por PALMIRO TOGLIATTI, que estava em Moscou representado o Partido. Essa interceptação iniciou um desentendimento entre ambos que nunca foi totalmente resolvido. E que deixou certa dúvida sobre as simpatias de GRAMSCI por STALIN ou por TROTSKI.

NOTA do AUTOR – Togliatti, após a morte de GRAMSCI cuidou da edição de suas obras, mas nem por isso aceitou fazer qualquer comentário sobre a suposta simpatia do companheiro a Stálin ou a Trotski, tampouco sobre a desavença entre ambos.

O segundo episódio foi deveras marcante. Pode-se dizer que foi mesmo crucial. Ocorreu em 08 de Novembro, quando a Policia o prendeu.

Após o julgamento, GRAMSCI foi condenado a cinco anos de reclusão na remota ilha de Ustica e no ano seguinte a mais vinte anos, na cidade de Turim, na região de Púglia.

Certamente que essas condenações, oriundas muito mais de injunções políticas do que jurídicas, agravaram seu estado de saúde que já vinha debilitado há algum tempo.

A rápida evolução de suas enfermidades fez com que lhe fosse concedida Liberdade Condicional, em 1934, mas ele pouco desfrutou da mesma, pois faleceu pouco depois aos 46 anos de idade.

Os Escritos

Geralmente a obra de GRAMSCI é dividida em “Pré” e “Pós” prisão.

No primeiro período, ele se dedicou aos Ensaios sobre Literatura e Teoria Política que, como já se disse, foram publicados em diversos órgãos da Imprensa. Principalmente, naqueles dirigidos aos operários e aos adeptos e/ou simpatizantes da “Esquerda Política”.

NOTA do AUTOR - no Brasil, uma parte desses textos foi compilada e publicada em um único livro intitulado de “Escritos Políticos”.

No segundo período, enquanto estava encarcerado, GRAMSCI produziu duas obras essenciais para o Pensamento Moderno:

1. As Cartas do Cárcere – coletânea de suas missivas aos amigos e familiares, com relatos de seu dia-a-dia na prisão e com reflexões políticas e filosóficas.

2. Cadernos do Cárcere – obra volumosa, dividida em trinta e dois volumes, ou cadernos, num total de 2.838 páginas. Originalmente esses textos não estavam destinados à publicação, pois o conteúdo dos mesmos aproxima-se bastante daquele contido nas “Cartas do Cárcere”, porém são mais detalhados e aprofundados.

Foi a sua cunhada, TATIANA SCHUCHT, quem os enumerou, porém sem atentar para a ordem cronológica dos mesmos, reduzindo em um primeiro momento, o impacto que causaram entre os intelectuais e o público.

Posteriormente, após o fim da Guerra, FELICE PLATONE os revisou e a Editora Einaudi os publicou, juntamente com as “As Cartas”, em seis volumes que foram subtitulados de:

a. Il Materialismo Storico e La Filosofia de Benedetto Croce, 1948.

b. Gli intellettuali e La Organizzazione della Cultura, 1949.

c. Il Risorgimento, 1949.

d. Note sul Machiavelli, sulla política e sullo Stato moderno, 1949.

e. Letteratura e Vita Nazionale, 1950.

f. Passato e Presente, 1951.

Em 1975, por iniciativa de VALENTINO GERRATANA, a obra foi republicada com os devidos cuidados que o seu conteúdo merecem.

Também foram publicados, em um só volume, os outros “Escritos” que antes haviam sido divulgados nos jornais “Avanti”, “Grido Del Popolo” e “La Ordine Nuovo”.

A Teoria de GRAMSCI

A influência do ideário de GRAMSCI ainda é importante. Não são raras as consultas às suas obras, pois nelas – principalmente em “Cadernos da Prisão” – está contida a quase totalidade de seu pensamento, que é sempre uma referência para a solução das questões filosóficas que sejam levantadas.

A obra pode ser desmembrada entre os seguintes tópicos:

1. Hegemonia Cultural

2. A Ampliação da Concepção Marxista de Estado.

3. A Necessidade de Educar os Trabalhadores e Formar Intelectuais oriundos das “Classes Obreiras (a quem o Filósofo chamava de “Intelectuais Orgânicos")”.

4. A diferenciação entre a Sociedade Política e a Sociedade Civil.

5. O Historicismo Absoluto.

6. A Crítica do Determinismo Absoluto.

7. A Crítica do Materialismo Filosófico.

8. A Análise do Americanismo e do “Fordismo (a produção em série)".

Na sequência adentraremos nesses Conceitos, analisando brevemente o cerne de cada qual.

Hegemonia Cultural

Propôs o Filósofo que os “Aspectos Culturais” da sociedade (a “Superestrutura” do Marxismo) constituem o ponto inicial a partir do qual se pode realizar uma “Ação Política”.

Afinal, é através desse espaço que se cria e se reproduz a “Hegemonia”, ou a “Ideologia Hegemônica ou Dominante” que uma Classe utiliza para explorar a outra.

NOTA do AUTOR – um ponto interessante a ser notado é que a “Hegemonia Cultural” – enquanto instrumento de dominação – também é aplicada pela “Elite Dominante” de modo camuflado, de forma disfarçada, como acontece, por exemplo, quando obriga um mensageiro de Hotel a usar um uniforme ridículo, sem qualquer serventia prática, apenas para reforçar a diferença que existe entre ele – o empregado inferior, subalterno – e o hóspede pertencente à Classe Dominante. Esses pequenos gestos, repetidos a exaustão, reforçam o complexo de “inferioridade” do “mensageiro subalterno” e o de “superioridade” do hóspede, fazendo com que a distância entre ambos acabe sendo considerada natural, ou, no mínimo, tolerada por se julgar que seja inelutável.

Segundo GRAMSCI, o poder da Classe Dominante não está escorado apenas na “força das Armas”, pois se assim fosse, bastaria que as Classes Subjugadas montassem “Forças Armadas” equivalentes ou superiores.

NOTA do AUTOR – é claro que a montagem de tais “Forças Armadas Proletárias” seria extremamente difícil, bem como o sucesso da empreitada, mas nenhum desses obstáculos seria intransponível, haja vista que o sucesso bélico pode ser alcançado graças à habilidade, à motivação dos combatentes, à tática empregada (como, por exemplo, a de “Guerrilha”) etc. É sabido que o indivíduo que luta para defender a sua casa, sua família, sua liberdade e a sua própria vida, combate com muito mais empenho que o Mercenário que é pago para defender Tiranos e interesses que não são propriamente os seus. O exemplo mais conhecido desse fato é a vitória do Vietnã sobre a superpotência estadunidense, nas décadas de 1960 e 1970, mesmo que para tanto tenha recebido efetiva ajuda da China e da ex-URSS.

Para ele, o que garante efetivamente o Poder de que desfruta a Classe Burguesa, ou a “dominante” segundo a época, é a Hegemonia Cultural que ela impõe aos subjugados, através do controle que exerce sobre as instituições que compõe a Sociedade Civil; ou seja, religiões, meios de comunicação (ou Imprensa), sistema educacional etc.

Usando ardilosamente esses instrumentos, a Elite “adestra” a Classe Dominada para a resignada obediência política, civil e servil. Amestra seus componentes para que aceitem o jugo e a canga, como se fossem inevitáveis e naturais.

E vivam em permanente e silenciosa submissão, reprimindo (e talvez até se esquecendo) de seu potencial revolucionário.

Em nome de “valores e coisas abstratas” como “Nação” ou “Pátria”, cria na Classe Subjugada o falso sentimento de “união sagrada” entre todos os indivíduos que habitam o mesmo território. Como se entre “Exploradores” e “Explorados” houvesse, de fato, um vínculo concreto, real e justo.

E cria, por consequência, o “Inimigo externo”, que a todos ameaça (sic), fazendo com que se esqueça de que o inimigo real e verdadeiro do homem é aquele outro que o explora; e não um estrangeiro qualquer que em nada o molesta.

Em nome de um falacioso e ilusório “Destino Nacional”, de uma “Dignidade Patriótica” e outros chavões similares, a Elite monta a farsa de que existe uma Sociedade concebida como um “Todo”, livre de antagonismos sociais, isento de privilégios (falcatruas como, por exemplo, o “direito à herança”), de sórdidas combinações, de miseráveis injustiças socioeconômicas e outras tantas iniquidades.

Cria, pois, um “Bloco Hegemônico” (mas não homogêneo) que amalgama todas as Classes em torno de um projeto burguês. Em torno de seu projeto.

As Classes Subalternas, ou Exploradas.

A partir, então, da constatação indubitável de que existe uma Classe Dominante e uma Classe Subjugada, os estudos de GRAMSCI mudam o foco e ele passa a investigar os motivos dessas existências e os meios que seriam capazes de alterar as posições, levando o Proletariado a se tornar a Classe Dominante.

A maneira de como seria possível que o Proletário, conquistasse o Poder e se tornasse a Classe Hegemônica.

Sabe-se que tradicionalmente as Classes Exploradas (anteriormente, os escravos, os párias etc. Atualmente, o Proletariado urbano e rural, o subproletariado, a pequena burguesia) são desunidas.

E que a sua união só acontece quando excepcionalmente convertem-se em “Estado”, ie, quando chegam a dirigir um “Estado”. Mas, mesmo nesses casos, a união é precária, como se viu, por exemplo, na França após a Revolução e a tomada do Poder. Logo, Jacobinos e Moderados lutavam entre si e contra outros grupos, facilitando a derrocada da Insurreição e a volta da Monarquia e do antigo estado de coisas.

Mas, o que leva à desagregação das Classes subjugadas?

Essa questão já havia sido tratada por vários outros eruditos, dentre os quais se destacou JEAN JACQUES ROSSEAU que em sua obra “Do Contrato Social” diz que “se há, assim, escravos por natureza é porque houve escravos contra a natureza. A força produziu os primeiros escravos, a frouxidão destes os perpetuou”.

GRAMSCI concordava parcialmente com essa afirmativa, mas ia além da força bruta e localizava nas intenções e nas práticas que as Elites impõem ao restante da Sociedade, o motivo de haver a continuidade desta cega obediência.

Primeiramente através da restrição aos bens materiais. Concedendo aos explorados apenas o mínimo necessário à sobrevivência* torna mais aguda a rivalidade entre os indivíduos que, desse modo, enxergam o Outro apenas como seu concorrente direto pelos parcos recursos e, portanto, seu “inimigo visceral”, a quem deve, no mínimo, evitar.

NOTA do AUTOR – sobrevivência* que interessa à Elite, para que trabalhem como semiescravos em suas fazendas, em suas fábricas etc.

Secundariamente, mas não menos importante, sufocando qualquer possibilidade de “Conscientização Individual e de Classe” através da Cultura e da Educação, sonegando-lhes o acesso às opções reais de ambas.

Em relação à Cultura oferece, quando muito, selvagens, toscos e rudes espetáculos catárticos e/ou medíocres entretenimentos como se fossem “Eventos Culturais” genuínos.

É, na verdade, a continuação “Circo Romano” através dos rodeios, das touradas, das vaquejadas, das lutas, dos circos, das competições futebolísticas etc. e, também, através de programas de televisão, telenovelas, músicas indigentes, literatura primárias, filmes medíocres etc.

Tristes arremedos que se tornam mais um instrumento que amplia a alienação do indivíduo explorado, embrutecendo cada vez mais a sua sensibilidade, a sua inteligência e o seu poder de sentir-se um homem, na extensão do termo.

Quanto à Educação, têm-se duas situações que aparentemente são divergentes, mas que no fundo produzem os mesmos maus resultados.

Em primeiro lugar vemos, a exemplo do que acontece em nosso País, “ilhas de excelência” em algumas universidades públicas e nalgumas escolas particulares.

Mas essas não são suficientes para compensar o caos absoluto que reina nas “Escolas Públicas”, mormente nos países governados pelo Capitalismo mais ortodoxo, ou “selvagem” como dizem alguns críticos. Tome-se, por exemplo, as escolas públicas dos bairros pobres nos EUA e a imensa maioria das mesmas nos países subdesenvolvidos, como o Brasil.

E mesmo nos países com boas escolas e universidades públicas, a grade de ensino é toda voltada para o “adestramento” e não para ofertar o verdadeiro “Conhecimento”.

Adestra-se a criança para que ela se torne um adulto que produza bastante em beneficio do Capital e não para que adquira sabedoria.

NOTA do AUTOR - portanto, mesmo que o Brasil resolvesse a sua situação educacional vergonhosa, em termos de “saber real” pouco adiantaria. Certamente só se imitaria o que ocorre nos Países desenvolvidos da Europa.

Dessa sorte, sem Educação e sem Cultura, resta ao proletariado arrastar o seu cotidiano miserável sem qualquer perspectiva de que venha a criar uma “Consciência de Classe” que possa congregar os seus interesses e fazer frente à Ideologia Dominante que é imposta pela Elite.

A Classe Dominante usando o célebre princípio de Maquiavel (1469-1527) “Dividir para Governar”, separa, divide, desagrega os componentes da Classe Explorada e esses, por não serem capazes de se articularem, seguem dissolvidos em um só “rebanho”, ao qual se oferta algumas sobras do “banquete capitalista” e a ilusão de que se faz parte de um conjunto hegemônico (mas, NÃO Homogêneo).

A Eventual Ascensão da Classe Subjugada.

Contudo, essa hegemonia, por vezes, é rompida e tais crises acontecem quando as Classes Dominantes não conseguem mais dirigir os outros segmentos sociais. Quando perde a capacidade de impor a sua vontade, geralmente por conta de suas próprias contradições e desavenças internas.

Nessas ocasiões, quando a “Classe Subalterna” se mostra à altura e pronta a resolver as dificuldades que a Elite não solucionou, ela assume o posto de “Dominante” e com isso cria um novo Bloco Hegemônico, mesmo que também não seja homogêneo.

Para GRAMSCI, este é o “Momento Revolucionário”, que tendo se iniciado no nível da Superestrutura*, rapidamente também abarca o aspecto econômico, ou material, abrangendo, pois, todo o “Bloco Histórico”; ou seja, a Estrutura (os aspectos materiais, físicos) e a Superestrutura (no sentido marxista, ie, nos aspectos morais, culturais, políticos, ideológicos etc.)

Consciência de Classe

Tomando a sua Itália natal como referência, GRAMSCI alude ao fato de que às vezes a Predominância (ou hegemonia) pode ser apenas parcial, como acontece com a da igreja Católica, a qual, ainda que lute tenazmente para manter a sua unidade, tem que conviver com a ruptura existente entre os “Fiéis Simples (talvez simplórios)” que aceitam seus dogmas sem questioná-los e os “Fiéis Intelectualizados” que os aceitam, mas também os questionam.

É uma ruptura que ela não pode evitar, mas somente controlar para que não se aprofunde ao ponto de ameaçar sua própria existência enquanto Classe ou Grupo Dominante.

NOTA do AUTOR - A ruptura entre os “Simples” e os “Intelectuais” não se restringe, claro, ao campo da Religião, mas o exemplo da Igreja é importante por demonstrar uma das artimanhas que a Elite usa para se manter no Poder: “ceder os anéis para preservar os dedos”.

Porém, no terreno da Política, da vida prática, a divisão entre as pessoas é mais ostensiva e a disputa mais acirrada, o que leva a um tipo de controle que não seja apenas abstrato, místico (excomunhão etc.) como aquele exercido pela Igreja Católica.

O convencimento agressivo e a violência explícita e coercitiva são usados pela Classe Dominante de modo rotineiro e sem nenhum pudor.

Por isso, a tarefa primeira do Marxismo* deve ser a de elevar o “Proletariado Simples” ao maior patamar possível de conscientização sobre o quanto lhe exploram. Será o primeiro passo para que ele se articule com seus pares e possa lograr sucesso contra as arbitrariedades que lhes são impostas.

NOTA do AUTOR – mesmo que a principio essa elevação de patamar seja desarticulada, o simples fato de um operário pensar sobre a miséria em que vive e saber que ela não é natural, que não é um “castigo de Deus” já será visto como um grande avanço. Uma vitória da Filosofia da Práxis*, como GRAMSCI o Marxismo.

E para que isso ocorra é necessário que haja uma aproximação entre intelectuais e proletários, pois o processo de conscientização segue necessariamente ao de elevação mental e cultural, já que é a ignorância que facilita a dominação.

Como, aliás, se pode observar no operariado mais rude, que em geral não tem consciência de seu potencial revolucionário, tampouco do papel que poderia desempenhar no processo de eliminação da injustiça que lhe causa miséria e servidão.

Segundo GRAMSCI, o proletariado não tem uma clara e desenvolvida Consciência Teórica sobre o seu trabalho. E consequentemente, tampouco sobre o Mundo, que ele transforma com o seu labor.

Assim, a sua rudimentar “Consciência Teórica” pode até se rebelar contra a indigência em que vive, mas será uma revolta estéril, sem resultados práticos e, quase sempre, dirigida para “inimigos irreais*”, como, por exemplo, os torcedores de outro time de futebol (sic).

NOTA do AUTOR – “inimigos irreais*” fabricados maquiavelicamente pelas Classes Dominantes, como já se disse alhures.

Ou, então, a sua rebeldia assume a forma de crime comum, que pode descambar para a violência gratuita, principalmente contra familiares (especialmente contra as mulheres e as crianças), subordinados, animais e outros Seres que teoricamente estariam em um degrau abaixo que o seu.

Além disso, ele pode realizar outras formas de protesto, como greves, por exemplo. Mas, neste caso, a “Classe Dominante” recorrerá ao “Exército de Reserva*” e substituirá sem maiores problemas aqueles que ousaram protestar, além de inibir que novos revoltados ousem reclamar.

NOTA do AUTOR – Exército de Reserva* – o contingente de desempregados (as) que o Capitalismo mantém estrategicamente e que aceita trabalhar sob qualquer condição e por qualquer salário, haja vista não existir alternativas que possam minorar a sua miséria.

Por isso, a verdadeira compreensão sobre si mesmo e sobre as causas de seus sofrimentos só pode ocorrer através de doutrinamento ideológico e da participação efetivas nas lutas que forem necessárias.

A “consciência, ou conscientização política individual” é, pois, a primeira escala de uma progressiva “Autoconsciência” que redundará na “Consciência de Classe”, ou seja, na “conscientização” de que se pertence a uma Classe e que esta mesma classe, pode se transformar numa força capaz de atuar politicamente para corrigir as injustiças.

Porém, insistia GRAMSCI, para que tudo isso aconteça é imperioso que exista uma junção entre Proletários e Intelectuais. Afinal, para que aqueles se organizem e sejam eficientes em sua luta por independência e justiça, é necessário que os eruditos ajudem-nos a se conscientizarem e a se organizarem para que logrem êxito em suas demandas.

O Partido Político

GRAMSCI, seguindo o espírito da época e as suas convicções marxistas, creditava ao Partido a suprema importância de ser o único organismo capaz de aglomerar elementos dispersos e assim formar a Sociedade justa que se quer.

Citando MAQUIAVEL (Nicólo, 1469-1527), ele afirmava que o célebre “Príncipe”, nos dias atuais, não poderia ser considerado como um indivíduo, uma pessoa física, até pela própria caducidade do Sistema Monárquico Absolutista.

Destarte, as funções clássicas do Príncipe (ie, a tomada e a manutenção do Poder), só poderiam acontecer através de um órgão, de um organismo, de um conglomerado de pessoas. Através de um Partido Político.

NOTA do AUTOR – observe-se, porém, que dentro da organização chamada de “Partido Político” é possível observar alguns dos aspectos descritos pelo sábio italiano, pois ali os membros competem pela tomada e manutenção do Poder, só que este reduzido ao nível interno (como, aliás, se verifica em outras organizações, sejam elas familiares, sociais, religiosas ou comerciais, onde cada qual busca para si a maior fatia de poder e das benesses que lhes são inerentes).

Pois, segundo ele, é o Partido (que em si já é o resultado do desenvolvimento histórico) que assume a tarefa de ser o depósito onde se reúnem as “vontades iniciais” (que de individuais se tornam coletivas por afinidade), que pretendem se tornar universais, ou seja, aceitas pela totalidade do Grupo Social.

Cabe, portanto, ao Partido atuar como o “reformador intelectual e moral” da Sociedade, tarefa que expressa, ou expõe, através do chamado Programa, que se subdivide em vários assuntos pertinentes à vida em sociedade.

A partir dessa “Lista de Intenções” sobre a Economia, sobre a Saúde, sobre a Educação etc. estipulam-se os objetivos a serem alcançados e geralmente o cronograma a ser trilhado para a realização de tais intenções.

Mas, mesmo antes de realizar qualquer outra transformação concreta, já é possível perceber o primeiro beneficio que ele promete: libertar a Sociedade Civil das amarras religiosas que a Elite manipulava. Conforme suas palavras: “O Partido, expresso, ou explicitado no seu respectivo “Programa”, é à base de um laicismo moderno. E, consequentemente, a base de uma completa laicização de todas as relações entre os homens e de seus costumes”.

Ou seja, através de sua existência e das normatizações que propõe e depois promulga, o Partido assume a importantíssima tarefa de substituir as funções que antes eram da Igreja.

E para GRAMSCI (e muitos outros), devolver ao homem o comando do próprio destino, libertando-o do Determinismo religioso é a maior contribuição do Partido em prol da evolução da humanidade.

Contudo, essa importância só se concretiza e dá frutos, quando a Organização Partidária funciona corretamente. E para que isso ocorra, é absolutamente necessário que disponha dos seguintes segmentos:

1. Um aglomerado de homens comuns, medianos, cuja importância repousa na lealdade e obediência dos mesmos aos seus lideres, pois sem elas será impossível que alguém os centralize e os conduza, sendo nula a sua participação política. Será dispensável que possuam espírito de liderança, capacidade de organização e/ou outras virtudes.

2. É absolutamente necessária a presença de um elemento capaz de exercer a liderança no sentido lato do termo. Alguém que seja capaz de aglutinar as vontades, as forças e as habilidades individuais que estarão dispersas no primeiro segmento.

3. Por fim é necessário que exista um elemento capaz de fazer a ligação entre a “base e o topo da pirâmide”. Alguém que disponha de características que o tornem próximo dos dois segmentos, transformando as ideias em realizações concretas.

NOTA do AUTOR – o modelo citado por GRAMSCI não traz novidade como o (a) leitor pôde perceber, haja vista que essa constituição é comum na Sociedade. É uma adaptação das funções do próprio corpo físico, onde o cérebro e as mãos fazem os papéis de Planejadores e Executores. Outro ponto a ser observado é que GRAMSCI tinha em mente os Partidos que existiam à época. À Direita, o Fascismo e à Esquerda, o Comunismo, nos quais fica clara a disposição apresentada.

Os Intelectuais e a Educação

Para GRAMSCI, o aculturamento do Proletariado é imperativo para que logre êxito qualquer demanda Socialista.

E para que aconteça esse aumento no nível Cultural, é claro que deverá haver o concurso dos Intelectuais, pois neles estão as reservas de saber e conhecimento de que dispõe a Sociedade.

Porém, a “Intelectualidade Tradicional” não servirá para esse propósito, haja vista sua estreita ligação com a Classe Dominante (antes a Monárquica e depois a Burguesa Capitalista).

Assim, será necessária a criação de uma nova estirpe de Intelectuais, aos quais, GRAMSCI chamou de Intelectualidade Orgânica.

Segundo ele, apenas através desse tipo de erudito é que o Saber poderá, enfim, ser equitativamente distribuído entre todas as pessoas.

Para o GRAMSCI, todo homem é um “Intelectual”, já que todos são dotados de Raciocínio e doutras atividades mentais. Porém, apenas alguns são reconhecidos no âmbito social como “Intelectuais” e estes acabam formando uma Categoria ou uma Classe à parte.

Classe ou Categoria, que com o advento de um novo Regime Político, também deverá alterar a sua formação e a sua maneira de atuar perante a nova sociedade, pois como já se disse a intelectualidade tradicional geralmente se alia à Classe Dominante em um processo simbiótico que favorece a ambas, na medida em que a Intelectualidade cria as bases teóricas que “legitimam de modo falacioso” o Poder usufruído pela Elite; e esta, como mecenas, assegura a existência física dos intelectuais através de pensões, subsídios, etc. permitindo-lhes exercitar a sua arte sem o ônus do trabalho braçal.

Já a Intelectualidade Orgânica, deverá ser composta por Pensadores independentes, que estudarão a teoria e a prática da “Vida Social (ie, a realidade daquela Sociedade)”, desprezando a rigidez das “regras científicas e do academicismo burguês”.

Em substituição à antiga ortodoxia, haverá de dar valor e voz às experiências e sentimentos das “Massas Proletárias”, bem como, retirá-las das valas a que estavam condenadas e onde eram obrigadas a permanecerem em completo isolamento e rebaixamento Social e Político por lhes faltar inclusive os recursos de Linguagem, que são imprescindíveis para protestar, reivindicar, propor, planejar, articular as revoltas etc.

Propunha GRAMSCI, que o intelectual tradicional, (ie, o Literato, o Filósofo, o Artista plástico cuja arte não tenha correlação com a realidade social etc.) fosse substituído por indivíduos com “Formação Técnica”, os quais formariam a nova categoria de intelectuais, cuja atenção estaria focalizada, principalmente, nos problemas atinentes aos aspectos materiais e concretos da Sociedade.

NOTA do AUTOR – a principio pode ser procedente a preocupação com um eventual rebaixamento no nível intelectual e artístico, pois a partir dessa mudança talvez fosse abandonada, ou proibida, toda Arte abstrata e/ou mais requintada. Contudo,segundo o Sociólogo e Mestrando da USP Thyago Marão Villela, a posição do Filósofo não visava à supressão de qualquer tipo de Arte, havendo espaço até mesmo para o antigo Academicismo. A sua proposta atentava mais para o tipo de relacionamento entre a Intelectualidade e o restante da Sociedade.

A esses novos Intelectuais caberia, pois, o papel de “Construtor, Organizador, Administrador”. Seriam os “Especialistas” que elevariam a “Técnica Trabalho” para o nível de “Técnica Ciência”.

Em paralelo, não se deixaria de buscar a criação de outra forma de Intelectualidade “Superior”, a quem seria confiada a liderança do Governo.

E seriam esses Intelectuais Orgânicos (tanto os da “técnica”, quanto os do nível “Superior”) que iriam operar a Sociedade Civil e a Sociedade Política. Na primeira, criariam as ideias, as concepções e as noções necessárias à intermediação entre as Massas e os Governantes. Na “Sociedade Política” traçariam as grandes linhas de Governo.

Desse modo, como se pôde observar, para o Filósofo, a presença dos Intelectuais, é indispensável para o Processo Político emancipatório. E justamente por isso, que ele não hesitava em insistir na necessidade de se criar uma “Cultura Própria dos Trabalhadores”. Um tipo de educação que permita o surgimento de mais Intelectuais Orgânicos, pois serão eles que darão consistência ideológica às Revoluções.

NOTA do AUTOR – esses alertas de GRAMSCI encontraram forte eco no Brasil e suas ideias foram largamente utilizadas pelo Professor Paulo Freire.

A Crítica a Croce

Nesse trecho veremos as restrições de GRAMSCI ao pensador BENEDETTO CROCE (1866-1952, Itália) que, segundo ele, deu à burguesia italiana (representativa da mundial) os mais sofisticados instrumentos teóricos para demarcar as fronteiras entre intelectuais, artistas e a Elite de um lado e o proletariado de outro.

NOTA do AUTOR - esses instrumentos teóricos tornaram-se a mais clara representação da citada Hegemonia Cultural que a Elite impõe ao conjunto da Sociedade em geral e, especialmente, ao Proletário.

E a censura que foi iniciada pelo fato de CROCE ter dado os instrumentos para a citada segregação do proletário, prosseguiu para rebater as afirmativas do mesmo de que o Marxismo comete equívocos graves em um dos elementos mais sensíveis para qualquer “Corrente de Pensamento”: a Economia.

Segundo GRAMSCI, Croce afirma que a obra “O Capital” de Karl Marx não pode ser considerada um livro “Científico (objetivo, racional)”, mas apenas uma obra “Moral (ou moralista)”, cujo objetivo seria caracterizar a Sociedade Capitalista como perversa e injusta, ao contrário da Sociedade Comunista que concretizaria o ideal de plena justiça social.

E que a carência de cientificidade no ideário de Marx já é demonstrada pelo conceito da Mais Valia*, haja vista que só por uma perspectiva moralista se pode falar de “Mais Valia”, pois através do rigor de um ponto de vista lógico e cientifico tal noção não se sustenta.

NOTA do AUTOR - Mais Valia* é um dos conceitos básicos do Marxismo e com ele se expressa a usurpação que o Capitalista pratica contra o Proletariado ao não lhe remunerar a produção suplementar que ele realizou.

GRAMSCI (e vários outros Eruditos) reagiu a essa afirmativa de CROCE taxando-a de sofisma, já que os conceitos de “Mais Valia” e de “Valor” são idênticos.

A única diferença entre ambos está no fato de que teoria de DAVI RICARDO (1772-1823, Inglaterra) sobre o Valor* veio à luz numa época em que não aparecia como um “perigo” à Burguesia, pois então o Proletariado não tinha a menor noção sobre a exploração que sofre. Na ocasião, a tese do Economista inglês foi considerada apenas como uma “constatação puramente teórica e científica de uma realidade econômica”.

NOTA do AUTOR – a teoria do VALOR*, de Ricardo, denuncia a diferença entre o Valor da mercadoria produzida e o valor pago a mão-de-obra que a produziu.

Outro ponto da Filosofia de CROCE que GRAMSCI criticou foi a sua noção de que a história seja apenas a história do Espírito (ou da mente) e, portanto, puramente abstrata, idealista, relativa à liberdade, à cultura e quejandos.

Sem qualquer vínculo com a história concreta, física, das Nações e das Classes Sociais.

GRAMSCI argumentou que se a Dialética de HEGEL pressupõe um choque entre elementos contrários (o choque entre tese e antítese que produz a síntese), a Dialética de CROCE supõe apenas uma atenuação entre os elementos. A proposição que se expressa em uma Tese seria apenas atenuada e não anulada pela antítese. Seria, pois, uma visão mais “covarde, alienada” sobre o desenrolar da história real.

Para GRAMSCI, essa ideia de “atenuação ou de suavização” permeia toda a Filosofia de CROCE, como pode ser visto em suas outras obras, a saber:

1. “História da Europa” onde ele ignora, por exemplo, a Revolução Francesa dentre outros fatos marcantes.

2. “O Império Napoleônico”, onde ele atenua a importância de ambos (a Revolução e Napoleão) como detonadores do “Processo Revolucionário” que se espalhou por toda a Europa. Pode-se ver como ele diminuiu a importância das lutas entre os exércitos napoleônicos contra as antigas monarquias, as quais, se não caíram naquele momento, começaram a sofrer os seus processos corrosivos, que se estenderam até meados de 1870.

Assim, ao invés de ver que um “Sistema Político” é eliminado para que outro o substitua; ou que um “Sistema de Relações Sociais e Políticas” tem que ser destruído para que outro se levante, CROCE insistiu em ver a história como um contínuo, pacífico e plácido movimento cultural e político, sem atentar para a tensão (e a violência) e mudanças efetivas que permeiam tais movimentos.

Materialismo Histórico

Por acreditar que é a história humana e o cotidiano de uma coletividade que definem o que seja realmente importante, GRAMSCI opôs-se ao Materialismo Determinista com rigor.

NOTA do AUTOR – cotidiano que, por sua vez, também é definido pelas condições materiais, concretas de cada momento e lugar.

Não aceitava a ideia de que as vicissitudes, os fatos e as circunstâncias ocorram independentemente da atuação do homem, da Sociedade. Como se fossem “obras de Deus ou do destino”, determinadas ou impostas aos Seres humanos.

Por isso, para ele, o “Marxismo Superior” está absolutamente correto ao não admitir uma realidade que existe em si e para si, totalmente desvinculada da humanidade.

Afirmava, a propósito, que a crença num Universo separado da história e da práxis* humana equivale à crença no Deus criado e imposto pelas Religiões.

Equivale à crença num Ser imaginário, lendário, fabuloso etc. usado como instrumento de repressão pelas Classes Dominantes.

O Fatalismo e o Positivismo

A sua oposição às concepções Fatalistas e Positivistas já lhe era própria desde os anos da universidade, sendo, portanto, a sua continuidade um fato natural.

NOTA do AUTOR – o Fatalismo - a crença de que tal fato irá acontecer imperiosamente de uma maneira e não de outra; Positivistas – ideias cientificistas, materialistas e excludentes da atuação humana.

Porém, tanto o Fatalismo quanto o Positivismo permeavam o Marxismo ortodoxo, básico, desde o antigo Partido Socialista.

E por isso era comum entre seus adeptos imaginar que seria imprescindível a implosão do Capitalismo, em decorrência de suas crises internas, para que o Comunismo finalmente triunfasse.

Para GRAMSCI essa mentalidade era equivocada e só disfarçava a incapacidade do Partido de tomar a iniciativa para derrubar o Regime da Burguesia e conquistar o Poder.

*Práxis – do grego “práxis” = ação. Atividade prática. Ação, exercício. No Marxismo, o conjunto das atividades humanas tendentes a criar as condições indispensáveis para a existência da Sociedade e, principalmente, para a atividade material, para a produção física, concreta. Em sentido estendido, o cotidiano, o dia-a-dia prático, físico da sociedade.

Ao se colocar contra essa visão Positivista e Fatalista GRAMSCI colidiu contra várias personalidades, dentre as quais, NIKOLAI BUKHARIN que em sua obra “A Teoria do Materialismo Histórico, Manual Popular de Sociologia”, de 1921, argumenta a favor de certo “Positivismo Evolucionista”, segundo o qual as “Leis da Evolução humana (sic)” são as mesmas que regem as outras formas de evolução.

Para GRAMSCI, essa “base” da Sociologia seria equivocada por desprezar o “Principio Dialético”, onde o confronto entre a tese e a antítese é que produz a “forma evoluída” chamada de Síntese.

Por isso, a Realidade é, ao cabo, o desenvolvimento da história humana. E só é possível compreender essa mesma realidade, através da “Dialética Marxista”, já que só por meio dela é possível captar o sentido das vivências humanas, suas efemeridades, sua historicidade, enquanto deflagradoras das Ações Políticas que transformam a Sociedade.

Por si mesmas as Sociedades são inertes. Não se transformam se não sofrerem o impacto da ação do homem.

O próprio Marx já anotara que nenhum Grupo Social enfrenta as questões que o levarão a se modificar se já não possuir, ou estiver prestes a obter, as condições para solucionar essas questões. Ou seja, com o tempo, o povo acumula saber, experiência e condições materiais (ou condições objetivas dadas, no jargão Marxista ortodoxo) para fazer as reformas que são necessárias e que só acontecem graças à sua atuação.

Tampouco se desfaz uma Sociedade sem que primeiro tenham se esgotado todas as formas de vida (vida política, social e não no sentido biológico, é claro) que nela coexistem, ainda que a relação entre elas seja injusta e perversa. Apenas quando o limite do suportável é atingido, que o momento para a Revolução se oferece.

Cabe, portanto, ao Revolucionário analisar corretamente o relacionamento entre a Infra e a Superestrutura (os aspectos material e ideológico respectivamente) existente em determinado período para poder prever com acerto o momento de deflagrar a Revolução.

Outra observação de MARX contra a tese Materialista, Positivista, Determinista, que GRAMSCI endossava, afirmava que: a Burguesia, de forma paradoxal e até irônica, transformou o próprio Materialismo em algo “Metafísico”, na medida em que alega que toda realidade concreta, física, veio diretamente de Deus, ou seja, de um Ser sobrenatural, metafísico. Que “Deus criou o Mundo em sete dias”, conforme o Gênese bíblico.

Então, como o próprio Materialismo Positivista deixa de ser confiável, por ter uma origem duvidosa, automaticamente também deixa de ter credibilidade para servir como a base de sustentação para a evolução humana. Logo, para se negar que a evolução ocorre por obra do Positivismo, só é preciso o exercício de um sadio Ateísmo. Apenas, a fácil tarefa de negar a existência de qualquer Demiurgo.

Por fim, ainda no terreno das censuras que GRAMSCI fazia, deve-se mencionar aquela que tinha como alvo o célebre BUKHARIN e o seu suposto desdém à questão do desenvolvimento da “Quantidade para a Qualidade”, previsto na Filosofia de HEGEL. Contudo, essa crítica foi feita de maneira mais sutil, pois o cerne das preocupações de GRAMSCI estava mesmo na questão “Evolutiva” do homem enquanto agente social.

O Estado e a Sociedade Civil

Voltamos a este tópico para complementar a análise sobre o Pensamento de GRAMSCI relativo ao tema.

Quando ele elaborou a sua “Teoria da Hegemonia” baseou-se na concepção de “Estado Capitalista” que, como se disse, exerce o Poder tanto pelo uso da violência coercitiva quanto pelo convencimento maquiavélico.

O Estado, também como já se disse, não pode ser visto apenas como o aparato governamental. Compõe-se, na verdade, das seguintes estruturas:

01) Sociedade Política que é o terreno das instituições partidárias, legislativas e executivas. É onde o controle é exercido pela violência explicita e coercitiva, através do judiciário, da polícia e das forças armadas.

02) Sociedade Civil, ou Esfera Privada, que abriga várias outras instituições e que inclui a Economia, a Cultura, a Religiosidade etc. Nessa, a violência é camuflada e as diretivas, regras e modismos são impostos através de convencimentos espúrios e variadas formas de pressão e de opressão.

Contudo, segundo GRAMSCI, essa divisão não é claramente definida e é mais Formal que Real, já que ambas se mesclam continuamente. E é essa amalgama é que permite a seguinte situação:

No Capitalismo moderno, a Burguesia consegue manter-se no controle da Economia permitindo ardilosamente que a “Esfera Política” atenda algumas demandas menores do Proletariado, evitando assim (ou pelo menos adiando) a eclosão de um verdadeiro Movimento Revolucionário.

Faz uma espécie de “Revolução Passiva” que consiste em abrir mão de uma pequena parte de seus interesses políticos para conservar a sua hegemonia no Poder de fato, que é o Econômico.

Por isso, aliás, teria permitido o surgimento de regimes como o Fascismo, a “Administração Cientifica (que releva qualquer aspecto humanitário)” e os métodos de “Linha de Montagem” que HENRY FORD (1863-1947, EUA) introduziu no cenário industrial e que pode ser considerada como o marco mais evidente da Reificação ou Coisificação do homem.

Em face dessas circunstâncias, GRAMSCI retoma seus argumentos a favor do Partido (Comunista) como o único “Príncipe (no sentido maquiavélico)” capaz de arregimentar as forças necessárias que permitirão ao Proletariado desenvolver os seus Intelectuais Orgânicos (aqueles atrelados à vida prática, ao cotidiano) que criarão uma “Hegemonia Alternativa” capaz de combater à da Burguesia (já então fragilizada por aquelas concessões que precisou fazer para manter-se no Poder).

Com isso, segundo ele, será possível o êxito final de se instaurar o Socialismo, cuja consolidação, em um tempo futuro, eliminará o próprio Estado já que a Sociedade Comunista será plenamente capaz de se autogovernar.

Historicismo

Tal como o jovem MARX, GRAMSCI defendia enfaticamente o Historicismo, que como se sabe é a doutrina que estuda os objetos, os Seres, os fatos etc. sob o prisma de suas origens e desenvolvimentos; considerando que a história dos mesmos é suficiente para explicar a sua natureza (o que é, porque é daquela maneira etc.) o seu valor e a sua importância.

A partir dessa perspectiva, o significado de todas as coisas é oriundo da ligação entre as nossas atividades práticas, a nossa vida cotidiana, e o Processo Social do qual fazemos parte, haja vista que as ideias, as noções, os conceitos não podem existir fora do contexto em que o homem vive. Estão necessariamente atreladas ao indivíduo e ao seu Grupo Social.

Por isso, os conceitos que usamos para organizar o nosso conhecimento do Mundo não derivam da nossa relação com as coisas, com os objetos; mas, sim, da ligação existente entre os usuários desses mesmos conceitos.

Sendo assim, vê-se que não há uma natureza humana imutável, mas apenas um pálido esboço de certa “essência humana” que se altera no correr da história a partir das influências que sofre dos outros homens.

A própria Filosofia, secundada pela Ciência, não afirma existir uma Realidade que esteja além, ou aquém do Ser humano. Ao contrário, afirma ser “Verdadeira” a realidade que retrata o processo histórico, ou seja, a caminhada que a humanidade faz no decorrer de uma determinada época.

Por isso, segundo GRAMSCI, apenas o Marxismo é “verdadeiro”, pois ao articular a “Consciência de Classe” do Proletariado, ele expressa a “verdade” de sua época melhor que qualquer outra teoria. Apenas a obra de Marx associa a história e o homem de modo indiscernível.

Porém, essa sua posição estava mais associada ao “Marxismo Erudito” e por isso foi considerada por alguns ortodoxos como anticientifica e antipositivista. Alguns a viam até mesmo como uma influência direta do pensamento de Croce (sic).

E ainda que GRAMSCI rejeitasse essa hipótese, a versão ficou para os registros, somando-se a tantos outros que tratam das controvérsias havidas entre ele e seus opositores.

Aliás, nada mais natural para quem, como ele, aliou a sua cultura e inteligência com a ousadia de buscar novos caminhos dentro do vasto campo que o Marxismo oferece.

Epilogo.

Não obstante sua tendência esquerdista, e mais especificamente sua adesão ao Marxismo, o Pensamento de GRAMSCI é constantemente visitado por eruditos das mais diversas Correntes, graças à superior qualidade do mesmo.

Sua obra é considerada de suma importância para os estudos relativos à Teoria Critica e aos assuntos Culturais, com destaque para as análises referentes à “Cultura Popular”.

Em seus textos encontram-se elementos substanciais de resistência ideológica e política à “Classe Dominante”, aos quais os mais diversos eruditos sempre recorrem para consolidar os seus próprios discursos e argumentos.

Teóricos políticos de todos os matizes ideológicos, ainda são inspirados por seus conceitos e a sua célebre “Teoria da Hegemonia” é constantemente citada quando se aborda, por exemplo, o atual predomínio do chamado “Pensamento Liberal ou Neo Liberal”.

E toda essa influência acabou ganhando o titulo de “Neo Gramscianismo”, numa prova inequívoca da estima e consideração que a sua cultura, dedicação e honestidade intelectual continuam merecendo.

São Paulo, 31 de Julho de 2013.