Schreber e o Movimento Simbolista

Daniel Paul Schreber, Juiz Presidente de Corte de Apelação na Alemanha, permaneceu manicomizado acusado de doença mental, sob curatela, de 1893 a 1902, escreveu Memórias de um Doente dos Nervos, em que se defende e recupera legalmente seus direitos civis. O texto é obscuro, mas Schreber esclarece logo de início estar em linguagem simbólica, metafórica, alertando que escreverá em “imagens e símiles”. Schreber teria escrito com obscuridade simbólica apenas por ser um alienado mental e ser esta a linguagem do inconsciente? Deleuze1 achou em Artaud a “linguagem da profundidade”, um achado produzido pela crença de ter sido Artaud esquizofrênico (o ponto de vista cria o objeto). Schreber usa a linguagem do inconsciente no sentido do esoterismo, não no sentido das disciplinas psi (cujo conjunto forma a “psiquêlogia”), e pode ser lido como um participante do movimento literário simbolista. Conhecidas são as ligações do movimento simbolista com o ocultismo e o esoterismo, já denotados nos títulos, como “correspondências” (Baudelaire, 1857) e “alquimia do verbo” (Rimbaud, 1873), e de fácil verificação via mecanismos de procura na Internet. As regras de um movimento literário podem ser absorvidas do Mundo das Ideias onde reinam e servir para a elaboração de textos com características comuns ao movimento, e sua absorção não é necessariamente consciente. Schreber não escreve como um literato, as Memórias não são comparáveis a textos de Nerval ou Rimbaud. Tzvetan Todorov2 analisou textos destes dois poetas como exemplo de indeterminação do sentido:

“o que (lhes) falta são associações discursivas explícitas... As relações explicitadas no discurso são a base sobre a qual se encadeiam as associações implícitas de cada leitor; o processo interpretativo muda radicalmente quando as evocações simbólicas se encontram privadas de pedestal: elas flutuam no ar”.

Se isto é verdadeiro, foi infeliz Todorov com os exemplos dados, Nerval e Rimbaud, pois, pela premissa do simbolismo literário, o autor deve evocar símbolos na mente do leitor e estes é que constituem o pedestal a partir do qual se encontra o sentido, se existir. Não se pode analisar o texto de um autor indo contra a regra por ele estabelecida ao produzi-lo. Um movimento literário não usa as regras da Língua, mas se torna movimento exatamente por transformá-las ou criá-las. O autor simbolista conta com a capacidade do leitor de construir em sua mente este pedestal a partir das palavras que ele lhe dá. EmAs Quimerasde Nerval, Todorov recomenda a pesquisa histórica das associações culturais ligadas aos termos usados: a obscuridade se deve a existir um saber determinado que o leitor não possui. As Memórias não são comparáveis, como literatura, aos textos de Nerval, embora uma pesquisa que se faça na memória coletiva retira-lhe muito de sua obscuridade. A lingüística e a semiótica necessitam avançar em campos que lhes recusados desde Ferdinand de Saussure, as contribuições singulares do inconsciente, e suas análises se tornam inadequadas exatamente por evitá-las. Na análise deAprès le déluge, de Rimbaud, para Todorov, erroneamente, o lugar onde ocorrem os acontecimentos ali narrados é o universo e o tempo, “depois do dilúvio”. Rimbaud indica o lugar na frase “na grande casa de vidraças (lugar) ainda escorrentes as crianças (quem) ainda vestidas de luto olharam as maravilhosas imagens (aquelas descritas nas frases antecedentes)”, sendo o tempo aquele “imediatamente após o dilúvio” (vidraças ainda escorrentes). O simbolismo em Schreber não é o simbolismo “fácil” de Rimbaud, nem o simbolismo “difícil” de Mallarmé, emIgitur ou A Loucura de Elbehnon, de tamanha hermeticidade.

Não é um simbolismo de alegorias, embora as contenha em algum grau. As palavras-tema de as Memórias remetem a corpos teóricos específicos. É o uso de palavras com valor de Ideograma, como pediu Artaud, e as relações discursivas estão explícitas em as Memórias, escondidas, no entanto, do leitor egocentrado que só sabe ler pela compreensão imediata (pelo sentido que está inscrito em sua mente), desprezando os sentidos dados aos termos pelo autor que os usa.

1. Gilles Deleuze. Lógica do Sentido. São Paulo: Editora Perspectiva. 1974.

2. Tzvetan Todorov. Simbolismo e Interpretação. Lisboa: Edições 70, 1980.

3. Gilberto Rabelo Profeta. A palavra como ideograma em Antonin Artaud. http://www.revista.agulha.nom.br/ag51artaud.htm

Gilberto Profeta
Enviado por Gilberto Profeta em 28/09/2013
Reeditado em 28/09/2013
Código do texto: T4502564
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.