Ensaios com Montaigne - Por que o julgamento traz sofrimento?

"Em verdade o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diverso. Dificilmente o julgaríamos de maneira decidida e uniforme." (MONTAIGNE, ENSAIOS, POR DIVERSOS MEIOS CHEGA-SE AO MESMO FIM)

Por que os sábios pirrônicos acreditavam que o julgamento trazia sofrimento, e por conta disso, suspendiam o juízo diante de tudo? Não faltam episódios na minha vida para observar como a máxima desses pensadores da antiguidade, pouco encontrados no meu século, condizem com a realidade.

Sofri horrores sendo tomado pela razão do ciúme. Via o que não existia até quando minha ex-namorada chupava o seu sorvete. Tinha medo que ela saísse de casa, odiava quando sabia que ela havia conversado com algum homem, quando recebia algum elogio. Perdi a conta, de quantas vezes discuti com ela por conta da falta de confiança, por achar que poderia perde-la: até para ninguém.

Não é difícil de raciocinar, a respeito de como se colocar na posição de juiz, pode ser, ao mesmo tempo, a de se sentar numa cadeira elétrica que não para de nos atormentar, enquanto não sairmos dela.

Sendo juízes, partimos do princípio de que sabemos, ou melhor, temos a certeza do que é a Verdade e do que não é, do que é bom e do que não é, e com base naquilo que observamos cegamente, acreditarmos que já podemos incriminar a conduta do outro. O que não sabemos é que, ao criarmos uma sentença, estamos ignorando o que não vemos e o que não sabemos. Não atoa, disse Montaigne, que cada um aprecia o que não faz parte da sua, o que não compreende, como loucura, e foi por uma loucura da mentalidade um homem que se considerava senhor da razão, civilizado e superior que milhões de índios foram dizimados no século de Montaigne.

Sábio foi aquele que disse "não julgueis": "amai-vos", não trucidai-vos.