Ensaios com Montaigne - Por que escutar os sonhos?

“[...] Ele deve conservar intacta sua lucidez, sem que lhe altere a razão de maneira a não ceder ante o terror e o sofrimento.” (MONTAIGNE, ENSAIOS, Da perseverança)

Como disse meu tio, certo dia, para construirmos uma casa, precisamos em primeiro lugar ter dinheiro, de um projeto para construí-la, mão de obra, materiais de construção, esforço e tempo. Para destruí-la é simples: basta botarmos fogo nela ou explodirmos como uma bomba, e se quisermos ser mais econômicos e tivermos paciência para isso, uma marreta. Da mesma forma, para nos tonarmos lúcidos e conservarmos a nossa razão, a tarefa pode ser até mais árdua. A luta para nos mantermos de pé e não ficarmos loucos é diária, visto que tudo o que está no mundo pode nos afetar e arruinar: uma mulher, a falta de dinheiro, uma palavra atravessada, uma dor de barriga.

Se hoje posso acreditar que sou lúcido, isso não significa que sinta minha razão estremecer não somente por coisas do mundo, mas coisas da minha cabeça, que, as vezes, nem sei o que são, nem da onde vem. Tomo como base ontem, quando, a noite, fui surpreendido por uma melancolia profunda que beirava depressão. A prova disso é que eu me senti indisposto até para ler. A solução foi dormir para perder a consciência que me levava para rastejar. Graças a Deus, com uma noite de sonho, consegui esquece-la ou deixa-la escondida em algum lugar, talvez por isso, eu tenha tido um sonho estranho, história que não me lembro agora, mas sei que era o ator principal e que o mundo conspirava contra mim. Como dizia Bergson, nossa memória acorda de acordo com a utilidade que tem para nós no presente: lembrei-me agora de um episódio deste sonho. Eu tinha ficado com um pessoa, se não me engano, numa festa, em questões de segundos. Depois de ter visto as estrelas junto com ela, parece quis ir embora e resolvi me retirar da festa. Ela ficou revoltada e quis me perseguir, não para tirar satisfação, mas para me dar uma surra. Ela me perseguiu durante o sonho inteiro. Não sei qual foi o desfecho da história.

Talvez, esse sonho tenha me dito, que o fato de estar sozinho é consequência de eu não ter paciência para correr atrás do risco de me entregar a alguém desconhecido - embora eu ache que já estou habilitado para isso; que eu esteja tendo uma relação efêmera com a vida, com as pessoas, e que minha razão pode se abalar ao menor sinal de proximidade de alguém em meu território, ainda que ela possa me dar prazer, alegria ou prometer-me uma nova felicidade, que não faça parte do meu vocabulário.