HEGEL, Georg W. Friedrich - Filósofos Modernos e Contemporâneos.

HEGEL, GEORG W. FRIEDRICH

A Dialética. O Idealismo. O Espírito Absoluto

1770 – 1831

HEGEL foi um dos filósofos alemães que mais se afamou na primeira metade do século XIX. E tal foi a força do seu pensamento, que ele continuou exercendo grande influência nos pensadores do século XX e, provavelmente, permanecerá ativo com os filósofos do século XXI.

Para HEGEL todos os Fenômenos* são apenas faces, ou aspectos, de um único “Todo” que ele chamava de “Espírito”, ou “Mente”, ou “Idéia”.

NOTA do AUTOR – Fenômenos* são as coisas, os objetos, os Seres, os fatos etc. que são captáveis pelos Sentidos (tato, olfato, audição, paladar, visão)

Por isso, a sua tese central é chamada de Idealismo Absoluto, já que segundo ele, tudo aquilo que existe (inclusive o Ser humano) é apenas uma “parte”, ou uma “face”, ou um “aspecto” de algo maior, que ele chamou de “Idéia”, ou Todo, ou Absoluto.

E essas Faces ou Aspectos em certo momento “desprendem-se do Todo”, cumprem a sua trajetória (ou realizam a sua história individual) cuja meta é aperfeiçoá-las, e, depois, retornam ao Todo ou Absoluto, mais evoluídas.

A esse processo: “desprendimento do Absoluto, trajetória de aprimoramento e retorno ao Todo” o Filósofo chamou de “Dialética”. E nós, humanos, chamamos de “História”. Adiante, voltaremos ao tema.

Como já se disse, HEGEL acreditava que todas as “Coisas, Objetos, Seres, Fatos etc.” são apenas partes de um único Todo, ou Absoluto. E por isso, além de “Idealismo Absoluto” a sua filosofia também é classificada como Monista, já que concebe a realidade de forma essencialmente única.

Realidade “única e idealista”, ou abstrata; isto é, não material e indivisível. Aliás, os nomes que ele escolheu para os seus conceitos, já sugerem essa proposição, pois Idéia, ou Espírito, ou Mente remetem diretamente para a noção de não matéria e de singular, não plural.

Assim, após termos colocado essas primeiras definições, adentraremos o cenário em que se formou o seu sistema de ideias.

A história e a Consciência.

A maioria dos pensadores concorda que os homens são “Históricos”; ou seja, herdamos coisas do Passado, usamos e modificamos as mesmas e as deixamos para as gerações futuras. A “Linguagem” é um bom exemplo dessa afirmativa. Nós a apreendemos, a usamos e modificamos (com neologismos, gírias, etc.) e a legamos para os homens que nos sucederem.

Idem com as “Ciências”, já que os cientistas usam o conhecimento existente e acrescentam-lhe novos saberes. Poder-se-ia citar, ainda, outras instituições, como a Família, o Estado, a Igreja etc.

Desse modo, é possível dizer que tudo que existe no Presente são formas modificadas do que existia no Passado e que são embrionárias do que existirá no Futuro.

NOTA do AUTOR – observe-se que o Ser humano não inicia a sua existência a partir do Nada. Ele já nasce dentro de algum de contexto, o qual, às vezes, modifica-se radicalmente no curto intervalo de uma geração.

Todavia, existem algumas “coisas” que parecem não serem históricas. Num primeiro momento, parecem flutuar acima de qualquer mudança. Parecem imutáveis, como, por exemplo, a consciência.

Admite-se que qualquer coisa sobre a qual se tem consciência (ie. que se sabe de sua existência, formato, finalidade etc.) já mudou ou vai mudar em algum momento. Porém, imagina-se que a Consciência, (aquela “coisa” que sabe que todas as outras são mutáveis) seja fixa, eterna, imutável. Que será sempre igual.

Também não é raro que se suponha que as “Estruturas do Pensamento (ie. a maneira como ele é)” sejam fixas, ou não históricas. Idem com o tipo de atividade desenvolvido pelo mesmo e com as faculdades (ou capacidades) mentais, tais como a memória, a percepção, a compreensão etc.

Essa concepção de que algumas coisas não mudam seduziu grandes pensadores, dentre os quais KANT, o principal filósofo que antecedeu HEGEL.

E justamente por isso, para se compreender o ideário hegeliano é preciso conhecer o sistema de seu ilustre antecessor.

As Ideias de KANT

Como se sabe, para KANT, o modo como o pensamento funciona e as estruturas (o que forma, como forma) da consciência são A Priori, ie, já existem antes que qualquer experiência tenha chegado à mente através dos sentidos (tato, olfato, visão, paladar, audição).

Por isso, são independentes do que se está pensando, ou do que se tem consciência. Também são independentes de qualquer influência externa e estão livres do “Processo de Aperfeiçoamento”.

Kant chamou essas “Estruturas do Pensamento” de Categorias, as quais contem as noções de Causa, Substância, Existência e Realidade. E é graças à sua existência que podemos ter o chamado “Conhecimento A Priori”, que acontece sem haver a necessidade de qualquer experiência que o produza, conforme se pode ver na sequência:

“Certa Experiência Sensorial (ie, feita através dos Sentidos [tato, olfato...]) pode nos oferecer conhecimentos sobre o “Mundo Exterior”; porém, nada nos ensina sobre a sua essência e nem sequer nos comprova que ele exista realmente. Porém, essa comprovação seria desnecessária, pois nós admitimos naturalmente a sua existência, já que o sabemos através do “Conhecimento A Priori”, o qual, para KANT, é possível porque nascemos com as “Categorias (ou Estruturas do Pensamento)” prontas. Temos essa faculdade, ou capacidade desde o nascimento”.

No entanto, conforme KANT, essa Estrutura A Priori só nos permite acessar, ou captar, o Mundo, as coisas, os objetos de uma maneira pessoal, subjetiva. Apenas através do ponto de vista individual.

E isso se torna uma limitação importante, porque existem outros modos de se captar esse mesmo Mundo, ou coisa, ou objeto. Além disso, mesmo que existam bilhões de pontos de vistas sobre algo ou alguém, nenhum deles representará, ou captará a Essência daquilo ou daquele. Nenhum deles mostrará como “são em si mesmo”. Como são realmente.

Essa Essência, chamada de numeno, segundo KANT não pode ser conhecida pelo homem, em virtude da Razão (ou Raciocínio) humana não ter a necessária capacidade para compreendê-la, mesmo se os sentidos (tato, olfato...) pudessem captá-la.

Sendo assim, tudo que o homem pode conhecer, segundo a teoria kantiana, é o Mundo dos Fenômenos, ou Mundo fenomênico, ou Mundo da Experiência Cotidiana. Ou seja, o Mundo, as coisas, os objetos e os Seres que podem ser captados pelos sentidos (visão, audição...) e analisados pelo cérebro.

NOTA do AUTOR – pela importância do tema, recomendo o estudo aprofundado da obra de Kant, mormente a “Critica da Razão Pura”, onde o filósofo aborda a questão sobre qual é o limite da Razão ou do cérebro humano.

A Discordância de HEGEL.

Ainda que reconhecesse a enorme contribuição que KANT deu à Filosofia, HEGEL se opunha ao seu ideário por acreditar que as concepções do “Mundo em Si”, ou da “Coisa em Si (ie, a essência daquela coisa)” e a concepção sobre as “Categorias (ou estruturas, formatos do Pensamento)” eram apenas “Suposições não críticas*”, carentes de estudos mais aprofundados e de maior embasamento teórico.

NOTA do AUTOR – critica= estudo minucioso; logo, Não critica = estudada insuficientemente.

Para ele, KANT fracassou em pelo menos dois aspectos em seus estudos.

Primeiro, por afirmar a existência de “dois Mundos”, ou seja, o “Mundo em Si” e o “Mundo dos Fenômenos”, pois, ter-se-ia aí uma duplicidade, com o que ele não podia concordar por ser um ardoroso MONISTA, como já se viu no inicio. Para ele, “tudo é apenas um”. Logo, não haveria diferenças entre Fenômeno e Essência já que “o que existe é o que se manifesta na Consciência”, ou na Razão, ou Raciocínio. Para ele e seus pares, o que existe de fato é aquilo que nós enxergamos, que ouvimos, que tocamos, que pensamos, divagamos etc. Aquilo que é captado através de uma manifestação oriunda da Experiência Sensorial e da conseguinte reflexão do cérebro. Manifestação, que pode ser entendida como: “o que foi sentido”, ou “o que foi pensado”.

O segundo erro de KANT, seria a excessiva quantidade de suposições que ele teria feito acerca da origem e da natureza das “Categorias”. E dentre essas suposições equivocadas, a mais grave era a que não admitia um relacionamento, ou uma ligação das Categorias entre si. Que uma não derivasse da outra, na pressuposição de que cada qual seria Racional, ou Logicamente, distinta das demais.

As Propostas Substitutas de HEGEL

A partir dessas objeções, HEGEL chamou a si a responsabilidade de compreender e explicar as “Categorias”, ou “Estruturas do Pensamento”, sem fazer nenhuma pressuposição sobre as mesmas, ao contrário de KANT.

Seguindo esse roteiro, determinou que as “Categorias” relacionam-se constantemente e que tal processo também se verifica no “exterior” das mesmas, fazendo com que haja as ligações e derivações entre as diversas “Estruturas de Pensamento”. E que o móvel para essas junções e relações é o “Movimento Dialético”, já que elas são formadas através do célebre embate: tese x antítese = síntese.

NOTA do AUTOR - de todas as relações entre as coisas, os Seres, os fatos etc. a mais comum é a do contraste, ou oposição. Todo pensamento, ou noção sobre o que é determinada coisa, leva ao seu oposto e depois, a ele se une para formar um todo mais elevado e complexo. Esse “movimento dialético” que embasa o pensamento hegeliano é uma antiga ideia que mereceu de Aristóteles o seguinte comentário: “o conhecimento dos opostos é uno”.

Se para KANT a análise de qualquer experiência era imutável, para HEGEL seria exatamente o oposto, pois, se as “Categorias” ou “Estruturas do Pensamento” sofrem mudanças, as análises que fazem, obviamente também sofrem alterações.

Tanto quanto, aliás, qualquer outra coisa ou Ser que exista, porque não são apenas os pensamentos que se modificam, desenvolvem-se e evoluem segundo o Movimento Dialético. Tudo que existe, material, mental, emocional, sentimental está sujeito a essa Lei de aprimoramento contínuo.

Desse modo, a Consciência não seria apenas “ALGO” que está ciente de alguma coisa. Ou um “CÉREBRO” que sabe da existência de certo objeto, ou Ser, ou fato etc. Seria, na verdade, parte de um processo em evolução. De um Processo Dialético.

NOTA do AUTOR - sobre isso, SCHELLING, contemporâneo de HEGEL, disse: há uma identidade de contrários. FICHTE, idem, disse: tese, antítese e síntese constituem a fórmula e o segredo de todo o desenvolvimento e de toda a Realidade.

HEGEL e a Dialética

A noção de Dialética é fundamental para se demonstrar e/ou compreender o desenvolvimento interno, imanente, das coisas, objetos, Seres etc.

E para expor e explicar esse “desenvolvimento interno e contínuo que atinge absolutamente tudo e acontece pela oposição de uma tese contra a sua própria negação, ou antítese”, HEGEL, em suas obras, percorreu quatro etapas observando os seguintes critérios:

1. Não fazer nenhuma suposição.

2. Usar apenas as noções mais amplas possíveis e evitar as afirmativas que não podem ser justificadas.

3. Demonstrar como uma “Noção Geral” é capaz de produzir outras noções mais especificas ou detalhadas.

4. Demonstrar que esse “Processo”, ou seja, o “Movimento Dialético” acontece inteiramente no interior da própria noção, ou coisa, ou Ser.

Esse quarto item mostra o cerne de Lógica de HEGEL; ie, toda noção (tese) contém dentro de si mesma uma contradição (antítese) que só será resolvida com o surgimento de uma nova e aperfeiçoada noção (síntese).

A Síntese, que é o resultado do antagonismo entre Tese x Antítese, por sua vez, torna-se uma nova Tese que será contestada por uma nova Antítese, ensejando, assim o surgimento de nova Síntese, em um movimento contínuo, chamado de “Processo Dialético”.

Desse modo, durante o processo, o Espírito (tanto o individual, quanto o geral) alcança maiores e seguidos conhecimentos sobre si mesmo e sobre tudo que existe. E assim caminha até que atinge a “Compreensão Completa” do Todo.

HEGEL oferece um exemplo dessa progressão Lógica ou Racional (por ser fruto de reflexões) logo no inicio de seu livro “Ciência da Lógica”, de 1816, quando se utiliza da noção mais ampla e abrangente do “Puro Ser*” e demonstra que tal conceito, ou noção, só pode ser compreendido plenamente se for utilizado o “Processo Dialético”. Se houver uma Negação (um contraditório) daquilo que se afirmou, conforme abaixo:

PURO SER x NÃO SER (ou NADA).

Segundo o filósofo, essa contradição é apenas um “conflito” entre dois aspectos de uma “coisa só”, de um “conceito único”.

E para solucionar este confronto, recorre-se a um patamar mais elevado, onde o antagonismo cessará naturalmente. Nesse caso, o patamar, ou a noção mais elevada que solucionará o impasse será o “Vir a Ser”.

NOTA do AUTOR – entenda-se como “Puro Ser”, qualquer coisa, objeto, Ser etc. sobre o qual se pode dizer que existe efetivamente.

Observa-se que o primeiro conceito, a tese “Ser”, não era uma noção única, mas era apenas um dos aspectos do “Todo”, do “Vir a Ser”.

E que a síntese, o “Vir a Ser”, não foi uma solução “trazida de fora”. Ao contrário, já estava no interior do impasse.

Para HEGEL, o “tornar-se” foi sempre o verdadeiro significado de “Ser” e “Não Ser”.

Para exemplificar tal situação, HEGEL, em sua obra mais célebre, Fenomenologia do Espírito, cita a “dialética do senhor e do escravo”, na qual se observa que a noção “Senhor” existe porque quem venceu as suas guerras, exige daqueles que derrotou e escravizou que assim o vejam. Contudo, a sua vontade seria insuficiente, se o escravizado também não o reconhecesse como “Senhor”. Percebe-se, então, que é absolutamente necessário que os dois lados antagônicos (a tese x a antítese) se juntem para que exista a noção (síntese) “Senhor”.

Ademais, na obra citada, HEGEL esclarece que o Processo Dialético não se restringe às ideias, ao pensamento.

Ao contrário, também é a base de todos os acontecimentos físicos, concretos que se sucedem na vida (desde um simples toque no teclado do computador, até uma Revolução Social e Política).

E justamente por essa abrangência é que a sua tese serviu para vários pensadores traçarem as suas teorias acerca do motivo das coisas e dos fatos serem como são em determinada época ou situação. KARL MARX, por exemplo, através dela elaborou a sua teoria sociopolítica, a qual deu o nome de Materialismo Dialético.

A Lógica de HEGEL

A partir do exemplo citado sobre o “Ser, o Não Ser e o Vir a Ser” é possível conhecer todo o “Sistema de Lógica” hegeliano.

A resolução acima demonstrada é apenas o inicio dos inumeráveis “Processos Dialéticos” que se repetem em níveis cada vez mais elevados.

Sendo assim, toda Síntese, enquanto nova Tese terá sua contradição, a Antítese, e do embate entre ambas surgirá nova Síntese que realimenta eternamente todo o Mecanismo.

NOTA do AUTOR – perceba-se aqui o eco da teoria do “Perpétuo Movimento”, ou “Devir eterno” do pré-socrático HERÁCLITO.

O Real é Racional

Segundo HEGEL, o Real (a Realidade) é formado pelo conjunto dos “Processos Dialéticos”, ou seja, pelas “teses x antíteses = sínteses”. E que tais processos só existem como produto de reflexões, de racionalizações lógicas, coerentes com as circunstâncias concretas, materiais, físicas.

Logo, O Real (a Realidade) é Racional e vice-versa.

Método Dialético

Para HEGEL, todas as ideias estão interconectadas e o método para se demonstrar essas conexões é o chamado “Método Dialético”.

Vimos anteriormente que ele afirmara que as “Estruturas do Pensamento” são dialéticas e que não são distintas umas das outras e nem irredutíveis, como KANT sustentava.

Ao contrário, as “Estruturas do Pensamento” mostram-se interconectadas já a partir do trabalho que realizam para solucionar o antagonismo entre a Tese e a Antítese, do que resulta a Síntese. E pelo próprio aumento em sua capacidade operacional.

Um exemplo disso seria o fato de que o homem contemporâneo guarda mentalmente os fatos que ocorreram em mais de dois milênios de distância do homem da Grécia antiga. Ele guarda mais dois milênios de história.

Se, então, as “Estruturas de Pensamento” fossem imutáveis como afirmava Kant, em qual “espaço da memória” ele guardaria esses fatos?

Vê-se, pois, que essas “Estruturas” são, na verdade, elásticas, mutáveis e adaptáveis ao uso que delas é feito.

A Dialética e o Mundo

Quando se fala sobre a Dialética de HEGEL é comum usar os seguintes vocábulos: emergir, desenvolvimento, movimento e outros de teor semelhante.

Essas palavras refletem algo importante sobre o “Método” de HEGEL que, como se viu, começa sem suposições e a partir do ponto menos duvidoso, ou controverso, permitindo com isso que as noções ou os conceitos mais ricos e verdadeiros se mostrem ao longo do desdobramento dialético.

HEGEL argumentava que “desenvolvimentos (modificações, mudanças etc.)” são bem mais que simples fatos da Lógica. Para ele, são “desenvolvimentos reais (acontecem de fato no Mundo físico, concreto)”, que podem ser vistos em toda parte. Inclusive e principalmente na história, como demonstra um exemplo bem simples: um homem da Grécia antiga e outro da contemporaneidade pensam, é óbvio, sobre coisas diferentes.

Para HEGEL, as próprias “formas de pensar” de ambos são diferentes, pois são tipos diferentes de consciência. São estágios ou etapas diferentes no “desenvolvimento histórico” do pensamento e da consciência.

A propósito, vê-se que a já citada obra de HEGEL, Fenomenologia do Espírito, de 1807, oferece uma explicação sobre o “Desenvolvimento Dialético” que ocorre nas formas de consciência, ou estruturas de pensamentos.

Nela, ele relata os tipos de consciência que um homem pode possuir, as quais avançam gradativamente até atingirem as formas coletivas de consciência. Com isso ele demonstra que tais tipos de consciência se encontram externalizadas, “visíveis”, captáveis em períodos históricos, ou em acontecimentos particulares, como se pode ver nas Revoluções Americana e Francesa.

Indo além, o filósofo afirmou que em certas épocas o Espírito (que é formado pelo Mundo, pelo Universo, por todas as coisas, todos os Seres etc.) se utiliza de alguns indivíduos, como, por exemplo, Napoleão Bonaparte, para “forçar” a “marcha dos fatos”, ou o andamento da história, a dar o passo seguinte de seu desenvolvimento, pouco ou nada importando os motivos dos indivíduos, que, aliás, ignoram o fato de estarem sendo usados pela IDÉIA, ou ESPÍRITO.

O progresso que esses indivíduos deflagram caracteriza-se por “libertar” os homens (que ele chama de alguns outros “aspectos do Espírito”) de um estado de opressão política. Vencem tiranias e impulsionam as visões sociopolíticas da humanidade.

NOTA do AUTOR - observe-se que essa concepção de que a natureza da Consciência (a sua forma de ser) altera-se com o tempo, reforça sua afirmativa de que não há nada sobre os humanos que não seja de caráter histórico.

Segundo HEGEL, Esse desenvolvimento histórico da consciência não acontece por acaso, aleatoriamente. Por ser um Processo Dialético deve, necessariamente, possuir ao nível individual um rumo, uma direção e, claro, um propósito, uma finalidade.

E a finalidade do Processo Dialético é fazer com que através da resolução de suas várias e contínuas “Teses x Antítese = Sínteses”, o homem assimile gradativamente maior conhecimento até chegar ao ponto em que renega voluntariamente a sua individualidade e retorna ao “Todo”, de onde saiu justamente para isso.

Até que chegue ao ponto de compreender que o Todo, do qual é parte, é o “Espírito Absoluto”. E tudo é apenas “UM”.

Nesse ponto do desenvolvimento, o conhecimento estará completo, já que a IDÉIA (o espírito, a mente) compreende e entende, através da Síntese Dialética, tanto aquele que conhece, como aquilo que é conhecido.

Mas o Espírito não existe apenas para compreender a Realidade. Existe para estar “ciente de Si mesmo” e de que ele é o movimento (ou o “sopro” que causa esse movimento) rumo à abrangência da Realidade, do Real.

Segundo HEGEL, “A história é o Espírito extravasado no tempo”.

O Espírito e a Natureza

Nesse tópico, HEGEL, tece considerações acerca da aparente dissociação entre o Mundo Material e a História Humana.

Começa, fazendo a seguinte indagação: o que significa dizer que a Realidade (física, material) é histórica?

Para ele, o que chamamos de “Natureza” ou de “Mundo” é também um dos aspectos do “Espírito”.

A natureza, prossegue, deve ser considerada como uma sucessão de etapas, ou de estágios, em que cada qual deriva do anterior, tornando-se “a verdade” daquele. Por isso é histórica.

NOTA do AUTOR – especificamente aqui, nesse trecho, a visão de Dialética aproxima-se da concepção de Platão, por incluir a ideia de aprimoramento através da superação das opiniões opostas.

Também afirmou que os “Estágios da Natureza” rumam, marcham, progridem a partir daquilo que é “apenas vida*” para aquilo “que existe sempre como Espírito**”

NOTA do AUTOR - *ou seja, a natureza como um organismo primitivo, movido apenas pelo instinto; ** isto é, para o vivente que já tem a sabedoria e a consciência de que a “realidade última”, que a “essência” de tudo é o Espírito.

Essa progressão, como não poderia deixar de ser, também obedece ao “Processo Dialético”, porém de uma maneira diferente.

Aqui se trata da “dialética da própria consciência”, onde o “Espírito Absoluto (tanto o individual, quanto o geral)” progride dialeticamente rumo a autorrealização, mostrando as diversas formas que ele, Espírito, assume enquanto participa do movimento.

HEGEL afirma que essa progressão começa pela consciência que primeiro pensa em si própria como se fosse uma “coisa individual”, ocupando um lugar especifico na matéria, no Mundo físico, concreto e posteriormente avança para os estágios seguintes, quando, então, já não se vê apenas individualmente, mas sim como parte integrante de determinado grupo social e/ou político. Deixa, por exemplo: “de ser Fabio, para ser brasileiro”.

E assim continua evoluindo até que se vê como uma “parte do Todo”. Vê-se como Espírito Absoluto. Ou seja, que tudo é espiritual, abstrato, sutil e que a matéria, o concreto só existe transitoriamente e apenas como instrumento para o aprendizado e desenvolvimento da consciência humana.

NOTA do AUTOR – comparar essas ideias de HEGEL com o Hinduísmo é automático e correto. O filósofo, como outros, bebeu nessa Filosofia que, a bem da verdade, é o berço de quase todas as formas de pensamentos posteriores, mesmo que existam discordâncias pontuais.

Espírito e Mente. O Monismo

Na época de HEGEL predominava na Filosofia a noção de que existem dois tipos de Entes: as Coisas (os objetos, os Seres etc.) que existem no Mundo Físico e os Pensamentos sobre essas coisas.

O pensamento seria uma espécie de “fotografia” dos objetos. Uma representação dos mesmos.

HEGEL, porém, afirmava categoricamente que tal concepção era um erro; que as diversas formas de se afirmar a “Dualidade”, ou a separação entre “Coisas e Pensamentos” era um equívoco tão grande que “tal cenário soaria como ridículo”.

Sua defesa desse ponto de vista originava-se de sua sólida convicção Monista, cuja tese central é a afirmativa de que tudo e todos são apenas “um”. E como já se disse HEGEL também era um vigoroso defensor do IDEALISMO.

Portanto, a concepção de que as “coisas” e os “pensamentos” são apenas aspectos, faces de um só “Todo espiritual, ou um Espírito Absoluto” é a pedra basilar de todo seu Sistema Filosófico.

Para ele, a separação entre Coisas e Pensamentos era apenas aparente; uma ilusão oriunda da ignorância*, pois o “pensamento e o objeto do pensamento (ie, aquele objeto sobre o qual se está pensando)” só parecem separados, distintos enquanto o homem não consegue perceber que ambos são aspectos, faces de um único “Todo”.

NOTA do AUTOR – *nesse trecho, HEGEL, reproduz literalmente uma das teses do Hinduísmo que posteriormente foi encampada pelo Budismo. O célebre “Véu de Maia”.

Prosseguindo, HEGEL também afirmou que esta ilusão, ou engano, é superado a partir do conhecimento de que ambos, coisas e pensamento, são aspectos do “Todo”, que ele chamou de Espírito Absoluto. Equivoco superado quando se reconhece que existe apenas “uma Realidade”.

A realidade do Espírito que se autorreconhece e que a reflete em si. Realidade única, que é tanto o Pensamento como aquilo que é Pensado.

A totalidade do Espírito ou o Espírito Absoluto

Aqui HEGEL encerra a sua Dialética. É o ápice do movimento de tese x antítese = síntese que ocorreu em estágios sucessivos e progressivos.

Porém esses estágios anteriores que antecederam o “Gran Finale” não são desprezados pelo filósofo. Permanecem e são mostrados quase que didaticamente como “aspectos do Espírito” que foram insuficientemente analisados, mas que nem por isso estão separados da Realidade Única.

Um aspecto (uma amostra) de como o Espírito se desenvolve – ou como ele “extravasa no Tempo”.

Nas palavras de HEGEL: A Realidade é o Espírito que sofre um contínuo processo de “desenvolvimento histórico” (tanto o pensamento, quanto àquilo que é conhecido por esse pensamento). Ou, em outros termos, tudo aquilo que se imagina como Realidade (objetos, coisas, seres, fatos etc.) “só existe” no pensamento, na ideia, no espírito.

Ideia ou Espírito que abarca tudo o que se chama de Realidade e que se desenvolve dialeticamente, historicamente, através do mesmo processo que cada um de seus aspectos, ou cada uma de suas partes.

NOTA do AUTOR – como o leitor (a) pôde notar, esse tipo de afirmativa aproxima-se bastante do Ideário de Berkeley que já argumentava a favor da predominância do Espírito sobre o Material.

Epílogo

Não são raros os eruditos que traçam uma linha reta ligando o Hinduísmo, PLATÃO e HEGEL. E, de fato, a doutrina básica que os une propõe a prevalência do espírito sobre a matéria bruta.

Hodiernamente, dessa linha de ideários surgiram várias tendências filosóficas, psicológicas, místicas e religiosas.

Contudo, mesmo para o agnóstico ou o ateu, as ideias de HEGEL fazem inteiro sentido na medida em que o seu “Processo Dialético” propõe uma explicação para a formação da Realidade concreta e histórica que está em conformidade com a mais exigente Lógica Racional, como se viu, por exemplo, no caso do Materialismo Dialético de KARL MARX.

Dessa sorte, tanto por questões religiosas ou místicas, quanto racionais e lógicas suas teses continuam a merecer o devido respeito, ensejando a certeza de que seu nome integra o rol dos maiores Pensadores da história humana.

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