Ensaios com Montaigne - Por que se filiar à sabedoria?

Os Ensaios de Montaigne são o fruto de uma amizade, ou melhor, de uma filiação a sabedoria. A questão que iluminará o pensador durante toda a sua relação com o conhecimento será “Que sei eu?”. Tal interrogação, refletirá em cada passo que trilhar, a marca registrada de um ceticismo pirrônico, que o acompanhará assim como o “demônio de Sócrates”: uma voz da consciência que o lembra a respeito da sua ignorância, de modo que seus encontros com os “grandes pensadores” não resultem na ideia de que, por ter caminhado com eles, isso significa que conseguiu acompanhá-los. Montaigne, ao dialogar com os sábios, não busca um mestre ou uma doutrina para seguir cegamente, de consciência e juízos vazios. Ele não se intimida diante dos monumentos do saber: pensa sobre eles, faz críticas, duvida de tudo que eles aparentam ser, compara-os com monumentos de outras culturas, avalia a utilidade de cada parte que os compõe para a vida, e por fim, se apropria dos filhos que nascem do parto de suas relações com os saberes, incorporando-os a sua alma. Agindo de outro modo, Montaigne acabaria se tornando mais um pedante na coleção de pedantes do seu século. Se a razão é apenas um instrumento para interpretarmos a realidade, percebe Montaigne, é preciso submeter tudo o que vemos ao nosso julgamento, do contrário, acabamos nos convencendo de que encontramos a verdade, que temos a capacidade de enxergar a essência das coisas, e que temos um conhecimento absoluto a respeito da vida e, portanto, não precisamos saber de mais nada. Não é atoa que Montaigne não se deixa ser conduzido a não ser pelos seus devaneios e sua sede de movimento. O eu de Montaigne nunca se ausenta de suas reflexões, no contato com o mundo. Afinal de contas, o motivo de sua viagem pelo mundo do pensamento e da vida é conhecer-se e tornar-se conhecido, além, é claro, de tomar conhecimento de seu lugar no mundo, do que sabe e do que não sabe, do que pode ver e do que pode não ver. A consequência de suas pesquisas se reverterão em uma formação espiritual e carnal, não separadas, mas conectadas, ao ponto de Montaigne constatar que ele e os seus Ensaios se tornaram um só. Eis, aqui, a lição de Montaigne: “ouse saber”.