Ensaios com Montaigne - Por que revezar-se no divã?

Como um psicólogo consciente, Montaigne, tanto coloca-se no divã para ser analisado por Platão (ou qualquer outro pensador), como também coloca Platão no divã para ser analisado. Não é porque Platão tem uma estrela gravada na calçada da fama da história da filosofia que ele terá o direito de ser intocável. Se Platão, assim como qualquer outro filósofo, não é um Deus, logo, como diria Montaigne, precisa sentar sobre seu rabo. Isso significa que, a partir do momento em que estamos realizando um “comércio” com os homens, não podemos esquecer que todos estão sujeitos ao erro. Sendo assim, podemos duvidar a vontade deles, da mesma forma como podemos abraçá-los e levá-los para casa para tomar um café.

A questão central, para Montaigne, não é quem sabe mais, mas quem sabe melhor: até que ponto, tal conhecimento de tal filósofo tornou a vida dele melhor, mais feliz? De nada vale, nos dirá Montaigne, alguém tocar maravilhosamente um instrumento, se não souber ao menos afinar seus costumes. Se qualquer tipo de saber, supostamente adquirido por uma pessoa não teve nenhuma utilidade para sua existência, não seria melhor que tivesse consumido seu tempo e sua vida jogando bola? Ao menos, desse modo, teria se tornado mais forte fisicamente e se divertiria.

O que não podemos perder de vista é o que Montaigne pode nos revelar, ao se colocar no divã para ser perscrutado por outro pensador. Como podemos ser contestados se nos vermos apenas a partir do nosso ponto de vista? Se cada ser humano se vê como Senhor do Universo, como detentor da melhor religião e da melhor cultura, julgando ser irracional, loucura, estranho ou inferior, tudo o que foge da sua razão, é preciso que ele se esqueça quem é, a fim de que a natureza do outro que o analisa possa fazê-lo sair dos limites do seu umbigo.

É por isso que Montaigne colocou um “cocar” na cabeça, com a intenção de conhecer os índios, e entender como pensavam. O fato de ter convivido com os índios, ainda que por intermédio dos livros, de histórias e um pouco através do diálogo com os que foram levados para a França, e compreendido o sentido da cultura indígena não fez de Montaigne um índio, mas permitiu a ele extrair aprendizados que poderiam ter ajudado a resolver muitos problemas de seu povo francês: desigualdade social, guerras pelo monopólio da Verdade e a vergonha do que faz parte da natureza humana.